Inovação a serviço do cliente
Com soluções ágeis e customizadas, as fintechs avançam no mercado brasileiro. As startups financeiras têm o potencial de impactar diversos segmentos da economia, de forma independente ou ao lado de bancos tradicionais.
Janeiro-Março | 2018Os progressos da transformação digital dos últimos anos permitiram que as fintechs deixassem de ser prestadoras de serviços de nicho para se tornarem competidoras relevantes, para além do mercado financeiro. Como exemplo, a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintech) foi criada há dois anos, com 50 empresas. No final de 2017, o número de associados chegou a 320. Esse crescimento de 640% é um dos indicadores do dinamismo nacional das fintechs.
Um estudo recente publicado pela Deloitte, “Beyond Fintech: A pragmatic assessment of disruptive potential in financial services”, traça um panorama das perspectivas e dos relacionamentos das fintechs com as estruturas clássicas do setor financeiro. O levantamento mostra que o investimento global nas startups seguiu em ascensão em 2017 e que as áreas de atuação das novas empresas se multiplicaram. Antes concentradas em serviços bancários intermediados por tecnologias digitais, as fintechs trabalham agora com operações de seguros, financiamento e desenvolvimento imobiliário. O relatório evidencia também as possibilidades crescentes de sinergia entre as instituições já estabelecidas e os novos competidores, em um cenário sujeito a rápidas evoluções.
As fintechs trouxeram uma nova dinâmica ao setor financeiro, com base na inovação e na transformação digital dos negócios., Sergio Biagini, sócio da área de Consultoria da Deloitte e especialista na indústria de Serviços Financeiros .
“As startups financeiras possuem uma cultura diferente dos incumbentes; são leves, mais ágeis e fortemente focadas na entrega de valor ao negócio e ao cliente final. Elas continuam a prosperar e aproveitam nichos de mercado, ou lacunas na jornada do cliente, em que a experiência é insatisfatória”, explica Biagini. Exemplos não faltam.
Criado em 2014, o GuiaBolso oferece ferramentas de controle financeiro e uma plataforma pioneira de crédito integralmente online, acessíveis via aplicativos para dispositivos móveis. Em três anos, a empresa obteve três milhões de usuários ao apostar na transparência no relacionamento e nas funcionalidades disponibilizadas à clientela. “O consumidor paga taxas de juros elevadas e, de maneira geral, não recebe serviços com uma qualidade equivalente. As fintechs detectam as dificuldades do mercado e trazem mais eficiência para certos segmentos”, afirma Thiago Alvarez, CEO do GuiaBolso.
A trajetória da Vérios é semelhante. Apresentada por seu CEO, Felipe Sotto-Maior, como “uma gestora de investimentos verdadeiramente independente”, a empresa opera como intermediária entre pessoas físicas e corretoras de investimentos, com tarifas mais baixas do que as praticadas por empresas tradicionais. “Controlamos todas as aplicações dos clientes de forma a minimizar riscos e livrar as pessoas do trabalho associado à gestão de investimentos. A única tarefa do cliente é poupar o dinheiro e aplicar na conta, nós fazemos todo o resto”, narra Sotto-Maior. Com isso, em pouco mais de um ano e meio de operação, a Vérios saltou de uma carteira de R$ 16 milhões para um total de R$ 170 milhões em investimentos geridos no final de 2017.
Sergio Biagini analisa a evolução do mercado nos últimos anos: “Cerca de três anos atrás havia uma expectativa de que determinados serviços financeiros fossem dominados ou totalmente desintermediados pelas fintechs, mas, na prática, caminhamos para um cenário de colaboração. Boa parte das instituições financeiras encararam a potencial ameaça das startups como uma oportunidade de transformação. Essas empresas trouxeram as fintechs para perto a fim de desenvolver a inovação dos seus modelos de negócio em conjunto e mudar suas culturas.”
Instituições como o Banco do Brasil estão atentas à nova realidade. O banco estatal acelerou a aproximação com startups no ano passado, o que incluiu uma parceria formal com a ContaAzul, plataforma online para gerenciamento fiscal e financeiro. Em 2018, a estratégia passa pelo Open Banking, programa focado em criar novos modelos de negócios e serviços unindo o banco a empresas externas, com ênfase em recursos digitais para os clientes do BB. “Existe a necessidade de oferecer ao cliente uma experiência digital integrada aos demais momentos de sua vida, de modo seguro. Temos realizado encontros periódicos entre startups e diversas diretorias do banco, para verificar possíveis parcerias”, conta Marco Mastroeni, diretor de Negócios Digitais do BB.
Por meio do fundo Innoventures, sediado no Reino Unido, o Santander é um dos bancos que mais investem globalmente em fintechs. “São projetos nas áreas de gestão de patrimônio, empréstimos, pagamentos, tecnologia regulatória, software e blockchain”, detalha Alexandre Zancani, diretor da plataforma multicanal do Santander no Brasil.
De acordo com o executivo, a estratégia é gerar negócios para as startups de forma colaborativa, o que inclui iniciativas de inovação aberta – que incorporam novidades pensadas fora do banco aos processos do Santander, via diretoria de negócios digitais. “Participamos de eventos e feiras com as startups, analisamos o seu negócio e verificamos em que área do banco poderia se relacionar. Além disso, temos reuniões semanais de trabalho em projetos com essas empresas”, afirma Zancani.
“As fintechs devem ser entendidas como ferramentas modernas, que podem ou não substituir players tradicionais. Mas, na maioria dos casos, elas devem conviver no mesmo ecossistema”, diz Gustavo Muller, CEO da Monkey Exchange. Sua startup oferece alternativas de capitalização para outras empresas por meio de desconto de recebíveis, junto a uma ampla gama de investidores. Com uma estrutura menor, fundamentada em serviços digitais, a Monkey consegue oferecer custos mais competitivos a seus clientes. Muller acredita que o impacto das fintechs não se restringirá ao setor bancário: “Vivenciamos uma nova revolução industrial, cujo elemento central são as inovações tecnológicas, que contribuem para um amplo ciclo de crescimento sustentável e positivo.”
Avanço em novos mercados passa por questões regulatórias
Na opinião de Rodrigo Mendes, sócio da Deloitte na área de Risk Advisory e que atua sob o pilar de Riscos Estratégicos e de Reputação, o potencial de impacto das fintechs já é sentido em segmentos distintos, além do mercado financeiro. “Existem seguradoras que já trabalham com uma abordagem centrada no cliente, que é típica de startups financeiras, com diversos serviços complementares à apólice de seguros em canais digitais. Os bancos também têm investido em serviços de e-commerce, como o Shopfácil e WebMotors, para oferecer serviços adicionais ao consumidor”, aponta Mendes.
De acordo com o sócio da Deloitte, o brasileiro é naturalmente predisposto a testar soluções diferentes, mas, tratando-se de um mercado com regulações tão complexas como as do sistema financeiro nacional, a introdução de novos produtos não é tão simples. “Os órgãos reguladores podem agir como aceleradores da inovação, como observado com a introdução de uma nova regulamentação que incentiva o Openbank na Europa e com a desmonetização promovida pelas autoridades na Índia. Por outro lado, os Estados Unidos ainda não adotaram um sistema para liquidar transferências de recursos on-line”, explica Mendes.
O Banco Central do Brasil divulgou recentemente uma regulamentação sobre arranjos de pagamento que circulam fora da rede bancária (cartões pré-pagos, tickets-alimentação e refeição etc). “A quantidade de serviços financeiros oferecidos por meios digitais no Brasil é referência mundial e o BC tem se preocupado em incentivar essas mudanças, ao mesmo tempo em que preserva a estabilidade do sistema. Entre inúmeros exemplos, podemos citar a última mudança ocorrida na regulamentação sobre abertura de contas correntes, que dispensou a presença física do cliente na agência – o que antes não era permitido”, conta Mendes.