Sob o impacto da onda digital
Nenhum negócio é hoje imune às mudanças da era digital, o que faz com que a gestão tenha de ser repensada sob uma nova ótica. Nesse processo, a área de tecnologia das empresas não pode mais ser um silo, mas deve caminhar com a estratégia.
Janeiro-Março | 2017Empresas e consumidores mudaram hábitos e processos, passaram a habitar aldeias virtuais e a explorar novos horizontes. Nesse ambiente de transformações rápidas e intensas, sairão na frente os competidores que tiverem maior capacidade de adaptação e rapidez na implementação de formas inovadoras de gerir seus negócios na era digital.
“Vivemos um momento surpreendente na história, em que a tecnologia mudou de um papel de apoio para algo que está no tecido de nossas vidas pessoais e em todos os processos de negócios”, diz Mike Brinker, líder global da Deloitte Digital. “Nenhum negócio é imune às mudanças na era digital”, sentencia.
Nesse universo em evolução, de acordo com Brinker, os ciclos tecnológicos estão encurtando, e o ritmo de mudança é exponencial. “Cada negócio tem de se tornar um negócio digital para continuar a competir de forma eficiente”, alerta, acrescentando que isso significa abraçar cloud computing, analytics, dispositivos mobile, Internet das Coisas, inteligência artificial, marketing digital e outras ferramentas relacionadas. “Este é realmente um momento emocionante para ser líder no espaço digital.”
Matthew Guest, diretor de Estratégia Digital da Deloitte no Reino Unido, avalia que o progresso das empresas para ingressarem no mundo digital ainda é relativamente lento. Autor do estudo “Como Construir seu DNA Digital – Lições de Líderes Digitais”, Guest destaca que a maioria das organizações atua sob o modelo de gestão que classifica como “Tático”.
“Essas empresas possuem funções de inovação discretas, marketing digital e equipes de tecnologia digital, mas não têm os objetivos alinhados a uma visão estratégica central”, alerta o executivo.
Na prática
Nesse contexto tão dinâmico, é preciso ter disposição e apoio para rever processos e praticamente se reinventar. Foi o que aconteceu na Vivo. Em maio de 2016, foi criada na empresa a Diretoria de Transformação Digital, sob o comando de Sandro Simas, depois de um estudo que envolveu a experiência do usuário com a empresa, em canais tradicionais e digitais.
“Criamos novos modelos de trabalho, apoiados em estudos de Tecnologia da Informação e de negócios, para que pudéssemos alinhar toda a empresa a um único objetivo, que era melhorar ao máximo o canal com o usuário”, relata o diretor de Transformação Digital da Vivo.
O executivo diz que, nesse novo mundo, ainda não é possível ter todas as respostas. Mas o que aconteceu de mais importante com a integração das áreas é que todos passaram a ter liberdade de perguntar mais, medir resultados e compartilhá-los.
“Muitas áreas não estavam acostumadas a responder perguntas estratégicas para outras, e isso se tornou uma prática cada vez mais usual. Além disso, construímos parcerias internas e externas para inovar processos e acelerar o digital”, diz Simas.
O desenho do espaço e da estratégia da Diretoria de Transformação Digital da Vivo, segundo Simas, foi inspirado em empresas europeias, em fintechs (empresas de tecnologia para o setor de serviços financeiros) que se destacaram no mercado e, claro, no Google e no Facebook, que inovaram em ambientes de trabalho propícios à criação de ideias inusitadas que influenciaram inúmeras organizações globalmente.
“É um ambiente separado, totalmente diferente, aberto e pronto para receber todas as áreas e integrá-las por meio da troca de informações, dados e estratégias. A ideia é disseminar essa nova cultura”, garante.
Formar uma equipe que tem essa missão exigiu, prossegue Simas, reunir um conjunto de competências ligadas ao desenvolvimento de plataformas digitais, entre os quais, analistas de informação aptos a compor indicadores com excelência, analistas de negócios, profissionais de marketing digital e arquitetos de usabilidade.
“Com isso, nossa equipe ganhou um contingente significativo de jovens. Eles trouxeram um novo método de trabalho, característico dessa nova geração da era digital”, diz.
A TI como parceira de negócios
Questionado como está a área de Tecnologia da Informação (TI) nessa evolução digital, Simas, da Vivo, é objetivo: “A TI é uma área como outra qualquer. É mais uma área de negócios, integrada à estratégia da empresa e que abriga a Diretoria de Processos de Mudanças. Todos mudaram juntos. Restringir mudanças é o pior erro.”
Mike Brinker, da Deloitte Digital, afirma que a TI está no cerne das mudanças que estão conduzindo a transformação digital. Por muitos anos, segundo Brinker, a TI estava excessivamente focada na confiabilidade, estabilidade, escalabilidade e em todas as outras dimensões de um negócio estável e previsível.
“Nos últimos cinco anos, vimos a TI se transformar para se tornar um parceiro de negócios mais forte em torno da mudança e da inovação. Essa parceria é essencial para a estratégia de tecnologia, decisões e confiabilidade, mas o negócio precisa ser um parceiro igual na equação”, reforça.
Matthew Guest, da Deloitte, complementa sugerindo que a TI tem de ser pensada e voltada aos resultados para o negócio, e não medida pela eficiência de operações da tecnologia.
“Eu suspeito que os departamentos de TI podem acabar distribuídos na maioria das organizações nas próximas duas décadas, porque tornam os resultados mais fáceis de monitorar e gerenciar.”
Estudo global da Deloitte mostra que 28% dos líderes de tecnologia entrevistados classificaram suas áreas de TI como abaixo da média em um conjunto de habilidades digitais., .
A edição 2016-2017 do estudo “CIO Survey”, realizado globalmente pela Deloitte, mostra que o Chief Information Officer (CIO) ainda tem um caminho a percorrer para desenvolver e melhorar suas habilidades digitais. Mais de um quarto (28%) dos 1.200 CIOs de 48 países entrevistados classificaram suas áreas de TI como abaixo da média em um conjunto de habilidades digitais.
“O desenvolvimento de habilidades de TI e de competências de liderança é resultado direto da ‘adaptação’ ou do ambiente de negócios”, atesta o relatório da Deloitte, em linha com a nova era, comprovando que o sucesso da gestão digital não é privilégio necessariamente dos mais poderosos, mas, em especial, dos mais aptos e engenhosos.
Era disruptiva
A pesquisa “Aligning the Organization for its Digital Future”, de 2016, trata de negócios digitais e foi desenvolvida pela Deloitte em parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT). O estudo traz alguns importantes insights, entre eles que a primeira grande evidência de maturidade nas organizações é integrar as estratégias digital e corporativa.
De acordo com a pesquisa, empresas com menor grau de maturidade digital ainda tratam suas iniciativas e estratégias como objetivos adicionais ou separados do negócio principal. Por essa razão, é comum encontrarem problemas no decorrer das ações de transformação por não haver outras áreas da empresa preparadas para atuar e sustentar os modelos digitais.
A área de tecnologia não pode mais ser um silo, ela deve caminhar junto com a estratégia., Alexandre Arello, diretor da Deloitte Digital no Brasil.
Alexandre Arello, diretor da Deloitte Digital no Brasil, alerta para uma colocação simples, mas que precisa ser lembrada: “Tudo parte de uma necessidade de mercado e, a partir daí, as empresas devem se preparar para atendê-la. E mais: anteciparem-se a essa necessidade.”
Antes de tudo, destaca Arello, a fim de oferecer serviços e produtos para esse novo mundo, com atores cada vez mais empoderados e exigentes, é preciso se transformar primeiro para ser assertivo. “O cliente é quem decide e tem poder para exigir e buscar agregadores de valor. Para oferecer os caminhos ao ingresso na era digital ou mesmo facilitar essa jornada das empresas, é preciso que toda a cadeia se transforme”, afirma o diretor.
Para Arello, a TI hoje tem de fazer parte do negócio, considerando o digital. “A área de tecnologia não pode mais ser um silo, ela deve caminhar junto com a estratégia. E o negócio precisa ser repensado sob uma nova ótica, impulsionada por tecnologias que proporcionam facilidades capazes de transformar os negócios.”
Arello diz que hoje não se trata de tecnologia por tecnologia – trata-se apenas de um meio para viabilizar a inovação. As reuniões de negócios não mais acontecem apenas com a área de TI, e o discurso gira em torno do negócio, das possibilidades inovadoras e da transformação.
Berço digital
Com apenas dois anos de mercado, a startup Agrosmart nasceu no berço da nova era e, portanto, bate forte em sua estratégia um coração digital. A empresa oferece serviços de monitoramento de plantações sob o conceito de cultivo inteligente e fazendas conectadas, com uma plataforma e um aplicativo que, em tempo real, monitoram mais de 14 variações ambientais, como chuva, umidade do solo e outras.
A CEO e uma das fundadoras da empresa, Mariana Vasconcelos, tem apenas 25 anos e exibe as vantagens de ser digital. “Todos os nossos processos nasceram digitais. Ser digital ajuda a ser global. Tudo aqui é online, o que proporciona muita agilidade. Cerca de 90% dos nossos clientes recebem interação e serviços online. Apoiamos nossa estratégia em blogs e muito conteúdo no site”, diz.
Como a essência da Agrosmart é digital, a CEO diz que a empresa procurou não cair na tentação de adquirir um mar de tecnologias, implementando uma para cada atividade. “Esse é um grande erro. O importante é investir em soluções integradas. Isso facilita também a integração das áreas de negócios. O time trabalha em colaboração. Aqui, TI não é uma área, ela está presente em todas, como facilitadora para criação de serviços e estratégias diferenciados.”
As conquistas ganharam o mundo. Mariana foi chamada para participar de um programa na Singularity University, escola de inovação da NASA (EUA), representando a Agrosmart, além de ter sido convidada pelo Google para ser parte do programa Blackbox Connect e compor um quadro de 18 líderes femininas de 14 países diferentes.
Mas nem tudo são flores no berço digital. Considerando que o mundo não está totalmente digital, a CEO tem de adaptar processos que se tornam híbridos, com parte tradicional e parte digital. “Nosso grande desafio é estar em linha com toda a legislação, tendo em vista que nem sempre os processos são todos digitais, tornando-se um entrave para a produtividade.”
Desafio de estar em compliance
A preocupação de Mariana, da Agrosmart, não é incomum, de acordo com Fernando Silva, diretor para o Brasil da norte-americana Vertex, fornecedora de softwares e serviços de impostos para automatizar processos fiscais corporativos.
Segundo Fernando Silva, a movimentação para uma solução tecnológica com a proposta de eliminar o mundo fiscal em papel teve início em 2007, com o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). Apesar de ainda não estar totalmente consolidado, o SPED avança a cada ano – uma questão agravante de ter como objeto o complexo cenário de impostos no Brasil, com mudanças constantes nos sistemas tributários locais.
“A área financeira das empresas sofre por ter de lidar com alto volume de regras fiscais, que se apresentam de maneiras diferentes pelos variados Estados. Estar em conformidade é um grande desafio”, relata.
A importância da evolução digital na relação entre empresa e Fisco foi de fundamental relevância para impor a transparência e facilitar o cruzamento de informações, estancando ou dificultando fraudes, segundo Silva. “A obrigatoriedade para atender às exigências fiscais impulsiona as empresas a melhorar sua atuação na área digital.”
Repaginar a gestão, no entanto, não é tarefa fácil; exige disrupturas, em especial na cultura da empresa. Como disse Guest, da Deloitte: “Para uma transformação plena, o digital tem de estar no DNA da cultura da empresa”. Sendo assim, todos têm de mudar.