Proteger é preciso?
O protecionismo pode se tornar uma armadilha frente a um cenário globalizado e em que a inovação representa um forte fator competitivo para empresas e países.
Janeiro-Março 2017O mundo tem assistido a um intenso embate de visões em relação à globalização. O avanço de ideias e políticas protecionistas ameaça frear a contínua internacionalização das relações econômicas que presenciamos nas décadas anteriores.
Apesar de desafiador, esse novo cenário apresenta uma oportunidade para que o Brasil reveja algumas de suas posições consideradas protecionistas em sua atual política industrial, com o objetivo de tornar-se mais aberto e flexível para novos acordos e também de aproveitar oportunidades potenciais.
Para a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE) Lia Valls, o Brasil pode se beneficiar do atual cenário global se também focar sua política externa nos acordos bilaterais, como vem sinalizando o governo, com tentativas de acordo com o Canadá, por exemplo. “Talvez seja um impulso para o Brasil pensar melhor e fazer esses acordos.”
“A maior implicação da saída dos Estados Unidos (do Tratado Transpacífico de Livre Comércio, um dos acordos que passaram a ser alvo de revisão por parte do governo norte-americano) tem a ver com a China, porque fortalece o país naquela região.” Segundo Lia, o presidente Donald Trump pode querer costurar um acordo bilateral com o Japão. “O debate era que os países pequenos que assinavam o tratado poderiam tirar emprego dos Estados Unidos. Com o Japão, não aconteceria isso”, alerta a analista.
De acordo com analistas, o desafio que recai sobre o tema do protecionismo é encontrar uma solução equilibrada para que a regra não acabe tornando-se uma faca de dois gumes: proteger o mercado local ao mesmo tempo em que cria amarras ao desenvolvimento tecnológico e à inovação. O desafio do mercado brasileiro quando se trata de tecnologia é se desenvolver internamente, ao mesmo tempo em que não deixa de competir externamente.
O equilíbrio passa pela adoção de medidas sensatas. Precisamos ser um pouco mais abertos, se quisermos não ficar para trás em avanço tecnológico, comparado a outros países., Flavia Crosara, sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte.
“O Brasil já vivenciou forte protecionismo na década de 80, o que não foi bom para o País nem para os consumidores. Além disso, estancou projetos e o desenvolvimento da tecnologia em solo nacional”, diz Flavia Crosara, sócia da área de Consultoria Tributária da Deloitte.
Flavia alerta que um mercado severamente protegido contra a entrada de concorrentes estrangeiros pode represar a competição e o estímulo à inovação no País. “O equilíbrio passa pela adoção de medidas sensatas. Precisamos ser um pouco mais abertos, se quisermos não ficar para trás em avanço tecnológico, comparado a outros países”, assinala.
De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2015, o Brasil ocupou a terceira colocação no ranking entre os países que adotaram o maior número de barreiras comerciais, em especial, medidas antidumping (que neutralizam efeitos danosos à indústria nacional). A Índia ficou no topo, seguida dos Estados Unidos.
Na mira da OMC
O Brasil sofreu um dos maiores golpes na organização internacional quando foi questionado pela União Europeia e pelo Japão sobre sua política industrial em relação à OMC.
A entidade considerou ilegais, em novembro de 2016, sete programas nacionais, entre eles a Lei de Informática, o Inovar Auto, o PADIS (de semicondutores), os programas que isentam de impostos as empresas exportadoras (Recap e PEC), o PATVD (TV Digital) e programas de inclusão digital.
Trata-se de uma derrota preliminar, da qual o Brasil poderá recorrer. Contudo, segundo analistas, o País corre o risco de sofrer retaliações por parte de outros países. E ainda é possível que tenha de rever as políticas industriais em vigor.
Na avaliação de fontes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) ouvidas pela Mundo Corporativo, as políticas públicas de incentivo à indústria de tecnologia nacional devem envolver três frentes: capacitação de mão de obra, desenvolvimento de novos produtos e produção.
Segundo o MCTIC, esses incentivos não fazem restrição em relação à origem da empresa ou de seu capital controlador, podendo incluir multinacionais, por exemplo. Dessa forma, o órgão defende que não devem ser vistos como protecionismo.
Há controvérsias
Em relação ao posicionamento da OMC, o MCTIC avalia que diversos países-membro da entidade praticam incentivos voltados a setores distintos da sua economia para motivar o crescimento. E considera o questionamento legítimo quando alguns países-membro da OMC entendem que os incentivos praticados por outras nações vão contra as boas práticas do comércio internacional.
De acordo com o órgão, barreiras protecionistas discriminatórias que impedem a atuação de determinadas empresas com base em critérios arbitrários, como origem do capital ou da própria empresa, podem, sim, ser vistas como empecilhos à inovação. Porém, o MCTIC acredita que incentivos por meio da Lei de Informática funcionam como catalisadores e impulsionam a inovação nacional, uma vez que permitem que qualquer empresa disposta a investir e a realizar inovação no Brasil possa fazer parte do desenvolvimento tecnológico do País.
Competitividade
A realidade é que hoje muitas empresas ainda têm dificuldade em ter acesso à inovação para seus processos produtivos e acabam por usufruir de uma tecnologia inferior e mais cara. Para ser competitiva em relação ao desenvolvimento de tecnologias, é preciso analisar vários fatores, como capacitação de mão de obra especializada, desenvolvimento da infraestrutura técnica e logística, simplificação e agilidade nos mecanismos tributários e aduaneiros, entre outros, defende o Ministério.
O MCTIC destaca ainda que já atua nessa cadeia de fatores no que se refere à sua competência, incentivando a competitividade e o desenvolvimento tecnológico em diversos setores. Um exemplo é a consulta pública para o Plano Nacional de Internet das Coisas, que propõe uma agenda digital para o Brasil, com o objetivo de ampliar a inclusão digital da população e permitir que os diversos setores produtivos avancem no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. A iniciativa aborda temas como investimento em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura, segurança da informação e o papel do Estado nesse contexto.
Rever políticas da indústria nacional mexe também com uma antiga questão, a Reforma Tributária, tão decantada aos quatro cantos do Brasil.
“O Brasil está enfrentando uma crise pesada, com Estados declarando falência. Uma reforma na arrecadação de tributos seria muito delicada. Mas penso que o País vai vencer seus desafios, como sempre fizemos”, diz Flavia Crosara, da Deloitte.
Segundo Flavia, a indústria brasileira está sofrendo as agruras de ter saído da rota de investimentos internacionais e também de ter se distanciado de várias tendências mundiais. “Acredito que o governo e os Estados irão pensar em alternativas e acharão uma saída, porque a crise incentiva a análise e a criatividade. Existem outras formas de incentivar a inovação diante da verba curta.”
Tecnologia sino-brasileira
Parcerias e programas de intercâmbio são boas opções, na opinião do MCTIC. O órgão afirma que, uma vez estruturadas e pensadas em forma de política nacional, essas práticas podem, sim, fazer parte do conjunto de instrumentos para incentivar o desenvolvimento e a inovação tecnológica nacional.
Exemplo disso é a chinesa de tecnologia da informação e comunicação Huawei. Em parceria com a Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), a empresa lançou no final do ano passado um laboratório de inovação conjunto para o desenvolvimento de novas tecnologias de infraestrutura de redes definidas por software (SDN) e de computação de alto desempenho (HPC) para uso em pesquisa.
A iniciativa faz parte do programa de cooperação técnico-científica institucional da Huawei, o Seeds for the Future. “Por meio de colaborações como estas, talentos brasileiros terão contato com tecnologias avançadas, auxiliando para o desenvolvimento de suas carreiras como pesquisadores ou profissionais em um setor que vive em constante evolução”, destaca Jackey Wang, vice-presidente da Huawei Enterprise Brasil.
Outra aliança importante para promover a inovação no País foi firmada com a Universidade de São Paulo (USP). A Huawei e a universidade selecionaram três estudantes da instituição para capacitação na China, onde está localizada a sede da empresa.
A iniciativa oferece treinamentos nas mais avançadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Os estudantes irão participar do desenvolvimento de soluções de Internet das Coisas (IoT) como tarefa.
Um plano bem-sucedido de tecnologia aplicada aos negócios deve considerar o ecossistema público-privado. À medida que conceitos como cidades inteligentes e Internet das Coisas se tornam mais populares, o trabalho em conjunto entre as esferas governamental e privada é fundamental para promover a disseminação e garantir a adequada regulamentação dessas tecnologias, disponíveis para elevar os negócios a um novo patamar de inovação e tecnologia.