Negócios inteligentes
Apesar de muitas empresas já investirem cada vez mais em inteligência artificial para aumentar a produtividade, melhorar a experiência do cliente e reduzir custos, os ganhos obtidos ainda são pequenos perto do potencial disruptivo que a IA pode trazer se for integrada à estratégia dos negócios.
Dezembro 2019 | Fevereiro 2020Poucas tecnologias apelam tanto ao imaginário como a inteligência artificial (IA) e o aprendizado de máquina (machine learning). Há quem acredite que, daqui a alguns anos, haverá máquinas tão inteligentes e autônomas que serão capazes de superar humanos em todas as atividades, inclusive as que dependem de criatividade e tomada de decisão, como escrever um poema, gerenciar uma empresa, criar um projeto de lei e projetar um automóvel. Talvez isso até aconteça, mas, mesmo em um cenário menos fantástico, o poder de disruptura da IA é imenso. É por isso que um número crescente de líderes empresariais tem olhado para ela como uma ferramenta cada vez mais importante para a estratégia dos negócios.
Segundo o estudo “State of AI in the enterprise”, 63% dos 1.900 executivos entrevistados pela Deloitte afirmaram que a inteligência artificial é muito ou “criticamente” relevante para o sucesso hoje. Quando questionados sobre a importância da IA nos próximos dois anos, o percentual sobe para 81%. Não por acaso, eles têm investido cada vez mais nessa tecnologia: de uma média de US$ 3,9 milhões em 2017 para US$ 4,8 milhões por empresa em 2019 – um salto de 23%.
Experiência e produtividade
A tecnologia tem sido empregada para aumento de produtividade, melhoria na experiência do cliente e redução de custos. A Amazon, por exemplo, usa machine learning para dar recomendações de compras aos clientes e deep learning (um avanço em relação ao aprendizado de máquina) para reformular processos e criar novas categorias de produtos, como o assistente virtual Alexa, melhorando a relação com clientes. A Salesforce integrou sua ferramenta de inteligência de negócios com base em IA (chamada de Einstein) no seu software de CRM – e fornece cerca de 1 bilhão de previsões por dia aos seus clientes. A varejista alemã Otto usa a tecnologia para a tomada de decisões operacionais autônomas em uma escala inalcançável para humanos. “A inteligência artificial já está habilitando e transformando modelos de negócios em diversas indústrias”, diz Jefferson Denti, sócio da área de Consultoria Empresarial e líder da prática Digital da Deloitte.
No Brasil, um dos cases de sucesso de utilização de inteligência artificial é o Bradesco Inteligência Artificial, uma solução de machine learning mais conhecida como BIA, do banco Bradesco. Desde sua criação, no final de 2016, a BIA (assim, no feminino) realizou mais de 100 milhões de interações com clientes e funcionários e, conta, hoje, com aproximadamente 14 milhões de usuários.
BIA esclarece dúvidas sobre produtos e serviços do banco via WhatsApp, Google Assistente e aplicativos do Bradesco, e ajuda na realização de operações, como consultas de saldo, transferências e empréstimos – no total, responde por 85 produtos e serviços. Com tempo de resposta de 3 segundos, consegue resolver 95% dos atendimentos. Uma pergunta do tipo “BIA, como está a economia?”, tem como resposta informações atualizadas sobre o cenário econômico dadas por economistas do branco.
A próxima fronteira da IA
Segundo Fabricio Lira, líder de Analytics da IBM Cloud Brasil, o uso de IA ocorre em quatro frentes: interação com pessoas, compreensão (de objetos, imagens ou emoções humanas), descobrimento (via análise de dados) e, finalmente, tomada de decisão. “A inteligência artificial é usada tanto no front office quanto no back office das empresas e a velocidade com que os avanços ocorrem dificulta analisarmos todo o potencial da tecnologia.”
O desenvolvimento da inteligência artificial pode ser dividido em três estágios. O primeiro é chamado de inteligência assistida. Nele, as máquinas são usadas na coleta e no armazenamento de grande quantidade de dados, que auxiliam na tomada de decisões. O segundo é a fase da inteligência aumentada, em que o aprendizado de máquina atua para expandir as competências humanas analíticas. Esse é o estágio de muitas organizações.
O grande salto virá quando elas migrarem para o terceiro estágio – inteligência autônoma. Nessa etapa, a expectativa é de que as máquinas operem de forma autossuficiente e efetivamente inteligente. É a fase em que o aumento de produtividade ocorrerá de modo exponencial, uma vez que a IA poderá tomar determinadas decisões fundamentadas em uma quantidade imensa de dados – que nenhum cérebro humano é capaz de processar.
As duas fases iniciais podem ser chamadas de “narrow AI” (ou IA limitada). A terceira é a “broad AI” (ou IA ampla). “Na narrow AI, o robô é treinado dentro de um domínio”, explica Lira, da IBM. “Na broad AI, o robô tem a capacidade de se auto treinar sem se limitar a uma área do conhecimento.” Por exemplo, é possível capacitar a máquina dentro de uma realidade (ou cultura) e ela começa a interagir de modo natural, buscando o auto treinamento e relacionando áreas de conhecimento diversas. Nessa etapa, a disruptura poderá vir de diversas formas.
Uma das áreas mais sensíveis para organizações de diversos setores está no cumprimento de compliance regulatório. E parte da culpa está no viés humano, que, muitas vezes, impede uma análise neutra e isenta a respeito das leis e regulações. A inteligência artificial, por ser livre de subjetividades, abre uma possibilidade de interpretação acurada e literal de uma regra, evitando que a empresa cometa erros nessa área, que não costumam sair barato para os infratores.
Outra área em que a IA pode expandir as fronteiras é na “personalização em massa” de produtos e serviços. Hoje, as organizações obtêm lucros com ganhos de escala ou personalizando a entrega. A IA pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: customizar produtos e serviços para consumo em massa.
Superando os obstáculos
No Brasil, ainda é limitado o número de organizações que empregam de forma eficiente a inteligência artificial. “Houve um avanço de um ano para cá”, diz Denti, da Deloitte. “Porém, muitas empresas ainda estão nos estágios iniciais quando comparamos com a utilização de outras tecnologias digitais, como robótica e data analytics.”
Um dos erros comuns é olhar a tecnologia como um fim – e não como uma ferramenta integrada com o modelo de negócio da empresa. “Algumas organizações querem ter um chatbot somente para dizer que usam inteligência artificial”, diz Cassiano Maschio, diretor comercial da Inbenta, empresa que desenvolve programas com base em IA para interagir com humanos, chamados chatbots. “O ideal é adaptar o uso da tecnologia ao seu negócio. Dessa maneira, a empresa será inovadora, verá aumentos de produtividade, redução de custos e melhorias na experiência do consumidor.” Quando isso acontece, diz Maschio, os ganhos de eficiência e de produtividade podem chegar a 30%.
Não conectar a tecnologia ao negócio é um erro que é parte de algo maior: a falta de uma cultura organizacional que consiga pensar na inteligência artificial de forma integrada. Isso depende de uma série de fatores.
O maior deles, e talvez o mais desafiador, é ter equipes (incluindo a liderança) bem treinadas e adaptadas para a nova realidade que a IA impõe. As empresas também precisam ter uma infraestrutura adequada para coleta e análise de dados – que serão usados para treinar o sistema. E esses dados precisam estar bem protegidos contra fraudes e violações à privacidade. “Fazer bom uso da tecnologia vai muito além de ter a tecnologia”, afirma Denti.
A despeito dos obstáculos, esses são desafios que devem ser enfrentados pelas organizações. Afinal, com a evolução tecnológica, logo a inteligência artificial deixará de ser apenas um diferencial para se tornar uma tecnologia indispensável nos negócios.
A inteligência artificial pode ser usada de diversas formas pelas organizações, mas seus ganhos ocorrem em maior escala se a IA é usada dentro da estratégia de negócios da empresa. A simples adoção de uma nova tecnologia não garante melhores resultados. Jefferson Denti, sócio da área de Consultoria Empresarial e líder da prática Digital da Deloitte
Nova inteligência no setor financeiro
Entrevista com Bob Contri, líder global da Deloitte para Serviços Financeiros
Uma das áreas que começa a ver impactos significativos provocados pela inteligência artificial é o setor financeiro. Segundo o relatório “A nova física nos serviços financeiros: Inteligência artificial transforma o ecossistema das finanças”, produzido pela Deloitte em parceria com o Fórum Econômico Mundial, entre essas mudanças, está a oferta de novos serviços, como o financiamento autônomo, fugindo da “guerra pelo preço mais baixo”. Em entrevista a Mundo Corporativo, Bob Contri, líder global da Deloitte para a indústria de Serviços Financeiros, fala sobre essas e outras transformações.
Que disrupturas a adoção da inteligência artificial pode ocasionar nas instituições financeiras?
A inteligência artificial tem o potencial de provocar disrupturas na relação com os clientes. Ao atuar, por exemplo, como conselheira, a IA permite que os clientes ganhem autonomia. Outra área passível de disruptura é o back-office, cujas operações serão mais automatizadas, abrindo espaço para as instituições focarem o core business.
Quais benefícios a inteligência artificial pode trazer para as instituições financeiras?
Vários, como o incremento de produtividade e a maior eficiência na detecção de fraudes. Também ajuda a minimizar riscos e superar obstáculos regulatórios com transparência. No mundo com inteligência artificial, a importância das estratégias de dados e parcerias terá impacto relevante nas instituições financeiras. Em um ecossistema onde todos disputam a diversidade dos dados, a gestão de parcerias com competidores ou potenciais competidores será fundamental, mas repleto de riscos.E para os clientes?
A IA pode aumentar o engajamento do consumidor, ajudá-los a tomar decisões financeiras mais precisas e melhorar suas experiências. Trata-se de uma tecnologia que impulsiona a diferenciação das instituições em relação às concorrentes, por permitir maior customização dos serviços.
Que mudanças ocorrerão na estrutura de mercado?
A inteligência artificial deve favorecer os extremos de mercado. Por um lado, ela abrirá oportunidades para empresas menores, focadas em inovação e que poderão criar serviços para atuar em ninhos específicos; por outro, favorecerá as grandes instituições, que conseguem obter grandes ganhos de escala, já que, com a IA, muitas operações serão “comoditizadas”. Nessa polarização, as firmas de médio porte tendem a ser prejudicadas. Um cenário possível é que, com lucros menores, elas podem ser absorvidas pelas gigantes do setor.
Quais obstáculos existem à adoção de IA por parte das instituições financeiras?
O maior limitador à velocidade de adoção de IA está nos recursos humanos, ou seja, em adaptar os talentos para um cenário em que as pessoas vão trabalhar com o auxílio de inteligência artificial. Preocupações com a proteção e privacidade de dados também retardam esse processo. Na verdade, trata-se de um receio que já impacta negativamente na adoção de IA.