Um outro futuro para a indústria química
Após um período de estagnação causado por fatores diversos, o setor químico – cuja natureza converge com uma multiplicidade de indústrias – reavalia suas perspectivas a partir do lançamento, com a Deloitte, de um estudo que apresenta o diagnóstico da situação e as propostas para a retomada.
Janeiro 2019 | Fevereiro 2019O setor químico é um dos mais importantes – e mais discretos – entre os setores industriais. Importante porque é elo entre as cadeias produtivas de segmentos como agricultura, automotivo, saúde e eletroeletrônicos – e responde por 10% do PIB industrial do País. E discreto porque poucos se dão conta da quase onipresença de insumos químicos em tantos mercados. A despeito de sua relevância, o setor vive hoje uma das maiores crises das últimas décadas, que culminou em fechamento de fábricas, cortes de investimentos e redução de postos de trabalho. Para mudar esse cenário, a Deloitte, em parceria com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), preparou o relatório “Um outro futuro é possível”, com um diagnóstico do panorama atual e a enumeração de 73 propostas para a retomada dos investimentos e do crescimento.
A queda da expansão na indústria química foi rápida e ocorreu depois de um surto de desenvolvimento. De 2009 a 2011, o faturamento cresceu quase 50%, saindo de US$ 102 bilhões para US$ 150 bilhões. O alto crescimento provocou otimismo no setor e os investimentos chegaram a US$ 4,8 bilhões em 2012 – salto de 85% na comparação com o ano anterior. A produção, porém, não respondeu e ficou estagnada. Resultado: queda no faturamento. Depois do pico de US$ 150 bilhões em 2011, as receitas estabilizaram até 2014, e apresentaram quedas em 2015 e 2016, encerrando 2017 em US$ 120 bilhões.Esse declínio foi resultado da junção de fatores que minaram a competitividade da indústria química brasileira. Há cinco principais gargalos: um ambiente de negócios de baixa competitividade, alto custo das matérias-primas, preço de energia elevado, ineficiência logística e excesso de burocracia. Algumas dessas questões são comuns aos demais setores da atividade produtiva brasileira.
“Dos problemas, os que mais afetam o setor dizem respeito à compra de matérias-primas e energia”, diz Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Abiquim. Nos dois casos, o grande entrave é a diferença do preço pago pelos produtores locais na comparação com seus competidores externos – historicamente mais alto por aqui.
No caso da energia elétrica, por exemplo, o custo chegou a ser seis vezes maior do que na Argentina, segundo estudo recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) – o Brasil aparece com a sexta energia mais cara em um ranking com 28 países. Já em relação à matéria-prima, que pode representar 80% dos custos de uma planta petroquímica, um dos desafios está na falta de contratos de longo prazo para o fornecimento de nafta petroquímica, um insumo básico para as indústrias do setor – além do preço. “Energia e matéria-prima são dois elementos cruciais à competitividade do setor”, diz Fernando Musa, presidente da Braskem.
“Nos últimos anos, temos observado uma indústria química prejudicada pela falta de infraestrutura logística, custos de matéria-prima elevados, burocratização nas importações e exportações, ou seja, uma operação muito difícil no Brasil”, diz Wellington Bonifácio, diretor de Advanced Materials da Huntsman para a América do Sul. Reinaldo Kröger, CEO do Grupo Unigel, dá um exemplo prático: “Cerca de 7% do faturamento de uma indústria química brasileira vai para o frete. A Europa gasta 3,5% nesse item.” Lucas Freire, presidente da Elkem, concorda: “É mais caro transportar um produto do porto até nossa fábrica em Joinville (SC) do que trazer da China para cá.”
Esses problemas minaram a competitividade do setor. Resultado: encerramento de linhas de produção locais. Entre 1990 e 2011, 289 empresas fecharam as portas ou mudaram o ramo de atividade. Sem elas, 1.710 linhas de produtos foram descontinuadas – uma média de 78 por ano.
As indústrias que continuaram cortaram a produção. O uso da capacidade instalada caiu 14 pontos porcentuais nos últimos dez anos – de 87% para 73% desde 2007. “O setor precisa ampliar a produção e usar a capacidade instalada atual”, diz Marcos De Marchi, presidente do Conselho Diretor da Abiquim.
Com a produção local em queda, a entrada de insumos de outros países aumentou. As importações aumentaram e, com isso, o déficit na balança de pagamentos do setor, que saiu de US$ 15,7 bilhões em 2009 para US$ 32 bilhões em 2013 – mais do que dobrando.
“Está cada vez mais difícil manter a competitividade”, diz Fabian Gil, presidente da Dow para a América Latina. “Isso ocorre porque temos custos de energia altos e nossa logística, além de cara, é ineficiente”, diz. “E o ambiente de negócios torna o custo de operação muito alto.”
Segundo Gil, a diferença entre o custo de energia nas fábricas da Dow no Brasil e o de outros países da América Latina pode chegar a 30%. Outra fonte de despesas desnecessárias está na complexidade das regras tributárias. Para não falhar com o Fisco, a Dow mantém uma equipe especializada no Brasil maior do que nas outras unidades da região. “A diferença chega a ser de 3 para 1”, diz Gil. O efeito de todos esses problemas é a perda de investimentos. “Muitos projetos acabam indo para a Europa.”
Uma nova agenda
Para mudar esse cenário, será preciso adotar uma agenda ampla de reformas em diversos setores. “A retirada de entraves fiscais e logísticos, e a captura dos benefícios da Química 4.0, além do barateamento dos preços de matérias-primas e energia dará competitividade para a indústria química brasileira”, diz Ronaldo Fragoso, sócio da área de Risk Advisory da Deloitte, que participou de discussões para o projeto realizado para a Abiquim. “E isso vai refletir em toda a economia brasileira”, completa.
Segundo projeções da Deloitte, que foram conduzidas pelo economista Giovanni Cordeiro e reproduzidas no estudo para a Abiquim, a implementação das 73 propostas de 2019 pode aumentar o PIB do setor em US$ 231,2 bilhões até 2030. O lucro das empresas pode aumentar em até quatro vezes. “Importante destacar que a riqueza será distribuída entre as empresas, trabalhadores e governos”, diz Giovanni, que ressalta a perspectiva de criação de 225 mil de empregos (veja os reflexos em outras áreas no quadro abaixo). “Se nada for feito, não atrairemos investimentos e a produção continuará estagnada”, diz De Marchi, da Abiquim. Em meio à crise fiscal vivida pelo País, é preciso adotar iniciativas que não aumentem o gasto público.
O caminho da retomada
Conheça as seis dimensões das propostas feitas pela Abiquim e inseridas no estudo preparado conjuntamente pela Deloitte para que seja viabilizada a retomada do crescimento da indústria química:
Matéria-prima: dar competitividade ao setor, alcançando custos similares aos da média global, pela redução dos custos e o aumento de disponibilidade de matérias-primas essenciais para a produção;
Logística: aumentar a eficiência no transporte de insumos, gerando maior produtividade;
Energia: reduzir o custo de energia pago pela indústria, que hoje é mais alto do que o pago por competidores externos;
Inovação e Química 4.0: criar condições favoráveis a investimentos e ao uso de novas tecnologias digitais, como a Internet das Coisas (IoT), a robótica avançada e a inteligência artificial – assim, a indústria incorporará melhores processos e estará mais preparada para a competição global;
Comércio exterior: estimular a inserção competitiva da indústria química brasileira no comércio global, coibindo práticas desleais de comércio;
Regulação: melhorar o ambiente regulatório, atendendo à diversidade e à complexidade do setor, e também promovendo a eficiência da produção e maior segurança para os consumidores, o meio ambiente e as empresas.
Os ganhos para o País
Oportunidades no mundo da Industria 4.0
A despeito dos desafios, o Brasil oferece oportunidades para o desenvolvimento da indústria química. A começar pelo tamanho da economia – a oitava do mundo – e a diversificação da produção. O País tem indústrias de diversos setores, sem falar da força do agronegócio e dos serviços – todos consumidores de insumos químicos.
A pressão da sociedade por produtos ecologicamente sustentáveis abre espaço para a indústria química oferecer novos produtos. Há múltiplas oportunidades. Produtos e insumos químicos podem ser usados para reduzir o desperdício de alimentos e aumentar a produtividade no campo, otimizando o uso de recursos como terra e água. Na indústria automotiva, a tendência por eficiência no uso de combustível exige carros mais leves. “A indústria química hoje é parte da solução dos desafios globais atuais e futuros”, diz Manfredo Rübens, presidente da BASF para a América do Sul.
Há oportunidades até mesmo nos dois principais gargalos que afetam o setor, os custos de energia e matéria-prima. O Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo de fontes energéticas renováveis, como cana-de-açúcar, eólica e solar. Com investimento em tecnologia nessas áreas, os custos podem cair – beneficiando todo o setor produtivo nacional. E as grandes reservas de petróleo e gás, principalmente do pré-sal, também podem resultar em menores custos de insumos, como a nafta petroquímica. “Nós temos oportunidade de ter uma energia limpa e com custo competitivo, e o pré-sal que vai dar acesso à matéria-prima petroquímica”, diz Daniela Manique, presidente da Solvay para a América Latina.
Melhorar o ambiente de negócios para a indústria química é fundamental para que o setor possa capturar os investimentos globais gerados pela adoção da Indústria 4.0, com base em novas tecnologias digitais, como robótica avançada, nanotecnologia, Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial. Países desenvolvidos e em desenvolvimento estão criando condições para suas indústrias aproveitarem essa oportunidade de crescimento. Um exemplo desse movimento é a França, onde a participação da indústria no PIB caiu de 16% para 10% nos últimos 20 anos. Para reverter essa queda, o governo lançou o programa “Nova França Industrial”, focando a concessão de benefícios fiscais, em caráter excepcional, para o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias. Outro programa francês é o “Indústria do Futuro”, voltado à implementação de tecnologias digitais.
“A indústria química no mundo já investe na digitalização e na Indústria 4.0”, diz Daniela, da Solvay. “Precisamos de um ambiente confiável e fértil para que a gente possa fazer esses investimentos”, afirma Bonifacio, da Huntsman. O Brasil precisa acompanhar esse ritmo para assegurar a volta da competividade e dos investimentos.