Abordagem ESG ganha relevância para os negócios
Mudanças no comportamento dos consumidores e novos perfis de investidores têm pressionado as organizações a se reinventarem. Nesse movimento, questões ambientais, sociais e de governança – que até pouco tempo atrás não estavam entre as principais preocupações de uma empresa – estão sendo colocadas no topo das discussões.
Maio | 2021A crescente tendência dos investidores, sobretudo estrangeiros, de avaliar empresas sob as perspectivas ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) está provando que veio para ficar. Ainda que a pandemia de Covid-19 tenha contribuído para um cenário de ambientes empresariais colaborativos e determinados a cumprir o propósito de gerar valor a todas as partes interessadas, a iniciativa das organizações em desenvolver ações ESG pode ter sido dificultada pelo momento de crise. É necessário que as empresas possuam uma boa estruturação interna no tema para que, assim, sejam capazes de atrair investimentos e conseguir financiamentos – o que por vezes está condicionado a práticas ESG já implementadas, gerando um impasse que precisa ser solucionado.
A busca por títulos com temática ESG vem crescendo no mercado financeiro. Dados globais apontam que, em 2020, o valor arrecadado com essa categoria de títulos foi de US$ 490 bilhões. Em 2020 também foram injetados US$ 347 bilhões em fundos de investimentos ESG e, ao total, lançados 700 novos fundos desse tipo1. No Brasil, os investimentos em títulos ESG somaram US$ 5,3 bilhões em 2020, mais que o dobro de 2019, quando atingiram a marca de US$ 2,2 bilhões. Logo no primeiro mês de 2021, os títulos com essa temática já ultrapassaram o volume de 2020, com US$ 5,4 bilhões investidos2.
Em um cenário em que o propósito de uma organização e seus valores têm sido apreciados por investidores, ressalta-se também outro fator importante: a demanda da sociedade. É cada vez maior o número de consumidores – especialmente os mais jovens – que acreditam que as empresas têm um importante papel social e ambiental. Essa preocupação tem refletido, inclusive, em decisões de compra e aquisição de serviços.
Sistema regulatório brasileiro
Embora a tendência seja animadora, o cenário brasileiro ainda apresenta algumas dificuldades. No Brasil, ainda são poucas as normas regulamentadoras para critérios ESG. No setor financeiro, por exemplo, os principais entes regulatórios são o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cujas regulações e medidas apontadas restringem-se à obrigatoriedade de assegurar relatos integrados e à implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA).
Além disso, com o projeto de lei nº 289, que altera a Lei nº 6.404/1976, a apresentação anual do Relatório de Sustentabilidade passou a ser obrigatória desde 2012; todas as companhias ou sociedades anônimas devem apresentá-lo contemplando as “dimensões ambiental, social e de governança corporativa”. Dessa forma, o sistema regulatório brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer para a criação de um ambiente favorável que intensifique a adoção de critérios ESG.
Primeiros passos
Dentro das empresas, a cultura organizacional e a maturidade no assunto também podem ser entendidas como dificuldades enfrentadas pelas empresas. Apesar de ter despertado grande interesse de empreendedores no Brasil, essa maior atenção dispensada ao tema é recente.
Adaptar práticas e operações para atender critérios ambientais, de responsabilidade social e governança requer o engajamento não apenas do corpo operacional, mas de toda a liderança da organização, pois o assunto é complexo e aborda uma nova forma de fazer negócios. Além disso, uma vez que diferentes temas são abordados quando se fala de ESG, alinhar o desempenho em tais práticas dentro e fora da empresa, com fornecedores, clientes e demais partes interessadas, por exemplo, requer um olhar profundo e maduro, capaz de incorporar a sustentabilidade como parte da estratégia da empresa para a geração de valor – o que não é uma tarefa fácil.
Ainda que haja desafios à implementação de práticas ESG nas organizações, é possível desenvolvê-las com estratégias corporativas e controles focados em sustentabilidade, não devendo, portanto, ser negligenciadas. A otimização do uso de recursos naturais, como água e energia (pilar ambiental), a revisão de políticas de relações de trabalho, como inclusão e diversidade, e aumento do engajamento dos funcionários na cultura organizacional (pilar social) e a garantia de independência do Conselho e estruturação de comitês de auditoria (pilar de governança), são ações simples que podem servir como ponto de partida para a transição para esse novo modelo de negócios.
O aumento da maturidade advindo dessas práticas conduz a ações mais complexas – que podem ser feitas pelas próprias empresas ou por consultorias especializadas –, como mapeamento de processos para identificação de questões materiais, riscos e oportunidades relevantes para o negócio, desenho de estratégia, objetivos e metas, implementação de indicadores e mensuração de impacto. Vale pontuar que o papel da governança garante o envolvimento dos outros dois pilares. Sem uma boa governança não é possível desenvolver um modelo sustentável e alinhado com as expectativas da empresa e das partes interessadas.
Incorporar a perspectiva ESG nos negócios não deve ser visto como algo distante e inalcançável. Pelo contrário, deve ser entendido como algo a ser superado com objetivos claros e métricas alcançáveis a fim de melhorar a gestão e a resiliência das empresas. A captação de recursos no mercado financeiro, por meio de investimentos ou linhas de financiamento com melhores condições, torna-se, então, uma consequência do desempenho positivo das empresas com a implementação das ações ESG.
*Anselmo Bonservizzi é sócio-líder de Risk Advisory e líder da frente de ESG na Deloitte