Negócios para a China
Marcos Jank, vice-presidente da BRF Ásia-Pacifico e especialista global em agronegócios, fala sobre a visão estratégica que o Brasil precisa ter para se integrar melhor ao mercado chinês.
Outubro-Dezembro | 2016Não faltam oportunidades para o Brasil intensificar a sua integração com a China. Agronegócio, energia, infraestrutura e construção civil estão entre os investimentos prioritários que o país pretende fazer no Brasil. No entanto, segundo o vice-presidente de Assuntos Corporativos e Desenvolvimento de Negócios da BFR na Ásia e especialista em questões globais do agronegócio, Marcos Jank, é preciso que o País avance nas cadeias de valor e estruture uma visão estratégica para lidar com este importante parceiro no longo prazo. “A China sabe o que quer do Brasil, mas o Brasil tem dificuldades de definir o que quer da China”, pontua Jank. Leia a seguir a entrevista do executivo à Mundo Corporativo.
Como o Brasil pode aproveitar as oportunidades do atual cenário internacional para assumir uma posição de parceiro preferencial da China?
Nós já somos hoje um parceiro preferencial da China. Atualmente, a China representa em torno de 25% das exportações do agronegócio brasileiro e já é, de longe, o maior parceiro comercial e comprador individual do Brasil. A China pratica uma abertura gradual e seletiva no agronegócio, na qual já participamos fortemente com a soja, e estamos ganhando espaço com a exportação de carnes bovina e de frango. No entanto, apesar de o Brasil ser o principal exportador de carnes para a China, os volumes ainda são muito reduzidos em relação ao consumo doméstico chinês. Enquanto a soja exportada representa quase 90% do consumo total, no caso das carnes estamos falando de um valor abaixo de 6%. O Brasil tem pouco a pouco entrado com outros produtos, mas a agenda ainda é determinada pelos interesses da China, na velocidade e no conteúdo do comércio. Falta uma visão mais estratégica acompanhada de planejamento de médio e longo prazos. Até aqui as ações têm sido extremamente imediatistas no Brasil. Neste momento, a China está comprando empresas que atuam em setores que estão em dificuldade, como energia, infraestrutura e construção civil. A China é país que demonstra maior interesse e dependência pelo Brasil e está avançando rapidamente na aquisição de empresas brasileiras em um momento em que a nossa economia parou de crescer. Por isso, precisamos nos preparar melhor para lidar com o nosso maior parceiro comercial, abrindo mercados e avançando nas cadeias de valor dos nossos produtos em território chinês, a exemplo do que eles têm feito no Brasil.
E como o País poderia se preparar melhor para isso?
Um dos desafios é avançar em parcerias e acordos comerciais mais profundos. O mundo caminha para um desmonte das instituições e políticas comerciais que dominaram o planeta nas últimas cinco décadas; os americanos estão se retirando da OTAN e do Acordo Transpacífico e renegociando o NAFTA, a União Europeia está se desfazendo com a saída do Reino Unido e, potencialmente, de outros países europeus. A Europa sempre foi o bloco mais integrado do mundo e agora começa a enfrentar correntes internas nacionalistas e protecionistas. Nos últimos 15 anos o Brasil à margem dos grandes acordos comerciais do planeta. O governo deveria se movimentar mais rapidamente no avanço das relações bilaterais com nossos grandes parceiros comerciais. E um dos países com que faria sentido desenvolver uma parceria mais profunda em comércio e investimentos é a China, que está, nesse momento, controlando toda a agenda bilateral. Vejo também que há uma oportunidade de o Brasil olhar para outros mercados como o Sudeste Asiático, o Oriente Médio, a Índia e, futuramente, a África. Porém, isso só será efetivo se conseguirmos avançar por meio de acordos bilaterais mais profundos. O Brasil pode se aproveitar desse momento em que o mundo vive um período de isolacionismo, xenofobia e protecionismo para tentar construir relações que até aqui foram comandadas pelos Estados Unidos e pela Europa, e que hoje poderiam ser uma alternativa concreta de inserção internacional do nosso País.
O agronegócio continuará entre as prioridades chinesas em relação ao Brasil. Como aumentar o valor desta cadeia de fornecimento, gerando mais benefícios para os produtores?
Em mundo com grandes restrições de recursos naturais, as exportações do agronegócio sempre serão uma grande oportunidade para o Brasil. Porém, o nosso grande desafio é abrir mercados hoje fechados para o País e adicionar valor aos produtos exportados. Hoje dependemos de uma dezena de commodities tradicionais – como soja, açúcar, café, frango e carne bovina – nas quais o nosso contato principal é com o importador. É preciso avançar nas cadeias de produção e valor, abrindo mercados que hoje estão fechados para o País e adicionando valor aos produtos exportados. São raras as empresas brasileiras que conseguiram se internacionalizar, como a BRF. Nossas marcas praticamente não existem no exterior. A maioria dos consumidores lá fora não tem a menor ideia que os produtos que eles estão consumindo vem do Brasil. Se não conseguirmos chegar aos consumidores finais nos supermercados, devíamos pelo menos tentar chegar ao chamado food service, que são os serviços de alimentação que servem restaurantes, empresas, etc. A China quer controlar todas as suas cadeias de suprimento de commodities agropecuárias, minerais e energéticas. Em modelo ganha-ganha, a China poderia ser sócia em plantas fabris de empresas brasileiras que produzem essas commodities desde que permita que essa sociedade se estenda até chegar ao consumidor final daquele país. A relação com a China não pode se limitar a duas commodities primárias, como a soja em grãos e o minério de ferro. É muito pouco. Precisamos desenvolver uma cadeia de suprimento mais sofisticada, com maior valor adicionado, rastreabilidade de produtos, sanidade e qualidade e dos alimentos. Integração global das cadeias de suprimento é o nome do jogo, e o principal campo de desenvolvimento desse jogo ganha-ganha deveria ser Brasil e China.
A nossa indústria está preparada para atuar dentro dessas cadeias chinesas globais de produção?
No caso do agronegócio, a gente pode dizer que o Brasil definitivamente faz parte das cadeias globais de suprimento, e não apenas com a China. Somos um competidor global essencial e dinâmico em alguns setores, mas, na maioria dos casos, nossa relação só chega aos importadores. Não temos conseguido avançar nas cadeias de valor. No agronegócio, precisamos nos espelhar em exemplos de países menores que o Brasil, como Austrália, Nova Zelândia, Chile, Canadá e vários países europeus, que conseguem vender produtos com marca a preços mais elevados que o similar doméstico no exterior. Temos de associar características que diferenciem os produtos brasileiros no exterior, como qualidade, sanidade, rastreabilidade e sustentabilidade. Outro aspecto é a consolidação de acordos comerciais que permitam ampliar o acesso dos nossos produtos aos grandes mundiais.
Em relação a investimentos, avalia que deveriam ser criadas facilidades específicas para o aporte chinês na infraestrutura brasileira pró-exportação?
O aporte já está acontecendo, sem maiores restrições ou dificuldades, e aumentou bastante por conta da crise econômica brasileira. Inicialmente, a China tentou comprar terras no Brasil e, hoje, quer basicamente controlar a chamada “originação”, ou seja, controlar as cadeias de suprimento, investindo em processamento, logística, armazenagem, estradas, ferrovias e portos. Em um momento em que a economia está crescendo pouco, há uma grande oportunidade para o investimento chinês. A grande reclamação dos chineses é a ausência de marcos regulatórios mais estáveis, ante as constantes mudanças nas regras do jogo. É interessante que as empresas brasileiras reclamam do mesmo problema na China. No entanto, ainda assim, a China quer investir pesadamente no Brasil. Suas grandes empresas, sejam elas estatais ou privadas, estão se internacionalizando rapidamente. As reservas chinesas permitem um intenso movimento de aquisições pelo mundo, mas o país ainda é bastante fechado para o comércio e os investimentos vindos do exterior.
Que outros mercados e países o Brasil deveria ter como alvo nesse novo momento do agronegócio do País?
Nesse momento, a Ásia é a região que tem combinado crescimento populacional, aumento da renda per capita e urbanização acelerada. O continente já representa quase metade das exportações do agronegócio brasileiro e tornou-se a prioridade número 1 para esse segmento. No entanto, é bom lembrar que a Ásia é muito mais do que a China. Temos de olhar para a ASEAN, que são os dez países que formam a Associação de Nações do Sudeste Asiático, com 650 milhões de habitantes e que consolidaram um bloco econômico que já é o segundo maior do planeta, atrás apenas da União Europeia. Mais à frente, temos a Índia, um país que tem potencial de consumo tão grande quanto a China, mas que é ainda um mercado bem mais fechado do que o chinês. Além disso, temos de ampliar as nossas exportações para o Oriente Médio, uma região que não tem recursos naturais e depende de importações. A África também tem um potencial gigantesco, mas ainda é uma região extremamente desafiadora para fazer negócios.