No mesmo time
As instituições financeiras têm trabalhado cada vez mais em conjunto com as fintechs, criando ecossistemas de inovação sustentados por trocas, fomento e cocriação.
Junho-Agosto | 2019A transformação dos mercados pela revolução digital tem sido vista, muitas vezes, por um viés um tanto polarizado. De um lado, estão as companhias tradicionais, sólidas e de amplo alcance, com a necessidade de se reinventar. De outro, as startups: velozes, maleáveis e específicas, prontas para o ataque. Essa leitura indica um choque – a disruptura, quando modelos de negócios inovadores remodelam setores inteiros, sem muito aviso prévio. A indústria bancária foi uma das primeiras a ganhar os holofotes nesse cenário, com a eclosão das fintechs. A lógica de confronto entre tradicional e novo, porém, não demorou muito para se ajustar à complexidade dos novos tempos e dar espaço a ideias mais sofisticadas e produtivas: as parcerias e a cocriação, dentro de um ecossistema de mercado.
Ao avaliar o cenário atual da indústria bancária, o relatório “Banking Outlook 2018: Accelerating the Transformation”, da Deloitte, indicou alguns posicionamentos que os bancos poderiam tomar frente ao avanço das fintechs e ao impacto de suas operações no setor. As principais seriam: replicar o que as fintechs fazem, criar soluções tão inovadoras quanto ou privilegiar a simbiose no ecossistema atual em vez adotar uma postura de competição – ou, ainda, adotar uma mistura entre essas estratégias segundo a situação e a posição de mercado.
“Inicialmente, as instituições financeiras criaram estruturas internas de inovação, fomentando a transformação a partir de dentro”, diz Sergio Biagini, sócio-líder da Indústria de Serviços Financeiros da Deloitte. “Porém, aprendemos que a inovação não sai de um grupo fechado, ela vem por meio de grupos multidisciplinares com background e perspectivas distintas, e precisa também ser rapidamente testada e refinada. A chave da inovação está justamente na criação e potencialização de ecossistemas.”
A simbiose nasce exatamente desse movimento, em que startups trazem o olhar único para solucionar questões específicas com alta tecnologia e novos modelos de atuação e as grandes companhias suportam a inovação com estrutura, experiência, fomento e escalabilidade.
Independentemente de seu porte, as instituições financeiras devem fomentar e se envolver em ecossistemas para participar ativamente do momento disruptivo em que nos encontramos, Sergio Biagini, sócio-líder da Indústria de Serviços Financeiros da Deloitte.
Portas abertas e atenção ao cliente
Boa parte da abertura dada pela indústria bancária às fintechs veio de uma visão mais realista. O relatório “Banking Outlook 2018” já recomendava que remover o termo “ameaça” da abordagem é essencial. Segundo a análise, as chances de os maiores bancos perderem sua liderança de mercado para fintechs são mínimas, devido a, principalmente, três fatores: as barreiras regulatórias, a inércia natural desses consumidores e a falta de recursos dos entrantes para adquirir ou replicar concorrentes.
Com o olhar desviado da ameaça, restou atenção para as oportunidades. É nelas, inclusive, que está a especialidade das fintechs: a capacidade de compreender rapidamente as novas necessidades dos consumidores e de entregar algo que supere suas expectativas. São novas demandas que crescem, de forma acelerada, também no Brasil. O mobile banking, por exemplo já representa uma nova fronteira. Só em 2017, foram abertas 1,6 milhão de contas por esse canal no País, quase três vezes mais do que no ano anterior, como revelou a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018”, realizada pela Deloitte em parceria com a Federação Brasileira de Bancos.
Também em 2017, pela primeira vez, o número de contas movimentadas no mobile banking igualou-se ao montante registrado no internet banking, em 59 milhões para cada um dos canais. A preferência já começa a se inverter: entre 2012 e 2017, o volume médio de transações por conta caiu 53,7% no internet banking e cresceu 436% no mobile banking. “O mobile vem ocupando o seu lugar”, constata Gustavo Fosse, diretor setorial de Tecnologia e Automação Bancária da Febraban. “A tecnologia traz tanta conveniência que ampliou o tempo útil do cliente. Como esse consumidor sempre busca a conveniência, ele demanda melhor experiência dos bancos.” A visão de Fosse resume um cenário em que o cliente, cada vez mais, aguarda por transformações – e as possibilidades se multiplicam. É aí que a colaboração entre fintechs e bancos têm muito a acrescentar.
Diversos modelos, vários objetivos
O convívio dentro do novo ecossistema bancário pode se dar de diversas formas. Programas de fomento e parcerias são alguns exemplos. Uma frente que ganha adeptos é a dos coworkings e das incubadoras – ou uma mistura entre essas estruturas. O objetivo é construir um ambiente de inovação aberta, onde empreendedores e suas startups aproveitem estrutura e estímulos, às vezes financeiros, além de um cenário diversificado, onde circulam grandes empresas e especialistas. Assim, elas têm em mãos o que é preciso para lapidar seus negócios e inserir-se no mercado.
Ao oferecer esses programas, os bancos podem ventilar seus próprios desafios, compartilhar informações e esperar que, no cruzamento das expectativas, novas soluções surjam. Podem, ainda, como se fossem olheiros, observar novas tecnologias e processos no nascedouro – e, inclusive, apoiá-las como clientes ou com investimentos. Ao convidar outros parceiros de mercado para conviver nesses espaços e participar dos programas, além de acolher startups de diversos setores, as instituições financeiras ainda estimulam uma das principais características da disrupção: o caráter transversal e multidisciplinar.
“Ao adotar essa postura, as instituições financeiras se colocam em uma posição de vanguarda, liderando a transformação digital”, diz Biagini. No Brasil, essa tem sido a opção de empresas como o Itaú, com o centro de empreendedorismo tecnológico Cubo, a Porto Seguro, com a Oxigênio Aceleradora, e o Bradesco, com o InovaBRA, uma plataforma de inovação e empreendedorismo.
Entre as muitas frentes de atuação do InovaBRA, três se destacam. O InovaBRA Startups é um programa de apoio a empresas nascentes, com seleção periódica, que apoia empreendedores a validarem seus modelos de negócios. No final do programa, eles têm a oportunidade de comercializar seus produtos para o Bradesco e serem parceiros estratégicos. Outra frente é o InovaBra Ventures, um fundo de investimento com R$ 100 milhões que já fez aportes em três startups: Semantix, R3 e Cuponeria. Há, ainda, o InovaBRA Habitat, espaço físico onde startups, a partir de uma curadoria, podem alugar um espaço e integrar um ambiente que reúne, além de outras startups, iniciativas do próprio Bradesco e de empresas de outros setores. A Deloitte, por exemplo, instalou-se recentemente no espaço em busca de inovações que possam servir tanto à própria empresa quando a seus clientes. Em troca, oferece mentorias de seus consultores, em diversas áreas.
A lógica da simbiose transforma, também, as relações do setor. “Entendemos que as organizações, mesmo que concorrentes, podem se juntar para coinovar e criar soluções para o mesmo mercado”, diz Fernando Freitas, superintendente executivo de Pesquisa e Inovação do Bradesco, que está à frente do InovaBRA. Ele cita, por exemplo, o R3, um consórcio que reúne vários bancos e está sediado no InovaBRA Habitat. “Empresas de setores diferentes podem fazer o mesmo, considerando que são relevantes em momentos diferentes da jornada do mesmo cliente”, complementa Freitas. “Um exemplo é a LadyDriver, aplicativo de transporte que também tem escritório no Habitat e, recentemente, fechou uma parceria para oferecer descontos aos clientes do Next, nosso banco digital.”
A transformação é o ecossistema
O setor bancário brasileiro tem solidez reconhecida no mundo todo. Em 2017, os bancos destinaram R$ 19,5 bilhões para investimentos e despesas em tecnologia no País – 5% mais do que no ano anterior, de acordo com a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018”. Segundo dados da Gartner, em 2017, os bancos dividiram com o Governo o topo da lista de setores com maiores dispêndios em tecnologia no Brasil – cada um com 15% do total. Na média global, o Governo liderou a lista, com 16%, com os bancos em seguida, com 13%. Tecnologias como inteligência artificial, computação cognitiva, analytics, blockchain e internet das coisas já estão muito presentes no radar das instituições financeiras.
Com tamanho poder de fogo, uma pergunta justa a se fazer é: por que os bancos optam por fomentar o ecossistema de inovação em vez de se lançarem em uma jornada de aquisições? “A aquisição de uma fintech, por exemplo, não garante que a inovação trazida por ela terá todo seu potencial explorado”, diz Biagini, da Deloitte. “Pelo contrário, há o risco de que a estrutura da empresa compradora –maior, mais complexa e mais lenta – anule a cultura de inovação e a própria inovação em si.”
Um retrato do setor bancário brasileiro
Como anda o mercado em relação à tecnologia: investimentos, demandas e transformações
Os bancos destinaram R$ 19,5 bilhões a investimentos e despesas em tecnologia no Brasil em 2017 – 5% mais do que em 2016. Os números da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018 apontaram aumentos importantes na fatia específica a investimentos (13% em 2017, para R$ 6 bilhões) e nos gastos com softwares (17%, para R$ 9,8 bilhões). São tendências que se correlacionam, num esforço para sustentar o desenvolvimento de soluções e serviços e levar experiências melhores e mais qualidade aos consumidores.
As operações antes feitas nos canais físicos já começam a migrar para o ambiente digital: o volume de transações com movimentação financeira feitas por mobile banking cresceu 70% em 2017, para 1,7 bilhão de operações.
Mesmo em atividades mais complexas, a tendência de preferência pelo mobile já desponta: no mesmo período, por esse canal, a contratação de crédito cresceu 141%, as operações de investimentos ou aplicações, 42%, e o número de solicitação de cartões de crédito, 53%.
Para seguir pavimentando esse caminho, os bancos já estão bastante atentos às novas tecnologias. Analytics, computação cognitiva e inteligência artificial já fazem parte dos investimentos de 80% deles. De olho na evolução do mercado financeiro, 75% investem em blockchain, enquanto a Internet das Coisas (IoT) chama a atenção de 45%. O NFC, tecnologia de pagamentos via mobile, está na agenda de 55% das instituições.