Prontos para a nova normalidade
As abordagens de transformação financeira, aliadas a novas tecnologias, podem ajudar as empresas a melhorar a entrega de dados aos seus próprios gestores e ao mercado e a se desenvolver mesmo diante de incertezas econômicas.
Abril-Junho | 2017Sobreviver à turbulência econômica que o Brasil vivencia há mais de dois anos e se proteger neste momento ainda incerto, em que o ensaio de uma retomada se desenha há alguns meses, é desafio para todos os decisores de negócios, em especial, para os executivos financeiros. Responsáveis pela garantia dos resultados, os líderes financeiros são, muitas vezes, os condutores de transformações desafiadoras e cadenciadas por uma economia dinâmica, inclusive em sua própria área. Nesse contexto, um programa de finance transformation abrangente dentro das empresas pode tornar-se uma estratégia mais robusta do que mudanças isoladas em processos.
A experiência mostra que a aplicação dessa abordagem no atual contexto econômico e de negócios traz melhorias na organização das empresas, auxiliando o processo de crescimento para que este seja sustentável e, ao mesmo tempo, consiga responder melhor às demandas dos clientes e demais públicos de interesse. Outros benefícios de um programa dessa natureza são a construção de um alinhamento mais forte entre as expectativas de seus públicos de interesse e as capacidades de sua organização financeira, com base na atualização das tecnologias usadas e na consequente melhoria nos processos.
Ao mesmo tempo em que auxilia a manutenção e a longevidade do negócio, a abordagem de finance transformation prepara o terreno para que as empresas deem os passos seguintes, com agilidade e em linha com suas aspirações estratégicas.
Um exemplo: se, antes, os relatórios financeiros eram feitos de forma burocrática e não tinham o apoio e o entendimento de todas as áreas dentro de uma empresa, hoje, as novas ferramentas tecnológicas, com recursos como dashboards (que melhoram e facilitam a visualização de dados) e analytics (que potencializam o tratamento dessas informações), aumentam a velocidade do processamento da informação e também melhoram a qualidade da comunicação com investidores, financiadores e parceiros.
Nesse contexto, um programa de finance transformation visa propor um conjunto de soluções para auxiliar a preparação, a interpretação e a comunicação das informações para aqueles que estão na linha de tomada de decisão, proporcionando ao gestor a capacidade de antever, entender e melhorar processos, comunicando isso tudo interna e externamente, de acordo com a estratégia escolhida.
“Finance transformation engloba diversos processos, do nível menos complexo até o mais complexo”, explica Fernando Augusto, sócio da área de Auditoria da Deloitte e líder para a prática de Accounting Advisory no Brasil. Ele lembra que o accounting advisory tem a prerrogativa de transitar por todas as áreas da empresa para colher informações e transformar os processos objetivamente.
A abordagem de accounting advisory pode passar por todas as áreas de uma empresa para colher informações e auxiliar na transformação dos processos financeiros de forma otimizada e objetiva, gerando valor agregado e sinergias para a organização., Fernando Augusto, sócio da área de Auditoria da Deloitte e líder para a prática de Accounting Advisory no Brasil.
Com a perspectiva de um profissional com experiência prévia em trabalhos de auditoria e transações complexas, o advisor pode assumir uma perspectiva que foca também aspectos de compliance, fazendo observações pertinentes, e muitas vezes necessárias, sempre trabalhando com o cliente. “Aplicamos a experiência de profissionais que trabalharam como auditores por muitos anos, em um processo que, muitas vezes, pode acontecer anteriormente a uma auditoria. Esse conhecimento ajuda a otimizar processos, antecipar potenciais impactos de novas normas contábeis e a lidar com outros assuntos técnicos complexos, por meio de uma metodologia transparente e assertiva. Isso garante eficiência a áreas importantes da organização, como finanças, tributária e de compliance”, afirma Fernando Augusto.
As empresas precisam preparar demonstrações financeiras, notas explicativas e registros contábeis, entre outros documentos, para atender à regulamentação. A Lei nº 11.638, de 2007, que regulamenta os pronunciamentos contábeis, diz que qualquer empresa com faturamento superior a R$ 300 milhões ou ativos acima de R$ 240 milhões deve ser auditada. “O profissional de accounting advisory ajuda a empresa a seguir a norma, mas também pode participar da elaboração da contabilidade gerencial. Os clientes veem muito valor agregado porque a tomada de decisão fica mais clara a partir do momento em que a informação está disponível e é distribuída estrategicamente”, afirma Fernando Augusto.
Com a produção de relatórios financeiros agilizada e a sua visualização facilitada, praticamente em tempo real, o profissional que presta o aconselhamento deixa todos os processos mais fáceis de serem entendidos. O advisor pode utilizar o cenário produzido por ferramentas como analytics e computação cognitiva para transformar a base de dados em um quadro mais palatável, que pode ser entendido por diversas áreas da organização.
Cenário em transformação
Apesar da instabilidade ainda reinante neste final de semestre, um indicativo de mudança positiva na expectativa econômica nos últimos meses foi o fato de que, até abril deste ano, três empresas brasileiras – Hermes Pardini, Movida e Azul – tinham feito ofertas iniciais de ações (Initial Public Offerings, ou IPOs na sigla em inglês), abrindo capital na B3 (novo nome da BM&FBovespa, após a sua fusão com a Cetip). Para efeitos de comparação, em todo o ano de 2016, apenas uma empresa foi ao mercado capitalizar-se.
“Em 2017, muitos estão olhando para IPOs e emissões de dívidas [debêntures]. No ano passado, não olhavam. As empresas que estão de olho vão ter de buscar profissionais que auxiliem na melhoria dos níveis de governança e também na transformação financeira. Porque não dá para fazer esse processo sem contar com especialistas, nem sem tecnologia na velocidade com a qual os documentos têm de ser elaborados e as regras têm de ser cumpridas”, afirma Edmar Lopes, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI).
Para Isabelle Dassier, sócia da área de Auditoria da Deloitte para a prática de Accounting Advisory, um evento como um IPO exige transformação. “É preciso estruturar processos, sistemas e prestações de contas. O programa de finance transformation tem as ferramentas e metodologias necessárias para que a empresa consiga se antecipar e se preparar para a mudança de forma gradual”, pontua Isabelle. “As mudanças podem atingir desde a adequação de normas até a atualização de tecnologias e, certamente, irão modificar o fluxo da informação financeira. Normalmente, são trabalhos de longo prazo, e não apenas para o evento em si”, explica a sócia da Deloitte.
Para Lopes, do IBRI, o tempo de preparo depende do ponto de partida: “Se a empresa é madura, auditada, é mais fácil do que estruturar uma startup, por exemplo, porque tem de produzir muito documento, fluxo de informações, tem de ter balanço auditado. Mas esse processo é sempre muito positivo e melhora a governança.”
Lopes também chama a atenção para o perfil do consultor e ao fato de que finance transformation realiza, por meio de práticas cotidianas, a migração das empresas para o mundo digital. “O varejo é cada vez mais digital, com as transações via internet feitas por celular. Os atendimentos de call centers de diversos setores já são feitos com inteligência artificial. Isso já está, de certa forma, no dia a dia das empresas.” Por esses motivos, para Lopes, do IBRI, os profissionais das áreas contábil e de relações com investidores precisam estar inseridos nesse mundo, no qual os robôs estão cada vez mais presentes, e têm de estar a par do que a tecnologia oferece.
Com a casa em ordem
Empresas que nunca prepararam uma demonstração completa e que não têm profundo conhecimento de normas contábeis podem utilizar essa abordagem para identificar em que partes seus processos precisam ser melhorados e atualizados para começar a produzir e prestar todas as informações necessárias, antes de entrar no mercado de capitais.
“Empresas pouco maduras precisam desse trabalho inicial. As já consolidadas usam para melhorar a qualidade e o fluxo da informação e, muitas vezes, no mapeamento de processos que melhoram toda a sua estrutura”, explica Isabelle. Um exemplo: ter de pegar informações do departamento jurídico. “Isso levaria tempo para a controladoria processar e para as áreas entenderem por que devem passar tal informação.”
A visão integrada dos processos e o mapeamento de formas para melhorar as informações têm impacto direto na maturidade da governança corporativa. Empresas com uma boa estrutura de governança estão melhor preparadas para dar um próximo passo na captação de recursos., Isabelle Dassier, sócia da área de Auditoria da Deloitte para a prática de Accounting Advisory.
Melhoria da governança
Se crescer exige financiamento e o mercado de capitais volta a ser considerado uma alternativa para obtê-lo, há um longo caminho para viabilizar uma eventual abertura de capital na bolsa de valores.
“Quem manda é o mercado e o cenário econômico. Não dá para prever como será 2017 todo, mas os três IPOs deste ano indicam que há uma perspectiva de melhora, e de que há espaço. Muitas empresas voltam a olhar o mercado de capitais. A elevação da nota da Petrobras pela agência de classificação de risco Moody’s [no segundo trimestre de 2017] também traz atenção ao mercado de capitais e às áreas de IPO readiness”, lembra Lopes, presidente do IBRI.
Para Idésio Coelho, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), empresas de capital aberto são mais transparentes e lideram uma melhora nos setores de atuação. “Quando uma empresa atinge certo nível de governança, isso se reflete em seus produtos e serviços. A inovação fica mais ágil do que nas de capital fechado. Esse movimento melhora os processos e a governança como um todo. Essa empresa influencia todos os concorrentes e a sua cadeia de fornecedores. Tudo é positivamente afetado.”
Coelho, do Ibracon, aponta uma dificuldade ligada a uma tradição brasileira. “Além de termos de superar os fatos políticos atuais, que afetam a parte econômica, temos uma dificuldade estrutural, um grande competidor: o nível dos juros dos títulos brasileiros.” Para o presidente do Ibracon, as altas taxas de juros do Brasil desestimulam o investidor regular a ir para o mercado de capitais. “Se isso mudar, conseguiremos atrair mais investidores além dos qualificados, conseguiremos a pessoa física. Esse é um grande mercado, mas precisa de mudança para ser fomentado. Se isso acontecer, será criado um círculo virtuoso na economia.”