Um novo paradigma de negócios para enfrentar as mudanças climáticas
À medida que os eventos climáticos ameaçam tanto a sociedade em geral quanto as condições dos negócios, stakeholders estão começando a exigir que as empresas atuem como guardiãs responsáveis do planeta. Quais princípios os líderes precisam repensar agora?
Outubro | 2021Entre as muitas questões consideradas desafiadoras no tempo em que vivemos, as mudanças climáticas certamente estão no topo da lista. Cientistas são quase unânimes na conclusão de que a atividade humana está mudando o clima da Terra de maneiras que ameaçam o ambiente e a civilização.
Considerando o que está em risco, cada indivíduo tem a responsabilidade de fazer o que puder para ajudar a controlar as mudanças climáticas e se adaptar a um planeta alterado, um fato que muitas organizações estão aceitando enquanto buscam incorporar um senso de propósito mais amplo às suas atividades. Os stakeholders das empresas, desde consumidores e funcionários a credores e comunidades, estão, cada vez mais, exigindo ação. O ambiente regulatório tende a se tornar mais rigoroso no futuro. Os riscos relacionados ao clima para operações, redes de fornecimento, instalações e trabalhadores aumentam enquanto observamos temperaturas recordes e inundações sem precedentes.
Fundamentalmente, mudanças climáticas que não são controladas podem colocar em risco o estoque de capital social e natural das empresas. No futuro, a “licença social” de operação de uma empresa provavelmente será contingente, em parte, à sua gestão responsável em relação ao planeta.
Ser um bom administrador e evitar um desastre criado por nós mesmos exige que repensemos muitos paradigmas que há tempos ignoramos. De maneira encorajadora, a pandemia de Covid-19 ilustrou dramaticamente que muitas das restrições que considerávamos obrigatórias – sobre como, quando e onde o trabalho é feito e para quais fins – eram bem mais maleáveis do que pensávamos. E, cada vez mais, vemos uma comunidade empresarial pronta para agir rapidamente para mitigar, se adaptar e criar um novo valor diante das mudanças climáticas, com iniciativas ousadas sendo anunciadas quase semanalmente.
As conclusões desses exemplos, no entanto, não são necessariamente óbvias. O que a sua organização deve fazer? É fácil argumentar que precisamos dedicar todos nossos recursos e energias disponíveis para mitigar a crise do clima – afinal, “não há riqueza em um planeta morto”. Ao mesmo tempo – e para ser tão hiperbólico quanto –, de que adianta salvar o planeta se todos morrerem no processo? Encontrar uma resposta realista e eficaz no espaço infinito, porém limitado, entre “tudo” e “nada” continua sendo um desafio para a comunidade empresarial. Não nos faltam recursos, ferramentas ou inteligência. O que falta é um conjunto de novos paradigmas de tomada de decisão adequados a um desafio sem precedentes.
E assim, para os líderes preparados para agir, mas com dificuldade em determinar a melhor forma de proceder, sugerimos uma nova maneira de pensar sobre como as empresas podem lidar com as mudanças climáticas.
Mudanças climáticas e a comunidade empresarial
Este artigo aceita o consenso científico de uma mudança climática antropogênica. Em resumo, a liberação de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis levou a um aumento rápido (em termos geológicos) na média das temperaturas atmosféricas. Nós já estamos presos em um clima mais quente, e na ausência de reduções das emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases que retêm o calor, observaremos mais aquecimento. Inundações, falta de alimentos, calor extremo, incêndios florestais e outros acontecimentos já estão se provando calamitosos para milhões de pessoas em todo o mundo. As empresas não estão imunes a essa situação: um grupo de quase 7 mil organizações que reportam ao Carbon Disclosure Project estimaram que enfrentam quase US$ 1 trilhão em riscos relacionados às mudanças climáticas, muitos deles considerados com alta probabilidade de acontecer – e que os afetariam nos próximos anos. Um grupo diverso de stakeholders – desde consumidores e funcionários a credores e ativistas – está, cada vez mais, pressionando empresas a agirem.
À medida que as causas e consequências do aquecimento global ficam mais claras e a pressão de várias fontes aumenta, empresas começaram a responder em três dimensões (não mutuamente exclusivas): mitigação, adaptação e criação de valor.
Mitigação
A mitigação das mudanças climáticas se refere aos esforços para reduzir ou prevenir a emissão de GEE na fonte, bem como esforços para remover da atmosfera emissões de GEE já existentes. Em um contexto empresarial, a mitigação busca reduzir as emissões relacionadas a empresas.
Evitar os piores impactos das mudanças climáticas depende de as pessoas limitarem o aumento da temperatura média da atmosfera em 1,5° C, o que significa reduzir de maneira dramática as emissões antropogênicas de dióxido de carbono. Empresas podem ajudar das seguintes maneiras: mudando a geração de energia para fontes não emissoras, como solar, eólica e nuclear; transformando em elétricos os sistemas que dependem da queima de combustíveis fósseis, incluindo veículos e aquecimento de edifícios; reduzindo emissões por meio do aumento da eficiência e diminuição do consumo das atividades emissoras de GEE já existentes; adaptando sistemas agrícolas; e capturando e sequestrando carbono para compensar as emissões de fontes para as quais ainda não temos um substituto não emissor viável, além de remover emissões passadas da atmosfera.
Essas metas e medidas associadas – realizadas em escala, com urgência – são consideradas a melhor chance da humanidade para evitar futuras interrupções agudas na economia, sociedade e modos de vida.
Adaptação
A adaptação às mudanças climáticas se refere ao processo de ajuste às transformações atuais ou previstas e seus impactos esperados. Em um contexto empresarial, a adaptação busca moderar os danos às operações e atividades de negócios.
Mesmo que as organizações ajam com urgência para limitar mais aquecimento, nós estamos presos em um clima mais quente no futuro próximo. As repercussões estão disseminadas e já estão sendo sentidas na forma de secas mais longas, inundações e incêndios florestais mais frequentes e severos, na elevação do nível do mar e em uma série de mudanças no ambiente natural das quais todas as empresas, em última análise, dependem. Empresas devem avaliar como essas mudanças podem afetar seus negócios e tomar medidas para reduzir sua exposição aos riscos relacionados às alterações climáticas – como, por exemplo, realocando elos vulneráveis na rede de abastecimento. A gravidade e a frequência dos impactos provavelmente só aumentarão e se agravarão com o tempo, mesmo que os esforços de mitigação global sejam bem-sucedidos, adicionando urgência para que líderes empresariais tornem suas organizações mais resilientes ao clima.
Criação de valor
A criação de valor refere-se ao desenvolvimento de estratégias de negócios, produtos e serviços projetados para explorar as oportunidades apresentadas pelas mudanças climáticas, ou ao projeto de atividades de mitigação e adaptação com um benefício comercial resultante em mente.
A descarbonização da economia global é muitas vezes considerada um esforço caro e doloroso que poderia retardar o crescimento, pôr em risco empregos e restringir a inovação. Haverá custos de curto prazo que podem ser graves para alguns setores e empresas cujos modelos de negócios são hoje dependentes de combustíveis fósseis e processos emissores de carbono. Entretanto, é possível que também apareçam grandes oportunidades de criar e capturar valor. A mudança para energias renováveis, transporte elétrico, mudanças nas práticas agrícolas e a transição para processos industriais de baixa emissão e maior eficiência já estão capacitando uma série de novos modelos de negócios.
Haverá custos de curto prazo para descarbonizar amplamente a economia global. Entretanto, é possível que também apareçam grandes oportunidades de criar e capturar valor.
Mudando o paradigma de negócios
Durante grande parte do último século, empresas que operam em economias com base no mercado foram amplamente gerenciadas para maximizar a performance financeira, limitadas apenas por restrições regulatórias e com a própria organização como principal preocupação. Talvez não por coincidência, esse período coincidiu com quase todas as emissões responsáveis pelo aquecimento do clima realizadas pela raça humana até hoje. Certamente, a crise do clima pode ser entendida, assim como uma abrangente análise econômica da questão a coloca, como “a maior falha de mercado que o mundo já viu”. O clima em si exemplifica um “problema comum”, no qual um recurso compartilhado e não excludente está sujeito ao esgotamento. Países, empresas e indivíduos estão sujeitos ao “free riding” (levar vantagem sem pagar ou merecer), à tentação de evitar contribuir com o bem público (neste caso, a mitigação do clima), e a problemas de ação coletiva. Emissões de GEE são externalidades negativas que a maioria dos mercados subestima ou não precifica.
Nos últimos anos, no entanto, tem havido um movimento crescente para reexaminar como as empresas operam – e para quem. O “capitalismo de stakeholder” imagina as corporações sendo responsáveis não só apenas por seus acionistas, mas também por seus profissionais, fornecedores, comunidades e o meio ambiente. Nesse sentido, mais empresas começaram a agir para enfrentar a crise do clima – é cada vez maior o número de organizações que divulgam informações relacionadas ao clima, alinhadas às recomendações feitas pela Força-tarefa de Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. Até setembro de 2020, por exemplo, quase 500 empresas haviam aprovado metas com base na ciência para reduzir as emissões de GEE, um número que continua crescendo. Riscos climáticos e de sustentabilidade dominaram a agenda da reunião anual do Fórum Econômico Mundial, como observado de forma mais proeminente na defesa do esforço de plantar 1 trilhão de árvores para capturar carbono. A lista de ações cresce quase que diariamente.
A mudança repentina e dramática deixou muitas empresas sem um conjunto de ferramentas analíticas e processos de tomada de decisão proporcionais a esse propósito mais amplo. Ao lidar com mudanças climáticas, a aplicação das mesmas abordagens que usamos no passado para gerenciar negócios – navegando entre incentivos econômicos e restrições regulatórias e tendo a empresa individual como o principal ator – provavelmente nos deixará muito aquém do que é necessário para ajudar a evitar alguns dos seus piores impactos ou até mesmo para prevenir perturbações no nosso modo de vida. Por que deveríamos esperar que abordagens de gestão semelhantes sejam capazes de enfrentar a crise?
Precisamos ampliar as formas com as quais as empresas têm avaliado, tradicionalmente, suas ações, expandindo o escopo e a escala das atividades em jogo. Isso significa passar de uma abordagem com foco primário na empresa em si para uma que envolva frentes múltiplas: a empresa individual sim, mas também agindo coletivamente com outras como um setor em um ecossistema mais amplo de participantes.
Cada um desses níveis de ação – organização, setor e ecossistema – requer um conjunto diferente de objetivos, restrições e maneiras de avaliar o sucesso. No nível organizacional, nós devemos considerar como priorizar resultados e como medir e capturar valor. No nível setorial, devemos mudar coletivamente as regras do jogo – ou seja, as restrições que empresas enfrentam quando competem efetivamente – e como criar valor de maneiras que levem a resultados favoráveis ao clima. E no nível do ecossistema de negócios, devemos mudar os objetivos para metas que coloquem a mitigação, adaptação e criação de valor referentes ao clima pelo menos no mesmo patamar que crescimento e lucratividade.
Essas não são escolhas exclusivas. A magnitude e gravidade do desafio sugerem que os líderes de negócios devem avaliar suas opções e trabalhar em iniciativas em todas as três frentes ao mesmo tempo.
Por que deveríamos esperar que abordagens de gestão semelhantes sejam capazes de enfrentar a crise?
Ações empresariais em escala: mude como você captura valor repensando prioridades e horizontes de tempo relevantes
Empresas normalmente têm uma gama diversificada de ações relacionadas ao clima que podem ser realizadas por conta própria. Nesse caso, é possível aplicar ferramentas de análises tradicionais: acessar o retorno sobre o investimento, custos previstos versus lucro, diferenciação e posição competitivas, entre outras. O que muda são quais tipos de iniciativas são priorizadas e em qual horizonte de tempo elas são avaliadas.
Em muitos casos, essas ações podem ser facilmente justificadas tanto em termos ambientais como econômicos. O Carbon Disclosure Project coletou dados em cerca de 4.800 empresas globais que relataram, coletivamente, esforços de eficiência da cadeia produtiva em números totalizando 551 milhões de toneladas de carbono e economias de US$ 14 bilhões, com ações que incluíam embalagens inteligentes, análise de ciclo de vida de produtos e design circular. Pesquisas feitas em mais de 1.500 empresas indicam que aquelas que são mais eficientes em termos de carbono – usando a menor quantidade de carbono possível para uma unidade de produção – são mais lucrativas e menos vulneráveis ao risco macroeconômico.
Para encontrar o que muitas vezes está escondido bem na frente de nossos olhos, os tomadores de decisão devem priorizar esforços e escapar dos preconceitos que tornam invisíveis os investimentos lucrativos relacionados ao clima. Talvez, o mais potente desses preconceitos seja uma ênfase exagerada em resultados de curto prazo, um produto tanto da biologia e cognição humana, como da estrutura dos mercados de capitais. Ao priorizar crescimentos trimestrais ou até mesmo anuais, líderes podem ficar cegos para os riscos, custos e ganhos perdidos que se acumulam sobre horizontes de tempo mais longos. Ver as implicações de negócios sob a ótica da lucratividade e do crescimento sustentáveis de longo prazo pode fazer com que ações relacionadas à mitigação, adaptação e criação de valor na questão do clima sejam mais justificáveis em termos financeiros.
À medida que os horizontes de tempo se expandem, o mesmo acontece com o universo de riscos e oportunidades que as empresas consideram. Líderes tendem a acreditar que suas escolhas de negócios para investimentos e iniciativas têm como base uma análise exaustiva de todas as opções possíveis, mas o que torna a lista curta para consideração deve ser suficientemente saliente para ter sido considerado em primeira instância. Ao abrir a brecha para incorporar questões relacionadas ao clima a estratégias e práticas de gerenciamento de risco corporativo existentes, empresas podem adotar uma abordagem sistemática para identificar onde podem reduzir seus próprios impactos e se protegerem de riscos emergentes. O planejamento de cenário, informado por previsões detalhadas e uma compreensão do valor em risco, pode ajudar os líderes a abordar o desafio de forma estruturada. Em última análise, a consideração de impacto climático deve se permear em todas as decisões organizacionais, e as unidades métricas de negócio e os sistemas de gestão de desempenho devem seguir o exemplo.
Em suma, você está mudando suas prioridades de como capturar valor dentro das restrições do seu modelo operacional existente.
Ações em escala industrial: mude como você cria valor alterando restrições relevantes
Quando você não pode mudar seu modelo de negócios para diminuir sua pegada de carbono, um caminho é explorar a alteração de restrições nas suas ações. E para que isso não prejudique a sua posição competitiva, é preciso atuar para além da empresa em si, colaborando com clientes e até concorrentes que também veem a importância de fazer a mudança acontecer. Uma única organização pode ser pouco para, por exemplo, fazer com que fornecedores tenham formas de cultivo menos intensas em carbono – ou, inversamente, provocar uma mudança unilateral para um insumo mais favorável ao clima que acarrete um custo maior. Mas o setor inteiro fazendo a mesma demanda junto? Enquanto estimativas variam por país e indústria, frequentemente a maioria das emissões de GEE relacionadas a negócios se enquadram no “Escopo 3” – emissões indiretas relacionadas à operação, cadeia de valor e uso de produto de uma empresa. Mitigar tais emissões provavelmente exigirá uma abordagem no nível do setor para trabalhar com fornecedores e clientes para encontrar novas soluções.
Já há exemplos de ações em nível de setor para mudar as restrições em que as empresas têm operado tradicionalmente. Nos EUA, uma estimativa conservadora coloca a agricultura como responsável por cerca de 10% das emissões anuais de GEE do país inteiro, mas diz que o setor tem o potencial de não apenas se tornar neutro nas emissões, mas até mesmo de sequestrar carbono. Atualmente, no entanto, agricultores e pecuaristas têm pouco incentivo para adotar práticas de agricultura com menos uso de carbono, como plantio direto e cultivo de plantas de cobertura. Com margens estreitas para começar e sem nenhum mecanismo para capturar as externalidades positivas associadas a alternativas favoráveis ao clima, o movimento da agricultura regenerativa tem demorado a ganhar força. Em um esforço para alterar as restrições, produtores formaram o Consórcio de Mercado de Serviços de Ecossistemas para criar um projeto que recompense práticas de agricultura sustentáveis na forma de créditos, em que qualquer produtor de outras partes da cadeia de produção de alimentos pode comprar para compensar suas pegadas de carbono. Embora ainda esteja na fase piloto e de pesquisa, o grupo inclui os principais consórcios do setor, organizações sem fins lucrativos e algumas das maiores empresas alimentícias dos EUA.
Para fazer as mudanças necessárias é preciso moldar, de maneira ativa, o contexto de tomada de decisões para que os resultados sejam mais favoráveis ao clima. Isso requer, em primeiro lugar, identificar como organizações no setor podem tomar iniciativas para reduzir sua pegada de carbono. Depois vem a tarefa potencialmente mais difícil: reunir concorrentes antigos para coletivamente mudar as regras do jogo. Em alguns casos, as ações disponíveis podem ser pré-competitivas, fazendo com que o apoio a elas seja relativamente simples. Em outros casos, nos quais as mudanças podem afetar a posição competitiva, o sucesso depende de liderança real e perseverança, e o estímulo de dar o crédito publicamente aos que as adotarem deve ser usado amplamente – o que, por extensão, deve pressionar os retardatários a aceitarem também. Grupos da indústria e do comércio podem servir como convocadores úteis, e podem ser vozes poderosas para encorajar políticas e regulamentações a favor do clima. A Science Based Targets Initiative tem ou está no processo de desenvolver padrões técnicos para a redução de emissões em variados setores que podem ser aplicados por empresas individuais. Além dela, outras organizações, como a Sustainable Forestry Initiative, dão certificados e rótulos de produtos atestando o cumprimento de certos padrões.
Conversas difíceis com alguns dos fornecedores do setor (que também podem ser clientes) talvez sejam necessárias, visto que eles podem enfrentar uma menor demanda ou custos elevados como resultado da mudança coletiva de abordagem. O setor deve estar disposto a explorar maneiras de dividir o fardo ao, por exemplo, aceitar preços mais altos ou tratamento menos preferencial.
Uma vez operando nesse novo contexto, é possível otimizar seus próprios resultados, mas dentro de novas regras. Considere isso como um tratado no qual você e seus concorrentes concordaram em não usar certas estratégias ou táticas mesmo que continuem buscando ter vantagens sobre elas.
Resumindo, alteramos as restrições e, dentro dessas novas condições, ainda é possível fazer todas as escolhas que seriam feitas normalmente – mas com uma diferença fundamental: fazer negócios de uma maneira mais positiva para o clima.
Ações em escala de ecossistemas: mude a definição de “valor” alterando seu objetivo
É quase certo que evitar níveis calamitosos de aquecimento global exigirá uma ação de tal amplitude, profundidade e urgência que as ações em nível de empresa ou setor por si só (mesmo agregadas e aceleradas) provavelmente serão insuficientes. E para realizar os impactos mais ambiciosos em uma proporção planetária é preciso a mobilização de uma série de atores em uma escala completa de ecossistemas de negócios, ultrapassando fronteiras tradicionais de setores e muitas vezes incluindo governos, organizações sem fins lucrativos, universidades, entre outros. Alguns elementos críticos da solução podem ser implementados apenas por meio de uma ação coletiva em larga escala.
Isso, por sua vez, requer uma abordagem de tomada de decisões com um objetivo totalmente diferente do que é normalmente buscado por líderes de negócios. Ao contrário da ação no nível da indústria, a diferenciação competitiva importa muito menos do que o normal – de fato, a cooperação com concorrentes costuma ser uma marca registrada da ação no nível do ecossistema. O caminho para a lucratividade pode ser sombrio ou pode se estender ainda mais no futuro do que o pensamento empresarial padrão normalmente acomoda. O valor é medido não pelo retorno sobre o investimento, mas pela habilidade da empresa de ter os recursos naturais e sociais que precisa para se manter no longo prazo.
Para ser claro, isso não significa sacrificar sua empresa nas mãos das mudanças climáticas. Porém, nós não podemos amenizar o desafio: embora haja muitos casos nos quais as práticas favoráveis ao clima sejam boas para os negócios, há também um conjunto de ações que podem ser, francamente, caras – pelo menos por medidas financeiras convencionais e ao longo dos prazos tipicamente usados na tomada de decisão de negócios. O clima é uma questão que transcende empresas, setores e até mesmo sociedades e países. É um desafio global que requer que as contribuições de empresas com fins lucrativos ajudem a enfrentar. Os custos da inação – e a perda de uma licença social para operar – são possivelmente ordens de magnitude além de quaisquer despesas de curto prazo.
Com essas iniciativas de ação coletiva, seguir as normas é quase mais valioso do que liderar.
Mentalidades empresariais profundamente arraigadas podem desviar até mesmo os líderes mais bem-intencionados de agirem coletivamente onde poderiam ter os melhores resultados. Frequentemente, empresas querem que clientes e funcionários as percebam como “donas” de uma solução climática particular ou tendo uma posição diferenciada. Entretanto, o resultado pode estar perdendo de vista o objetivo existencial final. As questões de exclusividade, diferenciação e propriedade são menos relevantes. Essas são iniciativas de ação coletiva nas quais seguir as normas é quase mais valioso do que liderar.
Depois de adotar esse quadro de tomada de decisões, os esforços para apoio podem variar. Para manter o objetivo alterado – reduzir o carbono atmosférico – a busca deve focar primeiro as iniciativas que prometem o maior impacto potencial. Algumas das principais soluções incluem reduzir o desperdício de alimentos, expandir os serviços de saúde e educação (em especial para meninas e mulheres), expandir as dietas com base em plantas, reflorestamento/florestamento, mudar as práticas agrícolas e alterar a energia para fontes renováveis (o gráfico 1 mostra as 10 principais soluções da organização sem fins lucrativos Project Drawdown). Muitas dessas soluções estão sendo ativamente buscadas por organizações estabelecidas que reúnem diversos grupos de participantes e especialistas em um esforço para alcançar um impacto mais amplo. Encontre um que se beneficiaria da contribuição da sua empresa.
O papel do governo
Mesmo que líderes empresariais adotem mentalidades que vão além das abordagens tradicionais de gestão para lidar com as mudanças climáticas, o governo continuará desempenhando um papel crítico. Políticas públicas e regulamentações que abordam as mudanças climáticas estão evoluindo rapidamente mas de forma desigual em todo o mundo, e a trajetória geral é em direção a abordagens cada vez mais agressivas para reduzir as emissões de GEE e descarbonizar a economia.
No contexto da nossa estrutura, ações do governo podem acelerar, retardar, obrigar ou evitar tipos e níveis particulares de ação. Essas ações moldam o que é exigido de empresas e setores, e o que é possível em todos os ecossistemas. Créditos fiscais e outros incentivos podem influenciar o comportamento de consumidores e negócios, colocando uma gama de atividades mais ampla na categoria de coisas que “pagam” pelos conceitos altos e baixos de uma empresa. Os padrões estabelecidos pelo governo podem ajudar a tornar desnecessárias as restrições coordenadas no nível de setores. O financiamento do setor público pode dar os recursos necessários para que as iniciativas no nível de ecossistemas sejam lançadas.
Espalhando o pensamento climático
Não importa em qual setor uma empresa está ou quais consumidores ela atende: evitar níveis catastróficos do aquecimento global dá aos líderes tanto uma obrigação como uma oportunidade. Várias organizações já iniciaram essa jornada, mas para aquelas que ainda não o fizeram, muitas vezes esse processo começa com o desenvolvimento de uma compreensão holística do impacto da empresa no clima que deve ser mitigado, riscos climáticos que devem ser adaptados e os caminhos que a empresa pode seguir para ser capaz de criar novo valor.
Uma vez que o perfil climático de uma organização esteja claro, líderes podem lançar um esforço concentrado para identificar o conjunto de opções disponíveis para mitigar emissões, adaptar aos riscos climáticos e identificar novos modelos de negócios. É aqui que se torna importante pensar de forma abrangente em vários níveis de ação em potencial – a empresa individual, com outras em seu setor, ou com uma coalizão diversa de stakeholders – para encontrar os caminhos mais eficazes e enfrentar as barreiras e restrições que podem impedir o avanço.
Tais esforços devem ir além de movimentos “defensivos” destinados a acalmar os públicos de interesse ou proteger contra os riscos de negócios relacionados ao clima, e muitas vezes limitados ao que a própria empresa pode fazer para se adaptar ou mitigar as mudanças climáticas. Esses esforços tampouco devem ser detidos em iniciativas mais proativas características de uma organização consciente em relação ao clima, impulsionadas apenas por uma equipe de sustentabilidade corporativa ou uma única função de negócios. Finalmente, permitir a criação de novo valor e ações mais impactantes no nível do ecossistema significa aspirar a ser um gestor do clima, difundindo consciência e capacidade de resposta relativos aos impactos climáticos em cada decisão-chave (gráfico 2). De maneira ideal, isso deve incluir métricas concretas e tangíveis (como um preço interno do carbono) que influenciam cada análise de custo-benefício e consideram quais líderes são responsáveis.
Para muitos, permear considerações climáticas em toda a organização exigirá uma transformação muito mais abrangente do que a prevista atualmente, com implicações para aquisições, talentos, cadeia de distribuidores, desenvolvimento de produto, relações com o consumidor e mais. Para ter sucesso, tal esforço deve ser defendido pelo conselho e liderado no nível executivo (C-suíte), com o apoio visível e vocal do CEO. Para muitos, constituirá em uma transformação fundamental do modelo de negócios. Vai exigir novos processos, mas também uma mudança de mentalidade em toda a força de trabalho, seus fornecedores e seus clientes. É aqui que muitas das iniciativas de sustentabilidade corporativa já existentes podem desempenhar um papel importante. Embora ações como a distribuição de garrafas de água reutilizáveis sejam muitas vezes ridicularizadas como “lavagem verde” – e muitas vezes têm apenas uma relação tangencial com as mudanças climáticas –, elas podem ser valiosas como uma forma de “sinalização sincera” e uma maneira de aumentar a conscientização do impacto de uma organização no meio ambiente.
[single_featured text=” image=’https://uat-mundocorporativo.deloitte.com.br/wp-content/uploads/2021/10/grafico2-DI_mudancas-climaticas.png
Se você estiver começando agora, tudo isso pode parecer um pouco demais, pelo menos quando comparado com uma abordagem mais modesta. Mas ações agressivas em todas as frentes podem ser o melhor jeito de gerenciar o risco climático de maneira eficaz – algo fácil de se perder porque lidar com as mudanças climáticas desafia o modo convencional de gerenciar o risco. Tipicamente, muitos começam aos poucos – esforços pilotos, explorando múltiplas opções – e reavaliam e aceleram conforme aprendem mais. Como estratégia de mitigação de emissões, isso pode ter funcionado décadas atrás. Mas o tempo está se esgotando. A comunidade empresarial deve avançar agressivamente em todas as frentes de uma só vez, visto que o atraso reduz a latitude para ação no futuro. Parece necessário fazer grandes apostas, mesmo que não esteja claro se são as melhores apostas a serem feitas. Conforme as organizações aprendem, elas podem reduzir a intensidade ou se ajustar.
Lembre-se que os objetivos finais são claros: descarbonizar a economia global mudando para a geração de energia renovável, tornar elétricos os dispositivos de queima de combustíveis fósseis e capturar e sequestrar emissões. A maneira com a qual uma empresa ou setor pode apoiar esses objetivos vai variar. Mas pensando em cada ponto de ação – e permeando uma mentalidade que prioriza o clima em cada decisão – empresas podem amadurecer para se tornarem verdadeiras gestoras.
Organizações devem considerar grandes apostas, mesmo que não tenham certeza que essas apostas são as melhores. Conforme aprendem, elas podem reduzir a intensidade ou se ajustar.
Conclusão: adotando uma ética de gestão
Ser gestor do clima traz consigo uma responsabilidade de fazer algo a respeito, pelo menos como uma questão de interesse próprio, se não de sobrevivência. O aquecimento global afetará todos os setores e todos os países, embora com intensidades e em momentos diferentes. A pressão de stakeholders, mercados financeiros, clientes, reguladores e funcionários para traduzir palavras em ações tangíveis e substantivas só vai se tornar mais aguda. Haverá novas oportunidades de capitalizar na transição para uma economia descarbonizada também. E dado o que está em jogo, a responsabilidade recai sobre cada um de nós para fazer o que pudermos para mitigar os danos.
Cada vez mais nós vemos os sinais de que a comunidade empresarial está despertando para essa responsabilidade, parte de um movimento mais amplo e crescente para reimaginar o papel dos negócios relativos ao meio ambiente, à sociedade e à economia em geral. Essa mentalidade emergente – uma ética de gestão – vê cada um de nós não como donos, gerentes ou consumidores, mas como cuidadores temporários das nossas organizações e do nosso planeta. Ela exige que qualquer negócio que conduzirmos contribua positivamente – e não cause danos desnecessários – ao meio ambiente e à sociedade. Ela “pressupõe que os recursos são finitos e devem ser usados de forma conservadora e sensata, tendo em vista prioridade de longo prazo e as consequências das formas como os recursos são utilizados”.
Lidar com a enormidade, complexidade e gravidade das mudanças climáticas pode ser deprimente. Mas se há um lado positivo, é esse: nós temos as ferramentas e tecnologias que precisamos para prevenir os piores resultados e uma janela (estreita, que está se fechando) para agir. O sucesso não é apenas sobre os avanços técnicos – é sobre mudança pessoal e sistêmica. Ações coletivas podem ter resultados rápidos e eficazes em escala planetária. Nós precisamos apenas mudar as prioridades, restrições e objetivos pelos quais avaliamos as ações. Muito pouco está realmente fora dos limites e vale a pena questionar cada suposição.
Por Michael Raynor, diretor da frente de Inovação da Deloitte
Derek Pankratz, gerente sênior do Center for Integrated Research da Deloitte