Ambiente favorável
Para voltar a ter uma posição de destaque no mapa do capital internacional, o Brasil deve empreender reformas modernizantes e que reconquistem a confiança dos investidores; infraestrutura terá papel importante nesse processo
Outubro-Dezembro | 2017“Os mercados estão constantemente em estado de incerteza e fluxo, e o dinheiro se ganha ao descontar o óbvio e apostar no inesperado.” A máxima do megainvestidor e filantropo George Soros se aplica aos muitos estrangeiros de olho no Brasil em 2018. Há incertezas políticas e econômicas, mas o prêmio para quem acertar na leitura é promissor. Quem, dos Estados Unidos, da Europa ou da Ásia, esteja interessado em altos ganhos voltou a ligar o radar para a locomotiva da América Latina.
Ainda assim, não falta quem prefira cautela até que o cenário macroeconômico e político esteja mais claro. Haverá grandes reformas? Haverá mais privatizações? Quão aberto ou fechado o Brasil estará a investimentos diretos estrangeiros depois de três anos de crise? O País voltará a frequentar os fóruns de líderes dos quais tem estado de fora?
A dúvida está presente em todas as narrativas estrangeiras sobre o Brasil 2018. Mesmo quem tem um tanto de Brasil e outro tanto de exterior no sangue ainda não vê com clareza. “A certeza que nós temos é a incerteza que estamos vivendo”, diz o presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), Robert van Dijk, filho de pai holandês e mãe de Trinidad e Tobago. “O desenvolvimento sustentável do mercado de capitais e da indústria de investimentos passa necessariamente pela capacitação de seus investidores e profissionais – um trabalho que é ainda mais relevante no atual momento, em que há tantas incertezas em nosso planeta e, em particular, no cenário brasileiro.”
Seja como for o próximo ano, os investidores estrangeiros são quase unânimes ao fincarem pé no Brasil em médio e longo prazos, independentemente das dúvidas atuais e ainda que nem todos os setores devam experimentar um 2018 tão auspicioso perante investidores internacionais.
Todos os organismos internacionais preveem alguma recuperação econômica no ano que vem, em especial, depois de uma leve recuperação já anunciada em 2017. Porém, as dúvidas são justas: essa melhora é um rebote ou terá o Brasil retornado a algum crescimento sustentável? O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fala em 2,5% de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem. O Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita em, no máximo, 1,5% de crescimento, enquanto economistas do Bank of America veem espaço para até 3% de avanço.
O economista-chefe global da Deloitte, Ira Kalish, também vê avanço no Brasil, mas vagaroso. “A estabilização da moeda, a queda da inflação e dos juros, a recuperação da economia global e a estabilização dos preços das commodities trabalharam a favor. Todavia, é inegável que as incertezas sobre a política e as reformas estruturais têm um efeito negativo”, diz Kalish.
Para a Chief Executive Officer (CEO da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Deborah Vieitas, a crise que se arrastava desde 2016 está se dissolvendo porque os agentes econômicos brasileiros e estrangeiros estão separando as más notícias vindas da política daquilo que acontece no mercado. “Hoje nós estamos assistindo a um relativo descolamento entre economia e política. Existe um processo de crescimento que já é evidente para alguns setores, embora não para toda a economia”, diz.
Entretanto, também há questões na outra ponta das Américas. A base eleitoral do presidente norte-americano Donald Trump é favorável a mais barreiras protecionistas. O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve System (FED), deve retomar o aumento das taxas de juros no futuro próximo, o que pode levar agentes do mercado a mais aversão ao risco, retirando dinheiro do Brasil bem no momento da retomada.
A conquista da confiança
Enquanto os Estados Unidos olham mais para dentro, a China, principal parceira comercial do Brasil, está atenta à América Latina. O gigante asiático acena com mais de US$ 500 bilhões em investimentos em infraestrutura na região para os próximos anos.
Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, afirma que o presidente chinês Xi Jinping seguirá interessado na região porque quer consolidar o papel de liderança da segunda maior potência global. Tang acredita que a turbulência atual é transitória e que, no médio prazo, o Brasil voltará a ser um dos grandes players do mundo.
“O País está se fortalecendo aos poucos. Se aprovar a reforma fiscal e a da previdência, fica ainda melhor, porque a reforma trabalhista já vai ter efeitos em 2018. O Brasil perdeu muito na crise; eu teria dificuldade de convencer um banco americano a investir aqui atualmente. No entanto, as empresas estrangeiras têm uma visão mais estratégica do que de lucro de curto prazo; isso vai ajudar”, diz Tang.
Para o líder da câmara chinesa, assim como para muitos executivos estrangeiros, o combate à corrupção no Brasil pode ter afetado os negócios em um primeiro momento, mas deve ajudar em breve por conta da maior confiabilidade das empresas que operam no País. “O Brasil tem recebido e vai continuar recebendo muitos investimentos porque, no passado, a área de infraestrutura era basicamente fechada para estrangeiros. Como as empresas afetadas [pelas investigações em curso] não podem operar, o clima para estrangeiros melhorou e os ativos ficaram baratos.”
Além das questões internas, especialistas de todo o mundo ainda levantam perguntas sobre se o crédito que a China oferece a seus parceiros estará lá depois dos ajustes esperados em Pequim. Em 2018, a China também deve renovar alguns dos seus quadros políticos. Mudanças bruscas não são esperadas, mas convém cautela.
O programa de privatizações do governo brasileiro, que inicialmente incluía 57 empresas, tem apelo especial para a China. Entretanto, como dúvida é a palavra-chave, os investidores ficaram menos confiantes quando viram alguns desses ativos serem retirados da vitrine, como o aeroporto de Congonhas. O próprio FMI também reconhece a desestatização como passo positivo, embora existam muitas questões ainda a responder.
“Os esforços contínuos para fazer concessões em infraestrutura mais atrativas a investidores, ao mesmo tempo em que se melhora o padrão de governança e o formato do programa de concessão, podem ajudar a aliviar gargalos e apoiar a demanda em curto prazo”, diz o FMI em um documento recente. “[Entretanto,] nenhuma incerteza é boa para investimentos em infraestrutura, que são inerentemente de longo prazo.”
Otimismo cauteloso
No lado mais otimista, o governo brasileiro espera que a negociação de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, que já dura mais de 17 anos, seja anunciada em dezembro. Ainda há arestas a aparar na área de carne bovina e etanol, mas os dois lados confirmam o otimismo com um acerto – o que pode ajudar a impulsionar as empresas de consumo brasileiras.
Contudo, novamente vem a dúvida: o avanço das empresas de bens de consumo teria a ver mais com a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que injetou bilhões de reais na economia, ou trata-se de um crescimento sustentável de verdade?
Para Monica de Bolle, professora adjunta de Economia na Universidade Johns Hopkins, de Washington, e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, o movimento de retomada no Brasil em 2017 tem mais a ver com alguma alta dos preços de commodities e a safra recorde que levou a um aumento das exportações. A pesquisadora acredita que o otimismo renovado do mercado não se deve a reformas – nem às concretizadas, nem às prometidas.
“A queda rápida da inflação e a indexação dos salários foi uma combinação auspiciosa. Já que os salários foram ajustados pela inflação passada e a inflação atual é muito mais baixa do que a passada, as famílias tiveram algum ganho salarial”, diz Monica. A queda da inflação e a liberação do FGTS, conclui a economista, são fatores que não vão se repetir em 2018.
Por outro lado, diz Ira Kalish, da Deloitte, o Brasil, mesmo em meio a tantas turbulências e incertezas, não poderá ser ignorado. “Sim, o País tem problemas que exigem atenção estrutural, como falta de probidade fiscal, principalmente na questão da previdência. Há regras restritivas no mercado de trabalho. Existem altas tarifas para comércio e investimento. Sem falar em corrupção e má gestão. Porém, o Brasil tem muitos recursos naturais, grande oferta de trabalhadores qualificados e inovadores, empresas de categoria mundial e alto grau de empreendedorismo”, afirma.
Mesmo em meio a tantas incertezas, o que o olhar estrangeiro aponta sobre o Brasil é que aqueles que apostarem em surpresas positivas vindas daqui correrão um grande risco: o de assistirem a um início da volta aos bons dias já no ano que vem.