Resiliência climática: caminhos e desafios
Todas as organizações estão potencialmente expostas a impactos climáticos – mesmo aquelas com baixa ou nenhuma emissão de carbono. Por isso, a estruturação de um plano claro para enfrentar cenários de crise enquanto repensam suas fórmulas de receita e geração de valor deve estar na agenda das lideranças de negócios.
Setembro | 2022Com mais de 7 mil quilômetros de costa, o Brasil possui altos índices de insolação, matas exuberantes, água em abundância e terras agricultáveis. Além disso, por não estar situado na borda de nenhuma placa tectônica, não há em seu território incidência significativa de terremotos e vulcões – o que sempre fez o País ser considerado “seguro” do ponto de vista de riscos e crises naturais.
As mudanças climáticas, porém, têm intensificando a ocorrência de fenômenos extremos em diversos lugares do mundo. Nos últimos anos, as consequências de fortes chuvas e ventos, temperaturas extremas, estiagens e enchentes estão se tornando cada vez mais desafiadoras no Brasil. Esses eventos de alto impacto incidem não sobre um vazio, mas sobre áreas utilizadas de diferentes formas pelos grupos sociais e vêm demonstrando a grande vulnerabilidade gerada por formas de ocupação pouco adaptadas às características geográficas de um dado local.
Calamidades ligadas a extremos climáticos sempre fizeram parte do sistema de nosso planeta. Contudo, com base nos níveis de aquecimento existentes, constatados na terceira parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, espera-se que a intensidade e a frequência sejam cada vez maiores. Globalmente, nos últimos vinte anos, estima-se que a maioria (90%) dos desastres que ocorreram foi causada por eventos relacionados ao clima. O setor privado, como ator fundamental dentro deste contexto, tem um papel importante a cumprir, se estruturando para enfrentar os desafios que se apresentam.
Cenários de crise climática
Os cenários de crise se diferenciam entre situações crônicas, que se caracterizam por mudanças de longo prazo nos padrões climáticos, e agudas, caracterizadas pelo aumento de eventos extremos. Ambas as situações devem ser percebidas pelas organizações e exigem preparo para que as consequências sejam mitigadas.
Principais cenários de crise para os quais as empresas devem se preparar
- Escassez de água – em biomas mais secos – onde a demanda por recursos hídricos é alta e a disponibilidade é baixa – como o Cerrado e a Caatinga, é comum haver conflitos quando há atividade agrícola ou industrial nos arredores das comunidades locais. Por outro lado, grandes metrópoles, como São Paulo, também podem sofrer com conflitos por uso da água devido à grande concentração populacional e de atividades produtivas. Em áreas rurais, incêndios florestais de grandes proporções também são potencializados devido à secura.
- Temperaturas extremas – temperaturas abaixo ou acima da tendência de uma determinada área podem ter um efeito destrutivo, seja pelo impacto nas colheitas, na saúde pública e na vida de animais, ou ainda potencializando a ocorrência de incêndios florestais.
- Ciclones e aumento na intensidade dos ventos – episódios marcados pelo efeito destrutivo dos ventos, sobretudo nas áreas costeiras de Santa Catarina e São Paulo, podem causar queda de energia elétrica, paralisação de portos, enchentes, destruição de moradias e imóveis comerciais, queda de árvores e aumentam a incidência de acidentes diversos.
- Enchentes – causadas pela concentração de chuvas em uma determinada área e potencializadas pelo assoreamento dos rios, coberturas de solo impermeabilizante, obras de drenagem inadequadas, disposição inadequada de resíduos sólidos e residências em áreas de risco. Podem gerar fatalidades, propagação de doenças, prejuízos financeiros e interrupção de vias ou de fornecimento de serviços básicos.
- Deslizamentos – embora seja um fenômeno natural que ocorre de maneira a remodelar permanentemente a superfície terrestre, a ocupação inadequada de áreas de risco pode causar uma crises como acidentes, prejuízos financeiros e interrupção de vias ou de fornecimento de serviços básicos.
Alguns casos emblemáticos de crise ligadas a eventos climáticos recentes:
- Ciclones que atingiram as áreas costeiras do litoral sul e sudeste no inverno de 2022 causaram inúmeros estragos, como paralisações de operações portuárias e deterioração de infraestrutura viária.
- Chuvas concentradas causaram deslizamentos e enchentes em Petrópolis no início de 2022, ocasionando em centenas de vítimas e desalojados, além de perdas financeiras. Estima-se que cerca de R$ 20.000.000,oo sejam direcionados para recuperação, além dos recursos que já foram disponibilizados.
Temperaturas negativas, geadas fora do ciclo normal e mudanças no regime de chuvas em 2021 impactaram as operações de empresas do agronegócio, causando a perda de colheita e prejuízos financeiros (estudos apontam que cerca de 28% das áreas agriculturáveis estão fora do padrão climático ideal para o cultivo de soja e milho, por exemplo).
Como as empresas têm se posicionado?
Com a crescente pressão para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e cumprir com os compromissos do Acordo de Paris, as empresas estão definindo caminhos claros para descarbonizar o negócio e, assim, mitigar e gerenciar sua contribuição no impacto no clima. Apesar disso, essas empresas não devem se esquecer do prejuízos que as mudanças climáticas têm sobre elas.
Todas as empresas estão potencialmente expostas a impactos climáticos – mesmo aquelas com baixa ou nenhuma emissão de carbono. Essa exposição pode ser direta ou indireta, considerando que alguma etapa de suas cadeias de valor pode estar exposta. Líderes têm buscado uma visão clara de como sobreviverão e prosperarão em meio a um clima em aquecimento e às pressões globais para a transição para uma economia de baixo carbono.
Cada setor tem procurado entender os cenários de crise que assustam mais, de acordo com a natureza de suas operações e sua presença geográfica. Por exemplo: uma empresa cuja produção demande alto consumo hídrico e que esteja localizada em uma área de Cerrado tende a voltar suas atenções para cenários de crise hídrica. Já uma outra organização que dependa do escoamento portuário no sul do País, provavelmente já se preparou para enfrentar eventos derivados da atuação de ciclones.
De forma mais ampla, é importante entender que o preparo não é feito apenas individualmente, pois trata-se de um desafio conjunto. Neste sentido, organismos setoriais e especialistas no tema são aliados na hora de compartilhar informações sobre como empresas e outras partes envolvidas podem estar se posicionando frente ao desafio da dinâmica atual do clima.
Recomendações
É necessário entender o impacto holístico das mudanças climáticas nos negócios, começando por avaliar as consequências diretas das mudanças climáticas em cada operação, e evoluindo ao ponto de testar a resiliência da estratégia da empresa frente a diferentes possíveis cenários futuros. Tudo isso com a clareza de que os impactos climáticos não se resumem apenas a efeitos físicos diretos.
A mudança climática está estimulando uma transformação em direção a uma economia de baixo carbono, remodelando o ambiente operacional dos negócios, quebrando paradigmas e desafiando as empresas a repensarem as suas “fórmulas” de receita e geração de valor. Logo, a existência de um plano claro para navegar por esta transformação social e econômica disruptiva é imperativo. Também vale ressaltar que as análises de riscos climáticos podem desvendar oportunidades, fazendo com que as empresas criem novos fluxos de receita ao adicionar linhas de produtos resistentes às intempéries.
Com um plano claro estruturado, as empresas deverão divulgar a estimativa completa de riscos e oportunidades climáticas e quantificar seus impactos, que podem variar de danos à imagem e reputação, desvalorização dos ativos (stranded assets), custos crescentes, escassez de recursos e matéria-prima, entre outros.
A Securities and Exchange Commission (SEC), dos EUA, propôs novas regras para exigir a divulgação do impacto material dos riscos climáticos em uma empresa e suas demonstrações financeiras. De forma semelhante, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Economia, também trouxe mudanças no conteúdo do Formulário de Referência – de forma a aprimorar e padronizar as divulgações relacionadas ao clima fornecidas pelas empresas públicas que atuam no Brasil.
Para além disso, são estimados prejuízos financeiros, ambientais e humanos devido ao impacto da crise climática. Neste sentido, líderes que investem antecipadamente em programas para aumentar a resiliência de uma organização estarão não apenas mais protegidos, como também poderão aumentar a contribuição à sociedade ao serem capazes de garantir a oferta de produtos e serviços mesmo em épocas de disruptura.
Perspectivas
Os avanços científicos nos dizem que a mudança climática é irrefutável, mas, ao mesmo tempo, nos mostram que não é tarde demais para combater e se preparar para os piores impactos. Serão necessárias transformações fundamentais em todos os aspectos da sociedade e da economia – desde a forma como nossos bens são produzidos e transportados e nossos alimentos são cultivados, até à forma como usamos a terra e movimentamos as nossas economias.
Dentro deste contexto, o preparo para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos é parte fundamental da jornada rumo aos princípios ESG. Vale lembrar que o setor privado possui um papel de destaque, no sentido de colocar a vida em primeiro lugar – e proteger, dentro de sua esfera de atuação, pessoas e o meio ambiente de impactos negativos dos tempos que já se fazem presentes.
* Laura Coelho é gerente e especialista em resiliência e gestão em crises da Deloitte
Felipe Donatti é gerente da prática de Sustentabilidade/ESG na Deloitte