Riscos na era da convergência
A adoção de novas tecnologias rompe barreiras entre empresas e setores e indica o caminho para geração de valor no século 21. Mas há uma série de riscos que devem ser observados para não comprometer os negócios.
Setembro-Novembro | 2018Em 1776, o filósofo escocês Adam Smith lançou “A Riqueza das Nações”, obra que inaugurou a ciência econômica moderna. Smith foi o primeiro a formular o conceito de especialização da produção como impulsionadora da produtividade. Segundo essa lógica, os trabalhadores e as empresas deveriam se concentrar na produção de determinados produtos para dominarem o processo e, dessa forma, se tornarem mais eficientes. Na obra, Smith cita como exemplo a especialização de uma fábrica de alfinetes. Na economia do século 21, em que produzir bens muito mais sofisticados do que alfinetes é comum, esse conceito, se não chegou a ser totalmente superado, passa por uma grande transformação.
Fenômenos como a globalização e o desenvolvimento de tecnologias digitais, entre elas, o Big Data, a Internet das Coisas (IoT), a Robótica Avançada e a Inteligência Artificial – além de mudanças profundas nos hábitos, preferências e exigências dos consumidores – estão provocando uma disruptura na atuação de empresas de diversos setores: elas estão rompendo barreiras entre setores e mercados, entre fornecedores de insumos e produtores finais. Um exemplo: uma fábrica que produz veículos autônomos é uma montadora de veículos ou uma empresa de tecnologia? E uma empresa do setor de agronegócios que controla toda a cadeia do setor, incluindo um braço tecnológico com drones e analytics para a avaliação do desempenho de uma safra? Uma compra online só é possível porque empresas especializadas em meios de pagamento se integraram com uma varejista. E essa varejista, para ter sucesso, precisa adotar uma série de novas tecnologias para atender aos seus clientes.
A era da convergência traz inúmeras oportunidades de crescimento para as empresas. Com elas, porém, vem também uma série de riscos que precisam estar muito bem mapeados. O primeiro risco para um negócio é se tornar obsoleto e perder a relevância. Num ambiente de negócios em que os ciclos de inovação são cada vez mais curtos, a chance de “ser expulso” do mercado é sensivelmente maior. “Quem não se adaptar ao novo e não atender aos anseios dos clientes corre o risco de ser ultrapassado pelos concorrentes”, diz Alex Borges, sócio-líder da área de Risk Advisory da Deloitte.
No trabalho de avaliação de riscos da rede atacadista Makro, um dos tópicos levantados diz respeito justamente às transformações no modelo de negócio decorrentes da convergência. “Entender como as mudanças tecnológicas impactam os hábitos dos nossos clientes é fundamental para que nós possamos entregar a experiência que ele quer. Falhar nisso é um risco ao nosso negócio que não podemos ignorar”, diz Vivian Bernardi, diretora regional de Riscos e Controles da Makro. Hoje, atender bem ao cliente pressupõe ter as ferramentas para atendê-lo em diversas situações. “Precisamos ser eficientes e atender ao cliente da forma que ele quiser”, afirma Vivian. “Hoje ele pode querer vir à loja física para passear e ver produtos. Amanhã, pode estar com pressa e fazer compras via aplicativo, site ou telefone. Pode querer retirar o produto aqui ou receber em casa. O mercado está disponibilizando novas formas de atender aos clientes e precisamos estar atentos, porque tudo pode mudar no dia seguinte.”
A velocidade dos avanços tecnológicos traz outro risco: o regulatório. Isso ocorre porque os novos negócios que surgem são tão avançados que as legislações existentes não dão conta de regulá-los. O resultado é um descompasso entre a lei e o setor privado. O exemplo clássico é o Uber. Foi somente após ele surgir que governos de diversos países passaram a discutir como – e se – ele poderia operar. Depois de milhões de dólares investidos, o Uber foi proibido ou teve sua atuação restringida em diferentes países, como Itália, Dinamarca, Japão, Alemanha e Estados Unidos. “A legislação não costuma acompanhar as mudanças de mercado”, diz Vivian Bernardi, da Makro. “Por isso, precisamos estar sempre atentos para seguir a lei.”
No âmbito regulatório, também é válido citar as questões relativas ao comércio entre países. Depois de um surto de globalização, em que as fronteiras comerciais caíam e países celebravam acordos de livre comércio, há uma nova onda protecionista. Uma das principais armas está no aspecto regulatório, que surge como uma reação ao movimento de convergência dos territórios de comércio. Recentemente, os Estados Unidos criaram regras para diminuir a importação do aço. E a União Europeia usou a legislação para coibir a compra de frango brasileiro, para ficar em apenas dois exemplos.
Riscos de reputação
Na época de Adam Smith, uma informação levava dias para chegar de uma cidade a outra – ou meses, no caso de países diferentes. Hoje, a informação circula quase que em tempo real. Novamente, há oportunidades e riscos envolvidos. O lado positivo é que a distância deixou de ser um empecilho na divulgação de um produto ou serviço. O aspecto negativo é que notícias ruins se espalham com a mesma facilidade. “O relacionamento entre empresas e clientes ou consumidores se alterou com as redes sociais”, diz Anselmo Bonservizzi, sócio da área de Risk Advisory e líder da prática de Riscos Estratégico e de Reputação da Deloitte Brasil. “Hoje, os riscos de reputação são muito grandes e qualquer marca pode ter sua imagem abalada com a divulgação de notícias negativas”, complementa.
Esses problemas não ocorrem apenas em situações extremas, como um surto de infecção por ingestão de alimentos contaminados, um acidente automotivo fatal provocado por falhas de sistema dos veículos ou uma gafe cometida por um executivo que viralizou nas redes sociais e provocou uma enxurrada de críticas. Quando as empresas passam a realizar atividades novas, automaticamente incorrem em riscos à reputação.
Os riscos de reputação hoje são muito grandes e qualquer marca pode ter sua imagem abalada com a divulgação de notícias negativas. É preciso trabalhar para avaliar e minimizar os riscos., Anselmo Bonservizzi, sócio da área de Risk Advisory e líder da prática de Riscos Estratégicos e de Reputação da Deloitte.
Um exemplo é quando uma empresa que atua no mercado B2B (Business to Business) resolve abrir lojas, físicas ou online, para atender a clientes e consumidores finais. Segundo Bonservizzi, as empresas que fazem isso devem reconhecer que estão entrando em um terreno desconhecido e se preparar para o novo cenário. “Ao operar em novos negócios, as empresas precisam mudar sua estrutura interna, ou seja, fazer de modo diferente”, diz o sócio da Deloitte. Mas poucas têm esse cuidado – nem ao menos avaliam se estão preparadas para os novos desafios. “Muitas capacidades das empresas, que eram eficientes no modo de produção anterior, não são produtivas para a nova realidade”, diz Bonservizzi. Um dos resultados possíveis dessa negligência é a aparição de falhas no atendimento que, hoje, geram danos graves à reputação. “Se um cliente faz um pedido pela internet, precisamos de um sistema que garanta a disponibilidade do produto e a rápida entrega”, diz Vivian Bernardi. “Se não atendermos à expectativa do cliente, perdemos sua confiança.”
O preparo para mudanças no modelo de negócios é importante, mas representa apenas o passo inicial para a mitigação dos riscos. Após a mudança, é preciso acompanhar o nível de satisfação dos clientes. “Já vi casos de empresas que lançaram novos produtos ou serviços e não tinham nenhuma forma para medir o grau de satisfação do cliente, o que trouxe consequências negativas”, diz o sócio da Deloitte.
Gestão de crises
Quando o problema se instala, é preciso classificá-lo de acordo com o impacto e a complexidade. Se for considerado pequeno, será preciso uma adaptação de processos; se for de médio impacto, pode demandar alterações estruturais, como mudanças no escopo dos serviços; já se o problema for considerado grande, é preciso gerenciar a crise. “A grande maioria das empresas não está preparada para lidar com uma crise. Em outras palavras: não há um plano para atacar o problema”, diz Bonservizzi. “Quando isso acontece, as empresas vão aprender a lidar com o problema enquanto ele se desenrola, quando o ideal é já saber o que será feito na ocorrência de uma crise.”
Ataques cibernéticos são incidentes com grande potencial para causar crises capazes de abalar a reputação de uma empresa. Os ataques podem ocorrer de várias formas e ter alvos diversos: dados de clientes, fornecedores, estratégias e segredos industriais. Trata-se de um risco que, não é arriscado dizer, só tende a crescer. Afinal, a migração para o ambiente digital ainda está longe de estar finalizada. Quanto mais dados estiverem em plataformas digitais, maior o risco de eles serem roubados por criminosos. “Ter ferramentas de segurança atualizadas é importantíssimo porque o risco de invasões ao sistema para roubo de dados é cada vez maior”, diz Vivian Bernardi.
Oportunidades
A despeito de todos esses riscos, a convergência oferece inúmeras oportunidades de geração de valor para as empresas. “Da mesma forma que potencializa um dano de reputação, as novas tecnologias atuam no sentido oposto, para impulsionar o ganho de reputação e imagem”, reforça Borges. Faz todo o sentido. Afinal, as novas tecnologias abrem horizontes até então inacessíveis. Basta pensar nas possibilidades para os negócios com ferramentas como Inteligência Artificial e Big Data que permitem a coleta e a análise de uma grande quantidade de dados de clientes ou consumidores.
Trata-se de uma oportunidade imensa de entender o seu público-alvo e entregar a ele o produto ou a experiência desejada.
A empresa que souber trabalhar os riscos vai aproveitar a convergência para se posicionar no mercado e ganhar vantagens competitivas., Alex Borges, sócio-líder da área de Risk Advisory da Deloitte.