Na direção do crescimento
Para lidar com as indefinições da economia e dos negócios nos últimos anos e ainda colher um bom resultado, muitas pequenas e médias empresas revisitaram suas estratégias, uma prática saudável e necessária quando o cenário se transforma.
Outubro-Dezembro | 2017
O cenário duplamente desafiador imposto pela recessão econômica e por instabilidade política impôs muitas dificuldades para as pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras, principalmente desde 2014.
Nesse contexto, a pesquisa “As PMEs que Mais Crescem no Brasil”, realizada pela Deloitte em parceria com a revista Exame pelo 12º ano consecutivo, trouxe na edição de 2017 o tema “A Estratégia do Reposicionamento”, com o objetivo de avaliar a atividade das empresas emergentes em um momento nacional turbulento. Desta vez, o levantamento incluiu também grandes organizações (com faturamento superior a R$ 500 milhões). As empresas que essa edição apontou entre as mais bem-sucedidas na capacidade de se reposicionar, durante o período avaliado, mostraram ter se fortalecido com inovação, reprogramação dos planos de negócios e preocupação em diversificar ou adaptar os serviços e produtos oferecidos.
O crescimento médio anual das empresas que mais se expandiram, de 2014 até 2016, foi de 21%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) nacional registrou oito trimestres consecutivos de queda na atividade, ao longo de 2015 e 2016.
Alguns temas foram muito críticos no último triênio, como perda de clientes, queda na capacidade de compra do consumidor, escassez de crédito e aumento de preço de fornecedores. As empresas emergentes com melhores resultados buscaram utilizar softwares, inteligência e analytics, o que fez com que atuassem de maneira mais estratégica, mesmo frente aos desafios do mercado., Othon de Almeida, Regional Managing Partner e sócio-líder de Novos Negócios e Inovação da Deloitte.
Para Othon de Almeida, sócio da Deloitte, o levantamento mostra que as PMEs passaram a ser mais flexíveis na busca por novas opções de crédito e investidores, bem como no estabelecimento de parcerias e na atuação com fornecedores estratégicos. “As empresas que cuidaram do modelo de investimentos de maneira razoável, inovaram ou readaptaram seus produtos e compraram novas tecnologias e softwares conseguiram crescer acima da média das que foram pesquisadas. Isso mostra que há uma necessidade de manutenção de investimento, e quem fez isso está em situação muito melhor do que o mercado em geral.”
Diversificar financiamento é preciso
Um problema crônico para as PMEs é a dificuldade em acessar prazos alongados de pagamento de financiamentos e taxas de juros saudáveis ao negócio. “As agências de fomento têm buscado ampliar a atuação com empresas desses portes porque enxergamos eficiência e geração de valor. As PMEs são a base da nossa economia hoje. Empregam proporcionalmente, por unidade de capital investido, quase o dobro de pessoas que uma empresa grande. É um bom negócio ajudá-las a crescer”, explica Alvaro Sedlacek, diretor Financeiro e de Negócios da agência de fomento do Estado de São Paulo, a Desenvolve SP.
O mercado financeiro também tem um olhar de grande interesse para as PMEs, segundo a diretora Comercial e de Desenvolvimento da B3, Cristiana Pereira. “Há um grande desafio no Brasil: empresas que conseguem captar aqui são muito grandes. E estamos vindo de três anos muito ruins, com uma IPO [Oferta Inicial de Ações] por ano. Em 2017, estamos tendo uma retomada, com oito IPOs no ano e todas as companhias captando acima de R$ 500 milhões. São empresas de médio para grande porte. Este é ainda um desafio para empresas menores.”
Cristiana aponta outros meios para uma empresa se financiar sem pagar os altos juros de mercado. “Um caminho possível para as empresas menores são as emissões de dívidas e recebíveis. Grande parte das cerca de 300 empresas que captaram no mercado de dívida, nesse período de três anos, é de capital fechado, de médio e pequeno portes.”
Governança endereça o futuro
A construção de uma estrutura gradual de processos e métodos de governança corporativa, muitas vezes inspirados em grandes companhias, também está no radar das PMEs. Para Luiz Fernando Dalla Martha, gerente de Pesquisa e Conteúdo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), é difícil aferir o grau de governança nas PMEs porque estas ainda não têm grande acesso ao mercado de capitais. Porém, segundo o executivo, o interesse existe.
“Hoje podemos ver que tipo de informação as PMEs estão buscando, como querem avançar em governança e processos. Os gestores fazem isso de uma forma prática e genuína e não por uma pressão de fora. E quando a governança é mais genuína, ela acaba sendo mais benéfica porque é adotada de fato na sua essência”, destaca Dalla Martha. Em tempos de investigações amplas e de grande impacto na imprensa, esta é uma forma de a organização se resguardar ou evitar que uma destruição de valor ocorra.
Alguns temas que ficavam restritos às empresas de capital aberto ou reguladas, como compliance, auditoria interna, conselho de administração e canal de denúncias, hoje fazem parte do dia a dia das PMEs. Esse movimento é visto como obrigatório e definitivo., Ronaldo Fragoso, sócio-líder de Market Development da Deloitte.
Ronaldo Fragoso, sócio da Deloitte, acredita que o aspecto governança, que, em algumas empresas, era novo, começou a se tornar fator crucial. “Se as PMEs querem se relacionar, por exemplo, com o setor público ou com empresas reguladas, terão de observar aspectos de governança e fornecer dados de forma transparente e tempestiva.”
Já Cristiana Pereira, da B3, aponta que é importante que a empresa se organize, se prepare e esteja pronta para acessar o mercado. “Ainda que a empresa não tenha, no curto prazo, o intuito de captar recursos no mercado, o fato de estar mais organizada em termos de governança facilita o acesso a crédito, até em agências de fomento. Governança dá acesso a capital para continuar crescendo. Este é um círculo virtuoso: ela se organiza, tem mais acesso, consegue crescer e assim se destaca e se pereniza.”
Agilidade e inovação
Heloisa Montes, sócia-líder da frente de Strategy & Operations da área de Consultoria Empresarial da Deloitte, destaca os altos e baixos do ciclo de vida de uma empresa emergente. “A vida dos gestores das pequenas e médias empresas é muito solitária. Eles têm de encontrar sozinhos soluções que as gigantes já encontraram. Contudo, ao mesmo tempo, as empresas que se destacam movimentam-se muito mais rápido porque não carregam estruturas grandes e complexas.”
As PMEs podem se beneficiar de suas estruturas mais leves para ganhar em agilidade e em assertividade na decisão do investimento., Heloisa Montes, sócia-líder de Strategy & Operations da área de Consultoria Empresarial da Deloitte.
Diferentemente das grandes corporações, que, muitas vezes, precisam lidar com complexas estruturas de capital, as PMEs desenvolvem e adotam com maior flexibilidade soluções para as novas demandas, segundo Heloisa, da Deloitte.
Ricardo Blancas, B1 Head da SAP no Brasil, aposta na transformação tecnológica e inovação como o fator-chave para o sucesso das PMEs. “Neste momento de transformação, percebemos que as empresas que têm mais sucesso e longevidade são as que têm uma operação de tecnologia muito mais forte e relacionada ao seu negócio, seja ele qual for. Vivemos a era de transformação digital e, para seguir crescendo, é essencial transformar processos antigos em digitais. Só dessa forma as empresas conseguem ser mais produtivas e fazer com que o seu negócio se perpetue.”
Do troco ao lucro
A Cata Company, primeira colocada no ranking de “As PMEs que Mais Crescem no Brasil”, cresceu desenvolvendo solução para um problema comum do varejo brasileiro: a falta de troco. Atento a esse comportamento do consumidor, o fundador e presidente da Cata Company, Victor Levy, instalou a primeira máquina CataMoeda em um supermercado na cidade de São Paulo em 2012. O equipamento funciona de forma simples: o consumidor deposita as moedas que juntou e escolhe pelo que quer trocar: vales-compras, cédulas, recargas de crédito de celular ou doações para entidades beneficentes.
“Nosso diferencial foi a criação de uma solução única, que acertou na veia para uma série de supermercados que tinham de resolver o problema de troco e não sabiam como. Fizemos uma parceria de dois anos com uma multinacional que nos procurou e isso impulsionou o negócio porque ganhamos uma capilaridade muito grande”, conta Levy.
De 2014 até 2016, a empresa teve um crescimento de 4.658% de receita líquida, quando já desenvolvia, além de equipamentos para coleta de moedas, outras soluções para serviços que envolvem valores, como cofres inteligentes, que destroem até 40% das cédulas em três minutos em caso de roubo.
Em 2016, a Cata Company iniciou um processo de internacionalização e abriu uma subsidiária nos Estados Unidos. Dessa solução surgiu uma série de outras oportunidades, que viraram novos produtos e também se transformaram em mais faturamento.
De olho no consumidor final
Os gestores da segunda colocada do ranking de crescimento, a Virtual Connection, conseguiram fazer com que a receita da empresa de serviços e soluções de tecnologia crescesse 911% nos três anos analisados.
A empresa, com sede em Uberlândia (MG), desenvolve, implanta e gerencia redes de atendimento ao consumidor final. “Vivemos em um mercado de mudanças muito drásticas porque nos relacionamos com os clientes dos nossos clientes, seja por meio de call center, back office e outras formas. Por isso, temos não só de desenvolver novos serviços, mas promover a inovação para o melhor atendimento aos nossos clientes. Essa estratégia nos blindou nesses três últimos anos”, comemora o sócio-fundador e presidente, Emilio Oliveira.
Oliveira conta que a empresa vive atualmente o desafio de desenvolver serviços para pessoas de gerações diferentes. “Muitos querem nova experimentação. Então, se a inovação não estiver no nosso DNA e no dos nossos colaboradores, a gente não consegue se posicionar com os nossos clientes com um produto que tenta modificar e facilitar as suas vidas.”
Saúde financeira na gestão
A Healthways, que atua na área de predição de gastos e planejamento em saúde, figura como a terceira colocada no ranking, com crescimento médio da receita líquida de 625% nos três anos analisados.
O trabalho da empresa é feito a partir de uma base de dados populacionais. Essas informações serão utilizadas em uma plataforma que coordena atividades de áreas de atuação diferentes na cadeia de saúde, correlacionadas com estágios e incidência de doenças. “O trabalho é apontar para o gestor de empresas e governos o que fazer em cada estágio de cada doença, ou do ciclo de vida da população. É um trabalho assertivo, que aposta na prevenção, principalmente. A capacidade de predição auxilia no uso dos serviços pelos funcionários e vale também para gestores públicos”, diz Nicolas Toth, managing director da Healthways para a América Latina.
Internacionalização na hora certa
A VTEX, empresa focada no desenvolvimento de soluções de marketplace nativo para o varejo, registrou, em três anos, um crescimento médio de 55%. A receita líquida passou de R$ 41,8 milhões, em 2014, para R$ 100,7 milhões, em 2016. Para fornecer ao varejo, um dos setores mais impactados pela crise, a empresa desenvolveu uma estratégia de criar ecossistemas com parceiros e clientes para abrir novos mercados em setores ou em outros países. Em 2012, a empresa começou a expansão internacional. Hoje já atua em 22 países. “Percebemos que o mercado brasileiro tem muito medo de olhar para fora porque ele mal se explora internamente pelo fato de sermos um país muito grande. Nós não tivemos esse medo e fomos dar a cara a tapa em 2012”, conta Rafael Forte, sócio-fundador e presidente da VTEX.
Best Managed Companies – Brasil
Com o objetivo de valorizar as melhores práticas de gestão entre as empresas que atuam no País, a Deloitte conduziu pela primeira vez no Brasil, e simultaneamente à pesquisa “As PMEs que Mais Crescem no Brasil”, o prêmio “Best Managed Companies – Brasil”. O levantamento, inspirado em premiações realizadas pela Deloitte em países como Canadá e Irlanda, avaliou empresas para selecionar destaques em quatro grandes áreas: crescimento de vendas, crescimento de resultado, fomento à inovação e práticas de sustentabilidade ambiental e social.
Expansão no DNA
A Geofusion – empresa que atua na gestão de uma base de dados com informações sociodemográficas, de vendas e de consumo de todo o Brasil para auxiliar empresas do varejo em suas estratégias de expansão – ganhou o prêmio “Best Managed Companies – Brasil” na categoria “Fomento à Inovação”. A expectativa da Geofusion para 2017 é a de um crescimento de 40%, segundo Pedro Militão, Chief Financial Officer (CFO) da empresa.
Recentemente, a empresa fez uma mudança ao trazer o foco da gestão de produto e do resultado para a inovação. “Buscamos que essa inovação no médio prazo retorne como crescimento de faturamento e de market share. Reconhecemos que o movimento que começamos no início de 2016 sustentou nosso resultado agora em 2017”, afirma o CFO da Geofusion.