A importância da colaboração nos projetos de Engenharia e Construção
Para o Prof. Wolfgang Breyer, advogado alemão especialista em construção, os métodos colaborativos e contratos multipartes podem ser fundamentais para gerar valor e mudar a relação tradicional entre contratante e contratados.
Fevereiro | 2024As estruturas colaborativas oferecem um caminho para mitigar conflitos, promover a inovação e liberar maior valor de projetos complexos. É o que destaca o Prof. Wolfgang Breyer, fundador da Breyer Rechtsanwälte – um dos principais escritórios de advocacia especializados em construção na Europa com escritórios localizados na Alemanha, Áustria e Romênia.
Em entrevista com o sócio Rafael Monteiro, de Infrastructure & Capital Projects, para a Mundo Corporativo, Dr. Breyer compartilhou a sua visão de mais de duas décadas de experiência prestando consultoria em gestão de riscos de construção para clientes alemães e internacionais, salientando a importância dos frameworks colaborativos e como definir a estrutura ideal para o desenvolvimento eficaz de projetos mais intrincados e de grande escala.
MC: A última edição da “Pesquisa global da cadeia de suprimentos”, da Deloitte, concluiu que a estratégia priorizada pelos respondentes (61%) para entregar mais valor em 2023 foi “aumentar o nível de colaboração dos fornecedores”. A mesma tendência tem sido notada nos setores de Engenharia e Construção. Qual a sua visão sobre os frameworks colaborativos? Você acha que eles mudaram a relação tradicional entre contratantes e contratados? Que benefícios e desafios essas novas formas de colaboração trazem para a mesa?
Depende muito do modelo e da abordagem específica que se procura empregar para os métodos colaborativos. É crucial reconhecer que a colaboração não tem um tamanho único para todos. Sua aplicação depende da complexidade do projeto. Para projetos simples, a abordagem de design-bid-build ainda pode ser adequada. No entanto, quando falamos de empreendimentos intrincados e de grande escala, as estruturas colaborativas têm o potencial de realmente se destacar. Alguns exemplos notáveis incluem os esforços pioneiros da Austrália na década de 1980, o conjunto de contratos PPC 2000 da Inglaterra ou os métodos de Entrega Integrada de Projetos (IPD) dos Estados Unidos. Esses diversos modelos, apesar de suas nuances individuais, compartilham dois pilares centrais: colaboração e contratos multipartes.
Quando falamos em multipartido, não equivale a um vale-tudo. No cenário ideal, três atores-chave se unem: o proprietário, o projetista/engenheiro e o empreiteiro geral. Esse arranjo promove objetivos compartilhados e uma tomada de decisão unificada, substituindo a atmosfera competitiva dos modelos tradicionais. No entanto, adicionar partes aleatoriamente à mistura pode ser contraproducente. Ignorar o empreiteiro e contratar diretamente os subcontratados pode ser prejudicial.
As estruturas colaborativas oferecem um caminho para mitigar conflitos, promover a inovação e liberar maior valor de projetos complexos. Não se trata de jogar todo mundo na sala e esperar por mágica; é como orquestrar uma sinfonia de expertise, em que cada nota, cada papel, contribui para um projeto harmonioso e bem-sucedido.
MC: Você disse que deveria haver pelo menos três atores-chave, mas e um quarto, o construction manager, por exemplo, que ocupa um papel como o representante do empregador (owner)?
Essa é uma boa pergunta. Pense na colaboração como uma ferramenta, em vez de uma entidade autônoma. Um dos principais objetivos dos contratos multipartes é melhorar a qualidade do empreendimento desde o início. Ao integrar o conhecimento especializado do pessoal de construção no início da fase de desenvolvimento do projeto, abordamos proativamente possíveis discrepâncias e evitamos problemas que podem comprometer a qualidade e levar a reclamações futuras, como pleitos.
Então, a verdadeira questão não é apenas ‘quantas partes?’ É ‘quem tem a expertise que precisamos para ter sucesso nesse projeto?’ Podemos precisar de cinco ou até mais, mas cada um deve ser o melhor em seu campo.
MC: Na sua visão, abordagens colaborativas devem ser usadas em projetos mais complexos e importantes, certo? Mas existe esse mito de que abordagens colaborativas são mais indicadas para projetos imobiliários ou prediais, como escolas, hospitais, dentre outros. Quais são as diferenças?
O verdadeiro determinante da adequação está nas características do projeto, não na indústria em que ele se insere. A complexidade de um projeto deve ser o principal fator para considerar modelos colaborativos. À medida que os desafios intrínsecos e as demandas técnicas aumentam, os benefícios potenciais desses métodos crescem proporcionalmente, tornando-os mais atraentes como alternativa aos modelos tradicionais. Nesse sentido, a afirmação de que projetos complexos são os principais candidatos a essas abordagens é provavelmente mais acertada.
MC: E qual é ou deveria ser o ponto de partida?
O ponto de partida ideal de um projeto de construção envolve especialistas e a mudança para uma abordagem colaborativa. Em contraste com setores como automotivo ou de TI, que priorizam a montagem da equipe certa antes do desenvolvimento do projeto, a construção também deve priorizar o engajamento antecipado de profissionais especializados para garantir que a melhor equipe esteja no local desde o início. Esta abordagem não só garante a presença das pessoas mais qualificadas, mas também promove a colaboração desde o primeiro dia, melhorando o processo geral de desenvolvimento do projeto.
MC: Como os proprietários de projetos complexos podem identificar fornecedores com a expertise necessária, garantindo a colaboração ideal e o sucesso do projeto?
Para determinar onde reside o conhecimento técnico necessário, podemos traçar paralelos com a abordagem adotada pelos empreiteiros ao escolher subcontratados.
Os empreiteiros avaliam os subcontratados com base em suas competências e capacidades técnicas, em vez de atribuições de nível. Dessa forma, o foco se desloca para a questão central de quem possui a expertise necessária para contribuir efetivamente o projeto. Ao adotar uma abordagem semelhante, naturalmente discernimos a hierarquia de importância na seleção de fornecedores, garantindo que as pessoas certas estejam envolvidas, independentemente do nível.
MC: Considerando o ambiente de contratos multipartes, como adotar a colaboração entre os subcontratados, já que eles também são uma parte importante para trazer a expertise necessária que você falou?
A chave para uma colaboração eficaz está na redefinição do propósito e da estrutura do contrato.
Em primeiro lugar, a forma tradicional de contratos de construção concentra-se principalmente na definição de direitos, obrigações e consequências em caso de descumprimento. No entanto, em um contrato multiparte, mudamos o propósito para o gerenciamento de projetos. Criamos um manual abrangente descrevendo como o projeto será gerenciado, desde a aquisição até o projeto de engenharia e construção.
Dentro deste contrato, incluímos uma ferramenta de gestão desenvolvida de forma colaborativa com todas as partes envolvidas. Essa abordagem personalizada garante que os subcontratados estejam ativamente envolvidos no gerenciamento de projetos, tornando-o mais eficaz do que depender apenas de um contratado geral.
MC: Como alinhar efetivamente os interesses de um empreiteiro, que busca maximizar suas margens e lucratividade, com os do proprietário, que visa otimizar a utilização de seu capital? Que estratégias ou abordagens podem ser empregadas para garantir que esses objetivos potencialmente divergentes sejam harmonizados no processo de execução do projeto?
Imagine, uma mudança de paradigma contratual em que contratante e proprietário compartilham não apenas os riscos e as recompensas da execução do projeto, mas também a potencial economia de custos alcançada. Esse modelo de compartilhamento de ganhos incentiva ambas as partes a buscar ativamente soluções inovadoras e otimizar a alocação de recursos, pois quaisquer reduções nos custos do projeto são diretamente traduzidas em benefícios financeiros compartilhados.
Entretanto, antes de embarcar em qualquer iniciativa de redução de custos, uma fase colaborativa de pré-projeto é essencial. Aqui, o proprietário define claramente seus resultados desejados e padrões de qualidade, garantindo que os esforços de otimização de custos permaneçam firmemente alinhados com a visão geral e qualidade esperada do ativo.
Além disso, os sistemas de monitoramento de desempenho em tempo real tornam-se a pedra angular dessa parceria, garantindo uma avaliação contínua e transparente do progresso. A correção de curso em tempo hábil, a resolução colaborativa de problemas e os ajustes proativos tornam-se rotina, otimizando os resultados de forma contínua.
MC: Olhando para o futuro, que elementos específicos, na sua opinião, os futuros contratos devem abordar para facilitar uma gestão de risco eficaz e promover uma colaboração mais forte na construção? Além disso, que medidas práticas as empresas proprietárias podem tomar para se preparar para essa mudança para modelos colaborativos?
A indústria de engenharia e construção é historicamente conhecida por sua aderência aos métodos tradicionais de aquisição. Enfrentamos desafios críticos como a sustentabilidade e a necessidade de integrar tecnologias como o Building Information Modeling (BIM). Esses avanços, com o BIM levando ao poder transformador do digital twin, terão dificuldades para prosperar dentro dos contratos tradicionais e estruturas de compras defasadas.
Para se adaptar efetivamente aos acordos multipartes, os proprietários devem priorizar várias considerações importantes. Em primeiro lugar, construir a equipe certa é primordial. Em segundo lugar, abrace a inovação. Por fim, é importante lembrar que o custo não é a única métrica de sucesso. Embora alcançar a aderência ao orçamento seja crucial, o objetivo final deve ser um projeto que ofereça o melhor custo-benefício. Isso requer parcerias colaborativas, em que proprietários e empreiteiros trabalham juntos para liberar o potencial de tecnologias inovadoras e entregar projetos que não sejam apenas econômicos, mas também sustentáveis, eficientes e preparados para o futuro.
Essa é a essência da evolução do contrato colaborativo. Não se trata apenas de gerenciar riscos; é preciso desbloquear a inovação, a criação de valor e o sucesso compartilhado em nosso setor.