Revoluções sob medida
Inevitável e abrangente, a transformação digital atinge diferentes setores de maneiras diversas. Como cada indústria pode responder a essas mudanças e quais desdobramentos elas podem trazer?
Janeiro-Março 2017Que as tecnologias digitais estão transformando a maneira de fazer negócios em todos os segmentos não é novidade. Porém, como os impactos afetam cada setor da economia? Para responder a essa questão, seis lideranças globais de indústria da Deloitte analisaram as principais transformações que a transição para o ambiente digital está causando em seus segmentos, além de desdobramentos e tendências que essas mudanças prometem para o futuro.
Para os especialistas, é nítido que as ferramentas de conectividade estão levando indústrias como a de manufatura para uma série de inovações disruptivas e que já interferem na percepção dos clientes sobre quais produtos e serviços querem de fato. Na saúde, as tecnologias digitais estão mudando a relação médico-paciente e acenam com a promessa de maior eficiência na gestão dos recursos investidos. Os serviços financeiros também se transformam com a revolução digital, seja na preocupação com as transações online, seja na necessidade de olhar para novas tendências, como as moedas criptografadas. E a força de trabalho terá de se adaptar aos novos tempos: os talentos mais promissores são aqueles que ostentam habilidades em comunicação, ciências, matemática e tecnologia da informação.
Bens de consumo e produtos industriais – Manufatura inteligente
A indústria de bens de consumo vem sendo impactada pela transformação digital em quatro diferentes vertentes: na demanda dos consumidores, na oferta de produtos mais inteligentes, nas tecnologias utilizadas para produção e na forma de distribuição dos bens. A análise é de Tim Hanley, líder global para a indústria de Bens de Consumo e Produtos Industriais da Deloitte. Para começar, os consumidores da atualidade – especialmente os chamados millennials, aqueles nascidos após 1982 – preferem produtos customizados aos da manufatura massificada, o que já muda o modelo de produção em várias searas do consumo. “Produtos que eram analógicos no passado, tais como veículos, precisam agora ser inteligentes, dotados de ferramentas de conectividade e capazes de prover dados tanto para o usuário quanto para a indústria”, diz Hanley.
A manufatura vive a era dos sensores, das tecnologias disruptivas e do fluxo de informações. As empresas sabem que essa é a tendência, mas poucas dizem estar preparadas para a mudança. Elas preocupam-se com os investimentos e com a força de trabalho., Tim Hanley, líder global para a indústria de Bens de Consumo e Produtos Industriais da Deloitte.
Além disso, tecnologias como a impressão 3D e sensores estão mudando a forma como a indústria produz e também a logística de distribuição, que passa a contar com mais ferramentas de rastreabilidade de mercadorias, robôs para operar equipamentos e centrais de armazenamento que funcionam por comando de voz – é a ascensão da Indústria 4.0. Temas vinculados à sustentabilidade dos produtos, como a origem das matérias-primas e os impactos ambientais, também recebem cada vez mais atenção dos consumidores – desde que não seja necessário pagar mais pelos atributos verdes, ressalta Hanley.
Tecnologia, mídia e telecom – Comunicação na vanguarda digital
Se existe um setor em que a transformação digital revolucionou o modo como o produto é consumido, sem dúvida, este é o de tecnologia, mídia e telecomunicações. A forma como a informação e o entretenimento são transmitidos hoje aos consumidores é marcada pela multiplicidade de canais e pela rapidez: a notícia chega praticamente em tempo real. “A proliferação de novos canais cria grande riqueza de informações e novos provedores de conteúdo. Ao mesmo tempo, as empresas tradicionais de imprensa estão atentas às transformações digitais e ao desafio de levar a seu público um conteúdo de valor, com percepções de fontes com credibilidade”, diz Paul Sallomi, líder global para a indústria de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da Deloitte.
Nenhum país parece ter um estoque de talentos em ciências, tecnologia, engenharia e matemática suficiente para atender à demanda da evolução digital. Será preciso estabelecer novas redes para buscá-los, além da fronteira dos empregos convencionais., Paul Sallomi, líder global para a indústria de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da Deloitte.
Na área de telecomunicações, a vida dos usuários vem sendo transformada por ferramentas emergentes, como reconhecimento de voz, processamento da linguagem, robótica, computação cognitiva e visão computacional – e todo esse pacote exige olhar atento para as questões de regulamentação, governança, privacidade e segurança da informação. “Nos países emergentes como o Brasil, o momento é de escolher onde investir e como se beneficiar das novas tecnologias. O maior desafio é priorizar a alocação do capital nas oportunidades que tragam o maior impacto”, afirma Sallomi.
Saúde – Qualidade e eficiência na assistência
Com o envelhecimento da população e o aumento da incidência de doenças crônicas e câncer, surge a necessidade de monitoramento dos principais indicadores de qualidade de vida, tais como pressão arterial e níveis de glicose e gordura no sangue. A boa notícia é que a tecnologia tem sido cada vez mais uma aliada da saúde. Do aplicativo para telefone celular que mede indicadores e conecta pacientes a especialistas até a medicina genômica, que acena com a promessa de prevenir e tratar as doenças que um indivíduo poderá apresentar, os avanços da área digital estão cada vez mais presentes na área de cuidados com a saúde.
O grande desafio da saúde no mundo todo não é o dinheiro em si, mas a forma como ele é gasto, que, muitas vezes, implica ineficiência. As tecnologias digitais vão permitir melhor controle dos investimentos e estreitar a relação médico-paciente., Mitch Morris, líder global para a indústria de Life Sciences e Health Care da Deloitte.
As tecnologias são também uma arma para ajudar o poder público a gerenciar melhor seus gastos e investimentos na área, na avaliação de Mitch Morris, líder global para a indústria de Life Sciences e Health Care da Deloitte. “O custo da saúde está aumentando em todos os países, e as tecnologias digitais são a chave para direcionar esse investimento para o que realmente importa, eliminando falhas e desperdícios”, diz. O desafio, tanto nos países ricos quanto nos emergentes, é acelerar a incorporação dessas ferramentas nas redes pública e privada – o que pode ser feito por meio de parcerias e acordos de cooperação entre os dois segmentos, na avaliação de Morris.
Energia e recursos naturais – Cadeia de infraestrutura mais integrada
Toda a cadeia da economia que envolve os segmentos de infraestrutura, energia e recursos naturais tornou-se muito globalizada, com empresas que operam nos quatro cantos do mundo. Quando se olha para os principais competidores da área de mineração que estão em mercados emergentes, por exemplo, nota-se como a disseminação de conhecimento e as ferramentas digitais tornaram-se parte importante da operação das empresas. “Mesmo com infraestrutura em algumas regiões mais deficiente do que em outras, vemos organizações passando por cima dessas limitações com o uso de tecnologias de imagens via satélite e provedores terceirizados para assegurar maior nível de conectividade, mesmo nas áreas mais remotas”, diz Rajeev Chopra, líder global para a indústria de Energia e Recursos da Deloitte.
A tecnologia digital é uma facilitadora da inovação, especialmente quando se fala em organização das informações e dos processos em empresas transnacionais. Podemos dizer que a inovação se tornou globalizada., Rajeev Chopra, íder global para a indústria de Energia e Recursos da Deloitte.
Além de facilitar a comunicação para as empresas do setor, Chopra destaca o impacto que a integração digital e as ferramentas de analytics possibilitam em termos de prestação de contas. “O digital cria transparência ao longo das operações, o que, combinado à análise de dados, aprimora a tomada de decisões e leva a uma melhor prestação de contas”, diz. O segundo maior impacto que as tecnologias de ponta trazem é a redução dos custos de produção: à medida que trilham os caminhos digitais, as empresas relatam economias operacionais entre 15% e 30%, fruto da percepção de que havia gordura para cortar em suas atividades.
Serviços financeiros – Agilidade na circulação do dinheiro
Na atual sociedade focada em serviços móveis, os consumidores buscam aplicativos ágeis e produtos conectados, têm menos lealdade às marcas e mais oportunidades de descobrir coisas por eles mesmos – e essa atitude reverbera na escolha do banco ou do prestador de serviços financeiros, na avaliação de Bob Contri, líder global para a indústria de Serviços Financeiros da Deloitte. “As novas tecnologias estão forçando as organizações a rever seus modelos de negócios e a perceber como utilizar as ferramentas hoje disponíveis para serem mais eficientes. Identificação digital e gestão dos riscos cibernéticos passaram a ter importância no radar dos bancos”, diz Contri. Segundo ele, robótica e computação cognitiva também estão mudando o modo como as instituições interagem com reguladores e atendem às necessidades de compliance.
Acompanhar a velocidade com a qual as novas tecnologias digitais surgem e são incorporadas ao negócio é uma grande preocupação das empresas do setor financeiro. A tecnologia está forçando o segmento a rever seus modelos de negócios., Bob Contri, líder global para a indústria de Serviços Financeiros da Deloitte.
Outro tema que vem recebendo muita atenção das empresas é o blockchain, a tecnologia que está por trás de moedas criptografadas, como o bitcoin. Grandes bancos internacionais estão lançando projetos para entender e explorar o potencial dessa tecnologia. “As instituições financeiras precisam se antecipar ao ritmo da mudança, e muitas estão se aliando a startups e fintechs, que podem inovar de forma mais rápida”, diz o especialista, que ressalta que ter um braço do negócio com foco em inovação e experimentação é um modo de responder às tecnologias em transição e às oportunidades que elas trazem.
Setor público – Tecnologia para a cidadania
As tecnologias digitais estão ajudando a reduzir a distância entre os cidadãos e os governos, pois aumentam as possibilidades de interação entre as duas pontas. Por meio da internet e dos aplicativos, é possível descobrir quando o governo investirá em determinada obra, averiguar os contratos com os prestadores de serviços e também checar os horários das principais linhas de ônibus que operam nas cidades. “A grande mudança que o digital trouxe ao setor público diz respeito ao acesso à informação, que nunca esteve a um alcance tão fácil do cidadão”, diz Mike Turley, líder global para a indústria do Setor Público da Deloitte. Outra grande mudança em curso é em relação à força de trabalho, na qual sistemas de automação e robótica começam a mudar o até então linear perfil de empregos das repartições públicas.
Em um futuro próximo, a maioria dos serviços públicos e das práticas de gestão será viabilizada por softwares. Isso já está acontecendo e tende a se expandir, então é preciso estar atento a questões regulatórias e de concorrência., Mike Turley, líder global para a indústria de Setor Público da Deloitte.
Em relação aos serviços prestados pelo poder público, uma das áreas mais sensíveis é a da mobilidade urbana, em que as tecnologias da Indústria 4.0 começam a ser empregadas para reduzir os gargalos do trânsito. Turley cita o exemplo do Departamento de Transportes de Londres, em que o uso de sensores nos principais cruzamentos vem ajudando a entender a dinâmica do fluxo de carros nas principais regiões da metrópole. Esses sensores captam dados que, combinados a outras ferramentas de analytics, geram respostas em tempo real para a melhoria do tráfego.