A nova era dos projetos de capital
A transformação digital no mundo dos negócios chega com força ao setor de capital projects, que está se reinventando para aprimorar a eficiência, a segurança e a rentabilidade em planejamento, execução e operação de megaempreendimentos.
Outubro-Dezembro | 2017Quando se pensa nas indústrias que lidam com grandes projetos de capital, termos como “inovação”, “mudança” e “digitalização” não costumavam aparecer com frequência até bem pouco tempo. Muitas das empresas nos segmentos de construção civil, óleo e gás, transporte, energia, mineração e infraestrutura chegaram ao século 21 movidas por uma cultura tradicional e mais refratária a novidades do que a média de outros setores. Contudo, a transformação digital no mundo dos negócios é um imperativo do qual nem mesmo as mais conservadoras indústrias podem escapar – sob pena de perderem competitividade, eficiência e margens financeiras. Tecnologias como analytics, sensores, automação, drones, modelagem de informação e Internet das Coisas (IoT) vêm sendo inseridas de forma crescente nos grandes projetos de capital – o que está mudando a forma como esses megaempreendimentos são planejados, executados, operados e eventualmente desmobilizados.
“O mercado de construção e projetos de capital historicamente investe pouco em tecnologia, mas apresenta um grande potencial para a integração inteligente da enorme quantidade de dados presentes em cada projeto”, afirma Eduardo Raffaini, sócio que lidera a prática de Capital Projects da Deloitte no Brasil.
A avaliação de Raffaini corrobora os dados compilados pelo estudo “Capital Projects in the Digital Age – The capital project of the future”, lançado pela Deloitte em dezembro de 2016. O documento sustenta que o setor de projetos de capital passou os últimos 50 anos investindo pouco em tecnologia e não conseguiu integrar sua cadeia de fornecedores de forma efetiva. A introdução de recursos digitais no planejamento e na execução dos projetos e a criação de uma força de trabalho capaz de usar esses recursos podem trazer ganhos de tempo, reduzir custos e riscos e otimizar a gestão e a manutenção durante o ciclo de vida do ativo. “Há grandes oportunidades a serem aproveitadas com a introdução de analytics e coleta de dados nesses projetos”, cita Alan Richard, diretor da prática de Capital Projects da Deloitte nos Estados Unidos.
A introdução da abordagem digital na gênese dos projetos potencializa os ganhos a serem obtidos no decorrer de seu ciclo de vida. “Na fase de planejamento, pode-se aplicar analytics para consultar o histórico de outros projetos, fundamentar estudos de viabilidade técnica e criar uma modelagem econômico-financeira mais assertiva”, explica Eduardo Raffaini, da Deloitte.
Uma abordagem digital para os projetos de capital contribui para uma melhor análise do ciclo de vida do projeto e oferece mais confiança ao investidor, Eduardo Raffaini, sócio que lidera a prática de Capital Projects da Deloitte no Brasil.
A construtora Andrade Gutierrez está ciente dessas possibilidades. A empresa vem incorporando inovações digitais em seus projetos – desenvolvidas interna ou externamente – desde a concepção. “Havia iniciativas isoladas, mas para as quais não conseguíamos dar escala. Agora temos uma abordagem corporativa para o tema”, narra Gláucia Alves, superintendente de Excelência e Inovação da empresa. Um exemplo recente foi o Digital Day, que convocou startups externas para apresentarem soluções inovadoras para um grande projeto de construção de linhas de distribuição de energia elétrica a ser iniciado em 2018.
“Reunimos 237 empresas que apresentaram ideias focadas em materiais, equipamentos e metodologias de engenharia”, diz Gláucia. Foram selecionadas dez startups, que já trabalham em soluções para otimização de controle de estoque, traçado da rede, uso de drones – que vão reduzir custos de inspeção – e digitalização de atividades de campo. “O uso de materiais inovadores, como a calda de cimento para as estacas helicoidais (usadas na fundação das linhas de transmissão), tem o potencial de trazer grandes ganhos de custo”, confirma.
Os fornecedores da cadeia de projetos de capital estão encontrando novas formas de entregar produtos e serviços. São mudanças na logística e na oferta de soluções. Por sua vez, os proprietários dos projetos de capital estão elevando seu nível de gestão e governança por meio da utilização de digital, analytics e outras tecnologias emergentes., Henrique Takemoto, sócio da prática de Capital Projects da Deloitte no Brasil.
Estes são exemplos das mudanças que o impulso digital está trazendo ao relacionamento entre as construtoras, os fornecedores e sua cadeia de valor. “Há, por exemplo, impressoras 3D capazes de produzir materiais para pavimentação, com preço menor e alta qualidade. Essas frentes todas vão estimulando umas às outras e o movimento está ganhando escala”, confirma Henrique Takemoto, sócio da prática de Capital Projects da Deloitte no Brasil.
A Petrobras é uma empresa que tem expertise tanto em megaprojetos de capital (exploração, refinarias e centros de petroquímica) quanto em inovação tecnológica. Nos últimos anos, a organização multiplicou o uso de recursos digitais em diversas fases, implementando, na prática, iniciativas de pesquisa e desenvolvimento internas ou realizadas com parceiros. “Lidamos com projetos de ciclo longo e buscamos sempre antecipar as inovações que podem consolidar-se durante esses ciclos e gerar mais eficiência”, narra Roberto Murilo Carvalho de Souza, gerente executivo de Tecnologia da Informação da Petrobras.
No estágio de planejamento e construção, tecnologias de visualização 3D constroem maquetes virtuais de obras em curso e permitem testar, no ambiente digital, o desempenho futuro de unidades ainda não operacionais. Soluções de inteligência artificial (IA) são usadas para estudar big data coletados em projetos anteriores de perfuração, reduzindo consideravelmente o tempo gasto em análises e planejamento. A IA também é aplicada no controle da pressão empregada na perfuração. Na operação de bases em pontos isolados, sensores e recursos de automação reduzem a interferência humana nos processos e permitem um monitoramento mais assertivo, feito de forma remota.
“Tudo isso traz mais eficiência, melhor controle e uma visão mais integrada do ciclo completo do projeto”, acredita Souza, da Petrobras. “Do ponto de vista da governança, cuidamos do monitoramento da adoção dessas tecnologias por toda a empresa, tratando de incluir o digital dentro do nosso planejamento estratégico. Mais do que solucionar problemas, o digital torna-se um motivador, uma alavanca para revisar processos e até gerar oportunidades de novos negócios.”
Outra gigante da indústria de óleo e gás, a Statoil, mantém no Brasil seu maior campo de exploração fora da Noruega – o de Peregrino, na Bacia de Campos. Nas etapas de planejamento, operação e gestão dos projetos de capital associadas ao campo, a empresa concentra investimentos em automação de processos, analytics avançado e IA, além de contar com robôs inteligentes que contribuem com a redução de erros operacionais e diminuem a exposição humana a riscos de segurança.
“Com a análise de dados, aumentamos a probabilidade de novas descobertas e potencializamos a recuperação de reservatórios. Temos a garantia de operações mais seguras, com o acesso a informações sobre segurança e prognósticos a respeito de condições de risco”, relata Igor Dantas, líder da Cadeia de Fornecedores da Statoil Brasil. Especificamente sobre sua área, Dantas avalia que a digitalização influenciou de forma positiva o trabalho. “Desenvolvemos iniciativas de automação de processos: emissão de ordens de compra, cadastros, controle de inventário e entregas. Os ganhos de eficiência permitiram direcionar recursos para atividades mais estratégicas.”
Com o avanço exponencial da presença de sensores, plataformas autônomas e big data nos projetos de capital, os próximos anos devem trazer novos desafios para o segmento. “As empresas coletam um volume cada vez maior de informações sobre cada etapa dos projetos, mas é preciso transformar essas informações em algo útil, que ajude na gestão”, sustenta Nick Prior, líder global de Infrastructure e Capital Projects da Deloitte.
Em cerca de cinco anos, já teremos a inteligência artificial atuando na coleta e na interpretação desses dados e na criação de soluções baseadas neles. Então vamos ver a completa automação dos processos de gestão em projetos de capital – e também em outros segmentos da indústria., Nick Prior, líder global de Infrastructure e Capital Projects da Deloitte.
No Brasil, como costuma acontecer quando o tema é inovação e transformação, estamos no começo da jornada. Diretor para a América Latina da Associação para o Desenvolvimento da Engenharia de Custos (AACE Brasil), Aldo Mattos fala sobre o panorama: “Vemos que os investimentos das empresas no setor ainda são tímidos em comparação com outros países emergentes, apesar de não termos indicadores claros sobre esses investimentos. Entretanto, há um claro aumento de interesse das empresas na aplicação de recursos para pesquisa e inovação”.
Em ramos como a infraestrutura e a construção civil, que, segundo Mattos, enfrentam desafios para garantir a rentabilidade, a transformação digital, especialmente na gestão dos projetos, pode ser de importância decisiva. “Esses recursos trazem mais rapidez na obtenção dos dados e maior fidedignidade às informações, o que permite tomar decisões mais acertadas”, diz o engenheiro.
Desde 2008, a mineradora Vale desenvolve uma solução integrada para a gestão de seus projetos de capital, incorporando tecnologias como advanced analytics e IoT a seus processos. “Nosso foco atualmente é em melhorar a alocação do capital nos projetos de grande porte, explorando analytics para transformar esse processo. É uma alavanca importante para o aumento da produtividade e a redução de custos”, afirma Jânio Souza, gerente-executivo de Serviços de Tecnologia da Informação na Vale.
“Esses recursos permitem aumentar a colaboração entre diferentes áreas e reduzir erros na formatação e na execução dos projetos. Mesmo com a redução de nosso portfólio de despesas de capital nos últimos anos, continuamos a expandir a plataforma e a incorporar novas soluções.” Como exemplos recentes de transformação digital, Souza cita o uso de modelos 3D em engenharia e drones em inspeção remota de canteiros de obras.
“O investimento em tecnologia e inovação geralmente só se faz sentir no longo prazo, o que é um problema nas economias emergentes como o Brasil”, pondera Nick Prior, da Deloitte. “Todavia, no País, há muitas oportunidades e carências a serem supridas, em campos como logística e transporte.”
Fato é que o uso de tecnologias digitais no planejamento e na gestão de projetos de capital pode trazer mais transparência e uma prestação de contas mais eficiente, colaborando para tornar o setor mais atrativo a investimentos.