No radar do capital internacional
A movimentação dos agentes em torno da cadeia de infraestrutura mostra um descolamento com o cenário econômico e político; a integração de projetos nas três esferas do poder público e os novos modelos de regulamentação e de financiamento sinalizam perspectivas de avanço
Julho-Setembro | 2017De um lado, uma economia que está apenas no começo de um longo processo de recuperação. De outro, investidores privados (locais e estrangeiros). No meio do caminho, grandes e bem conhecidas lacunas em infraestrutura, que podem gerar boas oportunidades de negócios. A iniciativa privada e o poder público devem fazer essa travessia no Brasil lado a lado, mas, para tanto, é necessário pensar em modelos mais eficazes e atrativos de relacionamento.
Deloitte e ABDIB falam sobre as perspectivas para a infraestrura no Brasil
É consenso que as mudanças no fomento e no estímulo aos investimentos devem incluir mais inteligência na formatação dos projetos oferecidos, mais assertividade na gestão de contratos e de regulações, mais estabilidade jurídica e segurança econômico-financeira para os potenciais investidores.
O segmento de infraestrutura, como praticamente todos os outros, vem sofrendo com a crise. Se, em 2014, o total investido no setor chegava a 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2016, esse percentual caiu para 1,7%. O presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB), Venilton Tadini, contextualiza: “há contratos já assinados que enfrentam entraves de ordem econômica, financeira e ambiental. Por outro lado, há ainda poucos projetos bem estruturados prontos para serem ofertados em leilões de concessão”.
A situação, acredita Tadini, deve ser revertida com as mudanças trazidas pelo Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Governo Federal e pela formatação de novos modelos de financiamento de longo prazo oferecidos pelos bancos públicos, com participação ampliada do setor financeiro privado. “Vemos aperfeiçoamentos em mecanismos e regras que possibilitarão o pleno aproveitamento das fontes de financiamento disponíveis. Mas ainda é necessário aumentar a qualidade dos estudos e projetos e também distribuir adequadamente os riscos entre as partes envolvidas nas concessões.”
O estabelecimento de um marco regulatório sobre concessões e contratos é importante e ainda precisa ser concluído. Porém, há outros temas mais prementes, na opinião de Elias de Souza, diretor da Deloitte para a indústria de Infraestrutura e Setor Público. “Do ponto de vista do investidor, especialmente o estrangeiro, é preciso demonstrar segurança jurídica e garantias para as regras acertadas”, opina, lembrando que países da Ásia, da Europa e até do Oriente Médio têm demonstrado interesse em investir no Brasil. “Outra questão é o câmbio. O investidor não quer arcar com as variações do mercado, que podem ser muito grandes. Esses possíveis desequilíbrios econômicos devem ser previstos nos contratos, para que ninguém se sinta prejudicado – nem o governo, nem as empresas.”
Para garantir os aportes em infraestrutura, é preciso demonstrar transparência das ações, segurança jurídica e garantias em relação às variações do mercado., Elias de Souza, diretor da Deloitte para a indústria de Infraestrutura e Setor Público.
O diretor da Deloitte aponta para a diversidade e a quantidade de projetos de infraestrutura em desenvolvimento nas três esferas da administração pública. “É muito positivo ver que o governo tem convocado especialistas e consultorias externas, além de representantes de diversos setores da economia, para apoiá-lo no desenho e na estruturação dos novos projetos”, diz Souza. “Agências reguladoras, ministérios e o BNDES têm participado também. É uma mudança estrutural. É o governo permitindo a participação da sociedade.”
Outros especialistas corroboram a necessidade de rever, de modo amplo, a abordagem para fomentar o investimento privado. “Ainda falhamos na estruturação dos projetos. É uma área que exige disciplina. Podemos aprender muito com as experiências dos países da União Europeia, do Canadá e da Austrália”, nota Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Essa opinião é compartilhada por Rosane Menezes Lohbauer, advogada com ampla experiência na formatação de projetos de concessões e de Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Já temos um bom conjunto de normas legais, que abordam gargalos antigos como as relicitações e as prorrogações de concessão. O que precisa melhorar é a modelagem de projetos”, afirma Rosane. “O modelo antigo, com todo o investimento a cargo do poder público, se esgotou. Falta capacitação no setor público para dar conta da complexidade dos projetos, que incluem construção, operação e manutenção; tudo isso com uma participação cada vez maior dos investidores privados.”
“O importante é trazer mais governança a todo o processo, no sentido da elaboração de políticas públicas de Estado, claras e objetivas, sobre cada um dos segmentos da infraestrutura”, diz Eduardo Bernini, fundador da consultoria Tempo Giusto e ex-presidente da AES Eletropaulo, além de integrante de conselhos de várias concessionárias no setor de energia elétrica. “Há uma falta de compromisso na definição desses temas, o que traz instabilidade e afasta o investidor e também prejudica os entes do poder público. É preciso que as políticas públicas sobre o investimento privado em infraestrutura incorporem avaliações quantitativas e qualitativas sobre os projetos e a gestão de potenciais riscos.”
Além do estabelecimento prévio de garantias jurídicas e prazos, as novas oportunidades de investimento precisam definir claramente os mecanismos financeiros envolvidos. Nesse sentido, aponta Castelar, da FGV, o PPI do Governo Federal e a criação, pelo BNDES, do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias (FAEP) são novidades animadoras. “O financiamento a projetos de infraestrutura sempre vai refletir o risco envolvido no empreendimento. Com o alongamento dos prazos, será mais fácil securitizar os créditos e reduzir os riscos tanto para o BNDES quanto para os investidores.”
“O maior alinhamento entre a iniciativa privada e o governo vai trazer ganhos de produtividade e mais investimento”, acredita Hugo Ferreira Braga Tadeu, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral na área de gestão de inovação e empreendedorismo. “Até aqui, as agendas pública e privada têm estado em lados opostos. Um novo modelo de fomento deve vencer desafios enormes de governança e de priorização de investimentos.” A atratividade do setor de infraestrutura só aumentará, de acordo com Tadeu, com a consolidação de cinco fatores básicos: “Estabilidade política, transparência pública, estratégia de longo prazo, controle estrito de gastos públicos e, claro, demonstrações de aumento de produtividade.”
Novos modelos de fomento
Exemplos do novo paradigma estão em curso em capitais como Belo Horizonte, onde, em 2011, foi criada uma sociedade anônima (a PBH Ativos S.A.) para apoiar os projetos de investimentos e PPPs municipais. A Secretaria de Finanças da capital mineira presta contas regularmente sobre os resultados e os avanços das parcerias. A ordem de serviço para PPP da iluminação pública foi assinada em maio último e inclui especificações sobre prazos, metas de modernização da rede e projeções detalhadas sobre custos e retornos. “É um formato mais inovador”, afirma Elias de Souza, da Deloitte.
O Estado de São Paulo apresentou outro case inovador ao preparar, em iniciativa inédita no País, um dataroom com informações em inglês referentes à concessão de rodovias estaduais. Publicado na internet, o compilado de dados atraiu a atenção de mais de 140 potenciais investidores estrangeiros, incluindo interessados de Espanha, Portugal, Itália, França, China, Coreia do Sul e países do Oriente Médio. Os editais propostos trazem também condições mais favoráveis de financiamento, voltadas a diferentes perfis de investidores, e a previsão de contratos tripartites, com responsabilidades compartilhadas por concessionárias, financiadores e o poder concedente.
Outra inovação incluída no modelo aplicado às rodovias em São Paulo – e adotada também no âmbito do PPI, dentro das recentes concessões do setor de aeroportos – é a oferta de mecanismos de proteção cambial. Um obstáculo estrutural à entrada de investidores estrangeiros – a instabilidade do real perante o dólar pode ser contrabalanceado com recursos provenientes do pagamento de outorga variável, de acordo com regras predefinidas. “Esse formato de projeto divide entre o investidor e a administração pública o risco cambial. Se o real sofrer uma desvalorização acima de um patamar predeterminado, o valor da outorga a ser paga pelo investidor cai na mesma proporção”, explica Rosane Lohbauer.
Infraestrutura social na saúde
Campo Limpo é uma das regiões da cidade de São Paulo que mais sofre com a carência de infraestrutura urbana. No entanto, desde 2014, os moradores contam com uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que, equipada com 11 consultórios e 38 leitos, é capaz de realizar mais de 100 mil consultas clínicas e 50 mil atendimentos pediátricos por ano.
O funcionamento da UPA Campo Limpo (a primeira unidade do tipo em São Paulo) é viabilizado por um convênio entre a Sociedade Beneficente Israelita-Brasileira Albert Einstein e a Prefeitura da cidade de São Paulo. Essa parceria é apenas um dos empreendimentos tocados em conjunto pelo Hospital Albert Einstein e pela Secretaria Municipal de Saúde, e inclui outros equipamentos de saúde na zona sul da capital.
É um bem-sucedido exemplo de investimento privado na chamada infraestrutura social, com impacto direto sobre a qualidade de vida da população. Implementadas por prefeituras e governos estaduais (diretamente ou em parceria com entidades privadas), as UPAs fazem parte da Política Nacional de Urgência e Emergência, lançada pelo Ministério da Saúde em 2003.
“Projetos de Parceria Público-Privada podem proporcionar bons resultados para a comunidade e garantir melhoria no atendimento à população com saúde básica e prevenção, oferta de saúde secundária e em diferentes especialidades, inclusive de alta complexidade”, diz Israel Szajnbok, gerente médico das Unidades Assistenciais do Instituto Israelita de Responsabilidade Social Albert Einstein.
“Estamos aptos a oferecer projetos de transferência de novas tecnologias, experiências de gestão e capacitação profissional à rede do SUS”, comenta Denise Santos, Chief Executive Officer (CEO) da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), outra instituição participante do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), criado em 2009 pelo Ministério da Saúde para incorporar recursos (humanos e materiais) das entidades privadas às unidades do SUS.
No triênio 2018-2020, a BP pretende mobilizar seu corpo clínico na elaboração de projetos a serem avaliados e adotados pelo Ministério da Saúde, com foco nas especialidades de oncologia, cardiologia e neurologia. Além disso, a instituição mantém uma unidade exclusiva para atendimento direto à população (o Hospital Filantrópico do bairro da Penha, na cidade de São Paulo), que – por meio de um contrato com a Prefeitura – recebe pacientes referendados pelo SUS. “Podemos trazer um pouco da nossa excelência para o sistema público, seja com a transferência de conhecimento ou aportando inovação na gestão de unidades públicas”, acredita Denise.