O caminho da transparência
Para mitigar riscos de imagem e financeiros associados a atos de corrupção, empresas consolidam hoje uma nova consciência sobre a importância de tratar do tema com transparência e apoio especializado.
Janeiro-Março | 2018
Diante de um cenário de crescente vigilância sobre práticas que representem corrupção e no momento em que acordos de leniência multimilionários ganham as manchetes de jornais, é cada vez maior a preocupação das empresas com a manutenção de boas práticas e a identificação precoce de fraudes e falhas nos ambientes internos.
As companhias buscam constantemente se adaptar a regulações como a lei 12.846, de 2013, a chamada “Lei Anticorrupção”. “O efeito negativo para uma empresa que passa por situação envolvendo atos de corrupção é enorme do ponto de vista de sua reputação, dos custos de remediação e de desvio de foco nos negócios. As empresas têm consciência disso”, avalia José Paulo Rocha, sócio da área de Financial Advisory e líder da prática de Serviços Forenses da Deloitte no Brasil.
O impacto pode ser facilmente notado em casos locais, amplamente divulgados, mas os acordos de leniência hoje ocorrem em todo o mundo. Em outubro de 2017, por exemplo, a empresa sueca de telecomunicações Telia Company concordou em pagar US$ 965 milhões às autoridades dos EUA, Holanda e Suécia como compensação por violações de uma lei dos Estados Unidos de combate à corrupção. Meses antes, em julho, foi a vez da petroleira norte-americana Halliburton, que desembolsou US$ 29,2 milhões como penalidade por pagamento de suborno a autoridades durante suas operações na África.
O aumento de interesse por esse tipo de assessoria especializada foi revelado pela pesquisa “Agenda 2018”, da Deloitte, que abordou as prioridades de investimento dos executivos de organizações no Brasil para este ano. Para 33% das empresas entrevistadas, a gestão de risco e controles internos estão entre as cinco principais prioridades. Gestão de compliance também está na lista, para 26% das organizações.
O espaço para empresas que deixam de agir com rigor na área de compliance fica mais restrito a cada dia. Um dos autores do estudo “Transparência em Relatórios Corporativos”, da seção brasileira da Transparência Internacional, Guilherme Donegá acredita que muitas organizações já entenderam esse conceito. “Tudo indica que é um ponto de inflexão, uma mudança de cultura. A experiência internacional, no entanto, mostra que, se as empresas, o governo e a sociedade como um todo não monitorarem essa evolução, pode haver regresso.”
O texto, lançado no início deste ano, é resultado de uma ampla coleta de dados entre as cem maiores empresas e os dez maiores bancos do País. Os resultados mostram que, apesar de avanços, a média ainda está longe do ideal. “As empresas devem garantir que a função de compliance tenha independência e recursos suficientes para fazer as investigações e atuar de forma preventiva, levando em consideração todas as camadas da estrutura organizacional”, recomenda Donegá.
De acordo com o relatório da Transparência, assumir compromissos institucionais e posturas públicas transparentes gera um círculo virtuoso. Ainda segundo o documento, empresas transparentes debruçam-se sobre suas práticas, são levadas a se auto avaliar com mais frequência e se sujeitam ao crivo externo, o que estimula melhorias.
Neste contexto, as equipes de “Forensic” da Deloitte atuam em duas frentes: prevenção e investigação. O foco é mitigar ou reduzir a quantidade de problemas que as empresas podem ter por meio de regras, políticas, treinamentos e canais de denúncia.
Cria-se um conjunto grande de elementos que diminuem a probabilidade de efetivação de um problema desse tipo., José Paulo Rocha, sócio da área de Financial Advisory e líder da prática de Serviços Forenses da Deloitte no Brasil.
O trabalho de atualização também é importante. Com as mudanças drásticas na forma e na velocidade de divulgação de informações, diferentes países debatem e promovem mudanças de legislação e é preciso reformular constantemente as práticas dentro das empresas interessadas. “Às vezes, as empresas já têm essas estruturas montadas, mas pedem ajuda para se atualizar em relação a essas boas práticas de governança e compliance”, comenta Rocha.
Quando os mecanismos de prevenção falham ou simplesmente não existem, entra em cena a segunda frente do trabalho de Forensic: a investigativa. A partir da identificação de alguma irregularidade cometida, é iniciado um levantamento para auxiliar a empresa a tomar decisões. “Especialistas analisam a situação para tentar entender exatamente o que aconteceu: as responsabilidades, as pessoas envolvidas, as implicações disso para a empresa, as medidas de correção que precisam ser tomadas”, explica. Uma característica importante do trabalho é que cabe aos especialistas jurídicos apreciar o laudo produzido e determinar os rumos de ação. “Produzimos documentos e informações que podem ser usados para que seja determinado se, de fato, houve alguma irregularidade”, aponta o líder dessa prática na Deloitte.
Os levantamentos são feitos por meio de um conjunto variado de ferramentas. A equipe se apoia em formas tradicionais de investigação, tais como entrevistas presenciais, até ferramentas de ponta, como avaliação de informações contidas em mídias sociais e outros meios eletrônicos de comunicação. “Em geral, essas irregularidades deixam rastros. Desta forma, analisamos pagamentos, contratos com terceiros, entre outros procedimentos”, comenta José Paulo. “As pessoas entendem que essas são ferramentas importantes para proteger seus interesses”, complementa.
O benefício desse tipo de trabalho pode se estender muito além dos muros da empresa, como mostram os casos já tratados pela Justiça norte-americana: após os acordos de leniência e os compromissos de fazer cessar as irregularidades, o país foi citado em escala global como exemplo de cooperação no combate à corrupção, influenciando, portanto, a imagem dos Estados Unidos no exterior, o que afeta a visibilidade de negócios deste mercado.
Mais uma razão para que o Brasil invista nesses mecanismos, o que trará melhores práticas para as empresas e publicidade positiva frente a agentes de negócios internacionais.