Gestão pública na era digital
Assim como na iniciativa privada, a modernização tecnológica e a automação de processos podem gerar impactos positivos no serviço público e elevar o patamar de eficiência, controle e transparência na administração estatal
Julho-Setembro | 2017A transformação digital já é uma realidade na gestão de negócios privados: o uso de tecnologias inovadoras vem proporcionando redução de custos, aumento de produtividade, abertura de novos mercados e elevação da eficiência em inúmeros setores. A administração pública, entretanto, ainda tem um longo caminho a percorrer nessa seara.
No Brasil, o tema enfrenta desafios peculiares à realidade nacional. Faltam eficiência e transparência em nossa gestão pública – carências que poderiam ser supridas com a ajuda da tecnologia. Recursos de TI podem e devem ser usados na governança dos três níveis da administração estatal, com a simplificação de processos, uma melhor prestação de contas e um atendimento mais assertivo à população. As barreiras são várias (financeiras, culturais e tecnológicas), mas existem alguns progressos a comemorar.
“Ainda há muito a ser explorado pelo setor público em relação às iniciativas inovadoras de gestão oferecidas pelo setor privado”, aponta Edson Lopes Cedraz, sócio da área de Risk Advisory da Deloitte, baseado no escritório do Recife.
O poder público tem evoluído nos seus instrumentos de gestão e na melhoria da oferta de serviços à sociedade, mas ainda não se aproveita de modo eficaz das soluções digitais disponíveis. Demandas regulamentares por maior governança corporativa nas empresas estatais e iniciativas de controle social têm fomentado avanços na modernização de certos processos, mas ainda estamos alguns passos atrás de outros países., Edson Lopes Cedraz, sócio da área de Risk Advisory da Deloitte.
Desburocratização do atendimento ao cidadão, infraestrutura de smart cities, oferta de serviços digitais e plataformas de comunicação, como portais de transparência e prestação de contas, são citados por Cedraz como oportunidades a serem exploradas. “O relacionamento dos governos com a sociedade anda a passos lentos, mas não está parado”, acredita o sócio da Deloitte. “O que precisamos é disseminar as boas práticas de gestão já existentes, que incorporam tecnologias em vários níveis.”
Em escala global, estimativas recentes apontam que a ampliação do uso de tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA) e big data analytics, poderiam gerar uma economia de até US$41,1 bilhões por ano para as máquinas administrativas nacionais – com uma redução de até 1,2 bilhão de horas de trabalho. Os dados constam no estudo “How Artificial Intelligence Could Transform Government”, publicado pela Deloitte em abril de 2017 (veja abaixo o vídeo sobre o estudo).
“Aplicações com base em IA podem reduzir backlogs, cortar custos, ajudar a superar carências de recursos, poupar funcionários da execução de tarefas rotineiras e injetar inteligência em diversos processos e sistemas, além de se encarregar de muitas outras funções das quais os humanos não conseguem dar conta com facilidade – como pesquisar milhões de documentos em busca de conteúdo relevante, em tempo real”, preconiza o estudo.
Cláudio Gastal é presidente-executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), uma organização não governamental dedicada a estimular diálogos e parcerias entre os setores público e privado e o terceiro setor. Ele cita exemplos de boa governança digital em países em desenvolvimento. “No Chile, já existe o registro único do cidadão, que emprega cartões de identificação com chips, como os dos passaportes. O Uruguai concentra diversas iniciativas sob a Agência para o Desenvolvimento de Governo Eletrônico e da Sociedade da Informação e do Conhecimento do Uruguai (Agesic). E a Índia desenvolve há algum tempo o Digital Índia, estratégia estruturada para aumentar a presença digital do governo.”
No Brasil, um passo importante foi dado com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em março de 2017, com o lançamento da Plataforma de Análise de Dados do Governo Federal (GovData). É um ambiente virtual no qual estão unificadas 20 amplas bases de dados sobre a população, incluindo o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape), o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e o Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam).
Ministérios e órgãos públicos podem consultar as informações e usá-las em ações de planejamento, monitoramento de eficácia de iniciativas, controle de despesas, acompanhamento de arrecadação fiscal e inúmeras outras possibilidades. “É uma ferramenta com base em big data que vai ajudar o governo a melhorar sua gestão, atender melhor ao cidadão e otimizar custos de processos”, diz Glória Guimarães, diretora-presidente do Serpro. “Reunida em um único ambiente, essa massa de dados pode circular melhor entre as diversas instâncias de governo, com mais transparência e facilidade de acesso.”
O GovData é uma das iniciativas incluídas na Estratégia de Governança Digital da Administração Pública Brasileira (EGD), lançada em 2016. Elaborado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o documento define eixos estratégicos e projetos específicos para ampliar a presença digital na gestão pública federal. “Um dos grandes desafios é entregar mais serviços públicos para a sociedade com menos recursos e de forma mais sustentável”, afirma o secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Ministério, Marcelo Pagotti. “Nossa proposta é enxergar o cidadão de uma maneira única dentro da administração pública, fazendo a limpeza, por exemplo, dos diversos cadastros existentes nos órgãos federais.”
Em âmbito municipal, iniciativas como o Programa Mais Gestão, criado pelo MBC, buscam disseminar boas práticas e apoiar prefeituras na implantação de projetos de gestão. No campo da transformação digital, um destaque recente foi a adoção da Nota Fiscal Eletrônica (NFS-e) pela Prefeitura de Niterói (RJ). Ainda que o uso da NFS-e seja obrigatório na gestão pública desde 2012, a cidade fluminense é considerada pelo Programa Mais Gestão um caso de sucesso na adesão ao sistema; em quatro anos de implantação da NFS-e, a arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS) do município subiu de R$ 175 milhões para R$272 milhões.
“A utilização de softwares está transformando o modo como a administração pública se relaciona com o cidadão, principalmente nos municípios”, diz Cesar Barbiero, secretário de Fazenda da Prefeitura de Niterói entre 2013 e 2017. “Qualquer pessoa pode receber por e-mail o documento fiscal, acessar o sistema para verificar a autenticidade de uma nota fiscal e ainda consultar a lista de prestadores que emitem NFS-e”, complementa o gestor.
“Queremos que o Programa Mais Gestão se transforme em uma espécie de ‘loja virtual de aplicativos’ para soluções em gestão pública”, anuncia Cláudio Gastal, do MBC, que pretende manter o foco em pequenos e médios municípios. “Reunimos as metodologias e seus respectivos processos de implantação, que, com o uso da tecnologia, podem ser feitos de forma quase totalmente automatizada.”
Na visão de Cláudio Gastal, esse formato pode representar a próxima onda de digitalização da administração pública brasileira. “Em um primeiro momento, tivemos produtos como o Via Fácil (cobrança automatizada de pedágios automotivos) e outros serviços, mas o cidadão ainda precisava ir ao encontro do serviço oferecido. A tendência agora é reduzir essa distância por meio das plataformas digitais. O futuro está nos smartphones”, prevê.
Gestão contábil – modelo em Santa Catarina
Em 2003, Santa Catarina iniciou a digitalização de seus processos de gestão financeira. Recentemente, os sistemas integrados de contabilidade, orçamento e prestação de contas do Estado foram avaliados pelo Banco Mundial como de “terceira geração” – ou seja, em linha com os mais avançados recursos usados internacionalmente. “O foco sempre foi melhorar a qualidade e a acessibilidade das informações, tanto para os gestores quanto para a população”, narra Graziela Meinchem, diretora de Contabilidade-Geral do Estado.
Os dados da secretaria da Fazenda alimentam o Portal de Transparência de Santa Catarina, no qual se podem conferir despesas, arrecadação, provisionamentos e outras movimentações. “O cidadão é o investidor do setor público”, acredita Graziela. “A tecnologia ajuda a esclarecer para a população quanto custa cada serviço prestado e a eficiência dos investimentos. Além disso, permite aos gestores tomar decisões mais assertivas, em um processo mais próximo ao da iniciativa privada.”
Contabilidade pública padronizada
Assim como ocorreu com a iniciativa privada, com o padrão contábil internacional normatizado pela International Financial Reporting Standards (IFRSs), o setor público também tem uma oportunidade de avançar na padronização e na transparência de seus dados contábeis. Trata-se das normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público (International Public Sector Accounting Standards – IPSAS).
No Brasil, a implementação das IPSAS está sendo efetuada em todas as esferas – federal, estadual e municipal – simultaneamente, tendo seu prazo para a convergência até 2024. De acordo com Francisco Sant’Anna, sócio da área de Auditoria da Deloitte, a adoção dessas normas possibilitará avaliações equânimes, apoiará a tomada de decisão da administração pública e ampliará a confiança mútua nos dados contábeis. “Em tempos de desconfianças e incertezas como o atual, esse tipo de iniciativa é uma ferramenta vital de apoio ao cumprimento da lei de responsabilidade fiscal”, destaca.
Com as normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público, a sociedade vai poder analisar os resultados e compará-los com outros da mesma esfera, possuindo instrumentos para cobrar a execução orçamentária e o compliance com a legislação vigente., Francisco Sant’Anna, sócio da área de Auditoria da Deloitte.
Em um momento em que as instituições públicas se veem com o desafio de resgatar a sua credibilidade perante a sociedade, a tecnologia e a transparência são os grandes direcionadores para que os governos possam, de fato, fazer a diferença na vida dos cidadãos.
Governos mais inteligentesDo que os trabalhadores precisam mais? Tempo. E é exatamente isso que a inteligência artificial promete oferecer. A pesquisa da Deloitte retratada no vídeo a seguir explica como as tecnologias cognitivas podem ajudar os órgãos estatais a liberar bilhões de horas de trabalho por ano para que os funcionários possam focar nas necessidades verdadeiras.
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