O meio não é a mensagem
No mundo phygital, em que as jornadas de compra virtual e real convergem, não importa a plataforma, mas sim a experiência. O que vale para os consumidores é ver os seus desejos atendidos, seja na loja física ou online – cabe aos varejistas encontrar um modelo adequado para prosperar nessa realidade.
Dezembro 2019 | Fevereiro 2020Em 22 de janeiro de 2018, a Amazon, que se tornou uma das maiores empresas a revolucionar o varejo online, espantou o mundo ao inaugurar para o público a Amazon Go, uma loja física instalada em Seattle, nos Estados Unidos. A loja transformava de uma maneira fascinante a experiência de compra com a qual estávamos acostumados: graças a tecnologias como deep learning, sensores e um aplicativo instalado em um smartphone, qualquer pessoa poderia pegar o que quisesse e sair sem enfrentar filas nem passar por caixas registradores.
A guinada da Amazon para o mundo real marcou uma inflexão na evolução prevista para o varejo. Em um momento em que as varejistas online, lideradas pela própria Amazon, ganhavam terreno e provocavam o fechamento de lojas físicas, não foram poucos os que acreditaram que o futuro seria virtual. Estavam enganados. Hoje, os especialistas em varejo são quase unânimes em afirmar que o importante não é se a loja é física ou online: o que vale é a experiência de compra que o consumidor busca. E ela ocorre nos dois canais, a partir de um fenômeno que vem sendo chamado, há alguns anos, de “phygital” – um neologismo formado da junção das palavras “físico” e “digital” em inglês. Agora, essas empresas têm o desafio de adaptar suas estratégias para atender às demandas do consumidor e navegar com sucesso em meio a essa nova dinâmica.
Em um mundo onde as fronteiras entre real e virtual são irrelevantes, as varejistas precisam estar preparadas para atender da melhor forma possível o consumidor. No caso da Amazon, a ideia de criar um ponto de venda físico começou com uma pergunta simples: “Como seria uma compra se você pudesse entrar em uma loja, pegar o que quisesse e ir embora?” A partir daí, a interação entre tecnologias digitais e a loja física ocorre de um modo natural – e quase óbvio. Como em toda loja, os produtos estão dispostos em prateleiras, mas o pagamento é feito automaticamente via aplicativo assim que o cliente sai do estabelecimento. Os produtos reais são “colocados” em um carrinho virtual. “No varejo do futuro, os mundos online e offline convergem e se complementam”, diz Leon Pieters, líder global da Deloitte para o setor de Produtos de Consumo. “O que importa é focar a experiência que o consumidor quer.”
Foi para proporcionar uma experiência ao consumidor que a Google abriu nos Estados Unidos “lojas pop up”, estabelecimentos temporários que podem funcionar por um dia ou alguns meses e têm como objetivo ativar marcas em um espaço físico. As lojas foram criadas para que o consumidor pudesse ver e tocar produtos, como o Google Glass (óculos de realidade aumentada) e o Google Home (alto-falante que permite interação via comandos de voz com serviços da própria Google). “Enquanto varejistas tradicionais fecham lojas e diminuem o portfólio de produtos, a Google migra do online para o offline para se aproximar do consumidor e dar a eles a oportunidade de sentir e experimentar seus produtos”, conta Pieters. A função das lojas não é realizar vendas. Pouco importa para o Google se as pessoas vão comprar um aparelho Google Home em uma “loja pop-up” ou em um smartphone. “Entender como o consumidor se comporta é o mais importante”, afirma o especialista da Deloitte. “E isso resultará em mais vendas.”
Algumas pessoas dizem que as lojas físicas estão obsoletas e que tudo será comprado online. Eu discordo totalmente dessa visão. No futuro, teremos lojas focadas no que o consumidor quer – experiência. Leon Pieters, líder global da Deloitte para o setor de Produtos de Consumo
A loja do futuro x consumidor do presente
Até pouco tempo atrás, boa parte das lojas da Nike nos Estados Unidos era instalada em outlets nas periferias. Em 2018, a fabricante de materiais esportivos abriu a Casa da Inovação 000, na 5ª Avenida, no coração de Manhattan, Nova York. A nova loja conceito tem 68 mil metros quadrados e oferece aos fãs da marca a oportunidade de assinar co-criações de peças e produtos sob demanda. O vendedor atua como um “coach” de estilo de vida, que dá dicas sobre saúde e esportes – tudo alinhado com os valores da Nike. Além de fidelizar o cliente, a Nike ganha insights valiosos sobre os hábitos e desejos dos consumidores.
A Casa da Inovação da Nike indica o novo papel das lojas físicas na jornada de consumo. “A tendência é que haverá cada vez menos lojas, mas muito melhores e com mais qualidade, com design e layout diferenciados, formatadas para fidelizar o cliente”, explica Reynaldo Saad, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Consumer.
Essa mudança de modelo e estratégia é mandatória para o varejo se adaptar às transformações nos hábitos dos consumidores – que, não é exagero dizer, são mais profundas do que as disrupturas propostas pelas varejistas. Hoje é possível identificar três tendências.
A primeira é o desejo de ter produtos personalizados. Os consumidores ainda seguem lançamentos da moda – desde que consigam acrescentar algo da personalidade deles nos produtos. “Eles não querem apenas fazer parte da massa”, diz Pieters.
A segunda é a necessidade de identificação com valores – o propósito das marcas. Para se tornarem consumidores fiéis, precisam criar uma sinergia ao seu estilo de vida.
E a terceira mudança impacta na jornada de compra. Antes da popularização da internet, quando uma pessoa queria comprar algo, ia a uma loja física. Lá, era confrontada a uma grande quantidade de opções. Cabia ao vendedor o papel de facilitador na tomada de decisão. Quanto o portfólio de produtos foi para a internet, permitiu às pessoas pesquisar sobre o que querem comprar. Um problema surgiu: como escolher entre tantas opções? Foi então que apareceram os “influencers”, que fazem revisões e avaliações de produtos nas mídias sociais. “Os influenciadores assumiram o papel que era dos vendedores”, diz Saad.
Obsessão pelo bom atendimento
Segundo a “Pesquisa Varejo em Transformação”, da Deloitte, feita com executivos de 126 empresas no Brasil, 65% das empresas afirmam ter clientes com comportamento phygital – que consultam preços na internet enquanto visitam uma loja física.
Phygital é não saber onde começa ou termina o processo da compra, seja num canal real ou virtual. Ser phygital é colocar em primeiro lugar o processo de compra e usar as conveniências do online e do real para isso. Reynaldo Saad, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Consumer
Quem investe na diversidade de canais têm melhores resultados. Segundo a pesquisa, 24% das varejistas utilizam cinco ou mais canais de vendas, como site próprio, lojas físicas e redes sociais. E 71% delas tiveram aumentos de vendas em 2018, em relação a 2017. Já entre as que usam até dois canais, só 39% viram as vendas incrementarem no mesmo período. “Até pouco tempo, acreditava-se que lojas online concorriam com lojas físicas”, diz Flávio Rocha, presidente do Conselho de Administração da varejista de moda Riachuelo. “Hoje, sabemos que os canais se complementam e precisamos ter múltiplos pontos de contato com o cliente.”
Para se adaptar ao phygital, os varejistas precisam dispor de funcionalidades que permitam aos consumidores transitar pelos canais físicos e digitais. Por exemplo: um cliente deseja comprar uma televisão. A jornada pode começar pesquisando sobre os modelos, marcas e tecnologias na internet, com uma consulta a um ou mais influenciadores, além de sites que comparam preços e características dos produtos. Talvez, antes de fechar a compra, ele queira ver se a qualidade de som e imagem é mesmo a que o fabricante promete. Para isso, resolve buscar uma loja física. Onde encontrar o produto? Seria extremamente frustrante se, depois de tanto esforço, o consumidor chegasse a uma loja e não pudesse ver a TV.
A tecnologia pode ajudar nesse processo. A Gofind é uma startup que oferece um localizador de produtos com base em algoritmos de inteligência artificial. “Ajudamos as marcas a mostrar aos consumidores os pontos de venda que possuem determinados produtos no estoque”, conta Felipe Samy, diretor de Marketing e sócio da Gofind, que tem entre seus clientes marcas como Ambev e Unilever e consegue mapear 260 mil lojas em 4.100 cidades. “Sem a ferramenta, as marcas chegam a perder 35% das vendas planejadas.”
Serviços como esse mostram a obsessão em atender bem o consumidor – que é compartilhada pela Amazon do Brasil. Segundo Alex Szapiro, presidente da multinacional americana, proporcionar conveniência, oferecer a maior gama possível de produtos e garantir velocidade de entrega são os três pilares da varejista. “Gastamos muito tempo para entregar o melhor serviço possível, seja oferecendo as formas de pagamento que o consumidor procura ou cumprindo os prazos de entrega dos produtos”, afirma Szapiro.
Tanta preocupação com o cliente traz resultados. A Amazon é, hoje, a marca mais valiosa do mundo segundo o ranking BrandZTM 2019. Ela foi avaliada em US$ 315,5 bilhões, à frente da Apple (US$ 309,5 bilhões).
Em um mundo em que o acesso às informações de todos os tipos tornou-se fácil e veloz, os padrões de consumo evoluem no mesmo ritmo. Ganham as empresas que tiverem uma capacidade cada vez mais sofisticada de resposta e posicionamento em relação a essas mudanças.