Implementação de novas regras de preços de transferência pode pavimentar caminho brasileiro à OCDE
Por Caio Gonçalves, gerente sênior de Consultoria Tributária da Deloitte
Abril | 2023O Brasil está próximo de uma decisão do governo capaz de impactar as operações tributárias de muitas organizações: a possível alteração na política brasileira dos tributos sobre os preços de transferência. O prazo para outorga da MP se encerra em 1 de junho de 2023 – uma data muito aguardada, já que um novo encaminhamento mais alinhado às práticas internacionais abrirá caminho para que o Brasil seja aceito como parte integrante da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No entanto, antes de falarmos sobre o impacto desse possível cenário, é importante esclarecer que preços de transferência são mecanismos tributários para balizar operações internacionais, de ordem financeira ou comercial, entre empresas de um mesmo grupo econômico e/ou organizações terceiras ao grupo, localizadas em países enquadrados como paraísos fiscais ou com tributação favorecida, evitando manipulações de valores nesse tipo de operação.
A possibilidade de mudança nesse sistema começou a se concretizar em 28 de dezembro de 2022 com a publicação da Medida Provisória (MP) 1.152/22 e da Instrução Normativa 2.132/23, divulgada no Diário Oficial em 24 de fevereiro deste ano. A MP, aprovada em 30 de março de 2023 pela Câmara dos Deputados, regulamenta a antecipação da aplicação facultativa das regras apresentadas na própria medida para este ano, passando a ser obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2024.
Sua publicação marca a conclusão da discussão entre a OCDE e a Receita Federal do Brasil (RFB) acerca das regras de preços de transferência. As conversas entre os dois órgãos começaram quando o governo brasileiro demonstrou a intenção de ingressar na organização e, então, iniciou-se a elaboração da agenda de trabalho entre RFB e OCDE. O resultado desse processo culminou na MP 1.152/22 e estabeleceu o alinhamento da legislação nacional às premissas defendidas pela organização.
Esse é um passo crucial visto que as normas atuais que regulamentam a matéria por meio das Leis 9.430/96 e 12.715/2012 são alvos de críticas por apresentarem uma abordagem que dificulta a aplicação de políticas internacionais de preços, limita a inclusão das entidades brasileiras nas cadeias de valores de grupos multinacionais e impõe uma carga tributária representativa nas transações com as partes relacionadas.
As novas regras propostas englobam a reestruturação de:
- Negócios, envolvendo riscos e atividades com potencial de transferência de lucros e regras para determinar a compensação;
- Commodities, com precificação independente;
- Serviços entre empresas, com cobranças diretas e indiretas;
- Regras intangíveis;
- Regras de royalties e de transações financeiras, com novas diretrizes de dedutibilidade.
Partindo do pressuposto que o Brasil seja aceito como integrante do grupo “clube dos países ricos” (apelido para OCDE), seu posicionamento global seria impulsionado devido a confiabilidade que as premissas da organização oferecem aos investidores — inclusive, uma dessas premissas é o alinhamento da lei de preços e mecanismos para evitar a dupla tributação. É preciso ressaltar que as mudanças só serão implementadas se a MP for aprovada pelo Senado e, assim, convertida em lei.
O que ainda precisa ser feito?
A medida ainda tem pontos a serem esclarecidos por meio de leis ou instruções normativas. Entre os termos tratados nela, está a determinação da base de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de pessoas jurídicas com domicílio no Brasil e que realizam transações controladas com partes relacionadas no exterior.
Algo que ainda precisa ser detalhado, por exemplo, é a definição das bases de dados que serão aceitas no Brasil e a possibilidade de usar as comparáveis de outras regiões, como as do contexto Latam ou até Panamericano. Na falta de comparável no País, também será preciso determinar se o contribuinte poderá extrapolar para outros países, fazendo ajustes econômicos.
Também é válido discutir qual o tipo de mudança podemos esperar do novo governo em relação à MP. O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou a intenção de ingressar na OCDE e declarou o apoio do governo à migração da lei, ressaltando que algumas alterações seriam necessárias. Apesar de ele não ter listado quais seriam essas mudanças, acredita-se que elas não envolvam alterações substanciais que possam desqualificar o Brasil para ser membro da organização.
Com a aprovação da MP 1.152/22 pela Câmara dos Deputados, em 30 de março de 2023, resta somente a apreciação pelo Senado.
Desafios e vantagens da implementação da MP 1.152
Entre os principais desafios para a implementação dessa MP está a quebra de mindset relacionado à legislação atual – especialmente porque torna-se obrigatória a análise de transações que os contribuintes brasileiros não estão acostumados a analisarem, como é o caso da regulamentação específica sobre os limites de dedutibilidade em transações de royalties.
Caso a medida seja aprovada pelo Senado, sendo convertida em lei, as empresas brasileiras precisarão analisar o preço de transferência antes de qualquer tomada de decisão sobre esse tipo de transação, evitando que haja recolhimento tributário em países que possuem alíquotas superiores, como no caso do Brasil.
É preciso que as organizações atuem com ambos os cenários (com ou sem aprovação). Entende-se que a implementação de uma nova legislação é válida e pode aumentar os investimentos no Brasil, ampliando a arrecadação das empresas e alavancando a economia. Além disso, há a vantagem de uma maior interação do contribuinte com a Receita – sem burocracias e corrigindo a predominância atual de não haver transparência e confiabilidade por parte das empresas.