Estratégias para o combate à lavagem de dinheiro
Para organizações financeiras e não financeiras, a resposta está em soluções que permitam uma gestão dos riscos eficiente e eficaz, sem a exclusão de oportunidades de negócio.
Fevereiro | 2023Viver em um mundo cada vez mais digitalizado, em que transações bancárias são realizadas em ambientes digitais, requer que todos, pessoas físicas e jurídicas, tomem cuidados cada vez maiores e aprimorem seus processos de forma mais veloz considerando modelos preditivos e detectivos.
Para se ter uma ideia de quão digitalizados estão os hábitos dos clientes, a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2022”, conduzida pela Deloitte, revela que, de um total de 119,5 bilhões de transações, sete em cada dez operações bancárias feitas no Brasil, em 2021, foram realizadas pela internet e pelo celular. O resultado foi impulsionado pelo crescimento de 28% nas operações com smartphones, que totalizam 67,1 bilhões e representam 56% do total. As transações por internet banking aumentaram 6%.
Estes indicadores refletem o mundo dinâmico, instantâneo e transfronteiriço da atualidade, cujos desafios para as linhas de defesas do sistema financeiro se tornam cada vez mais complexos e velozes. Dentro desse cenário mundial, surgiu um fenômeno chamado “de-risk”, definido pela Autoridade Financeira Europeia como práticas injustificadas de redução de risco, a saber: a exclusão de determinados setores da economia do apetite de risco do setor financeiro.
Estas práticas estão na contramão de um mundo inclusivo e globalizado, produzem uma cultura prejudicial de compliance que, ao invés de aprofundar, entender e avaliar o risco e construir formas de abordagem para real mitigação, as empresas se recusam ou encerram o relacionamento com estes setores da economia de alto risco.
O “de-risk” de fato reduz a zero o risco da instituição, mas, por outro lado, impede a sociedade de avançar e progredir por não tratar, aprofundar e estudar casos disruptivos e não tradicionais, excluindo setores da economia como jogos eletrônicos e criptoativos. O reflexo do “de-risk” mostra nos resultados publicados no último “Report on the State of Effectiveness and Compliance with the FATF Standards”, da Financial Action Task Force (FATF), sobre os esforços globais para combater a lavagem de dinheiro, o terrorismo e o financiamento da proliferação de armas de destruição em massa.
Surpreendentemente, 76% dos países já têm regras de combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Em 2012, apenas 36% dos países estavam em conformidade técnica com relação a essas regras. Das nações que compõem o Grupo de Ação Financeira (GAFI), 80% alcançam eficácia substancial ou alta para uma boa compreensão e respostas aos riscos atuais sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Por outro lado, diversos países ainda têm grandes desafios para implementar essas práticas por diversos motivos, como dificuldades em analisar, investigar e processar casos transfronteiriços de alto perfil e impedir que empresas de fachada anônimas e fundos fiduciários sejam usados para fins ilícitos.
A dificuldade do setor público em implementar políticas efetivas com base em risco para o combate à lavagem de dinheiro ecoa no setor privado. Das organizações dos 120 países avaliados pelo GAFI, praticamente todos (97%) têm índices de eficácia de baixos a moderados na prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo. Aqui, cabe fazer uma diferenciação entre os desafios do setor financeiro e das empresas fora do setor financeiro.
Nesse sentido, empresas de fora do setor financeiro têm um fraquíssimo desempenho no que diz respeito à conscientização de risco e aplicação de medidas preventivas. Em geral, as organizações do setor privado obrigado, como como o imobiliário, joalheiro, esportivo, de artigos de luxo e fomento mercantil precisam urgentemente de uma mudança de cultura, que deve ser baseada em risco para conduzir a devida diligência do cliente, manutenção dos registros e arquivos de relatórios de transações suspeitas.
A preocupação global com estes setores privados não financeiro está pautada em recente publicação do GAFI (agosto de 2022) denominada Guia para Abordagem Baseada em Risco para o Setor Imobiliário, bem como na publicação, também em agosto de 2022, da Resolução Coaf nº 41 e implementou novas regras de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) para organizações que realizam operações financeiras de fomento mercantil (factoring).
Estes setores precisariam implementar práticas mais aprofundadas e detalhadas sobre governança voltada à prevenção à lavagem de dinheiro, tais como políticas e procedimentos, contar com profissionais especializados, treinamento para funcionários, além de contratar avaliações periódicas independentes de controle, assim como aplicar regras de due diligence do cliente, o que exigiria verificações em potenciais clientes antes que eles pudessem realizar transações comerciais.
Por outro lado, empresas do setor financeiro, que há tempos possuem práticas detalhadas sobre governança voltada à prevenção à lavagem de dinheiro no que tange produtos financeiros tradicionais, passaram a recusar, como princípio, entrar em relacionamento comercial com potenciais clientes ou a terminar relacionamento com clientes sob argumento que estes potenciais ou existentes clientes pertencem a categoria de pessoas (físicas ou jurídicas), com as quais a instituição alega existir excessivo risco de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo, entre outros fatores, em vistas ao apetite de risco implantado no sistema de abordagem baseada no risco. Em outras palavras, o fenômeno do “de-risk” mencionando no início deste artigo.
Enquanto decisões de não entrar ou terminar relacionamento comercial, ou de não realizar uma transação, sejam uma discricionariedade regulatória das empresas que atuam no setor financeiro, a redução do risco de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (LD/FT) pela exclusão uma inteira categoria de clientes, sem a devida realização de perfil de risco individualizado, mas por uma generalização do risco a toda a categoria de forma injustificada, é sinal de uma ineficiente gestão do risco de LD/FT.
Em ambos os cenários, quais sejam: das empresas não financeiras como das empresas financeiras, a resposta está em investimento para fortalecer os seus processos de governança e em tecnologias para combate à LD/FT que permitem uma eficiente e adequada gestão dos riscos sem a exclusão de oportunidades de negócio.
É sabido que bilhões de reais são investidos anualmente por empresas de diversos setores na aderência às regulamentações relacionadas a prevenção de crimes como corrupção, fraude no mercado de valores mobiliários, tráfico de drogas e de seres humanos e peculato. Há mais de dois anos e meio, a pandemia da Covid-19 trouxe novos desafios na prevenção aos crimes financeiros, além dos já existentes. Nesse período, empresas que usam pagamentos eletrônicos têm precisado estar cada vez mais atentas à mudança do comportamento criminoso, gerada pela mudança de comportamento dos consumidores. Com isso, o ambiente de negócios foi transformado e tem se adaptado rapidamente ao novo cenário para identificar atividades suspeitas por conta de novas tecnologias que permitem a adequada e eficiente gestão de risco de LD/FT.
Uma das soluções mais assertivas é a adoção de ferramentas que permitam a automação de análises para monitoramento contínuo de transações, riscos e processos críticos, por meio da coleta de informações do banco de dados das empresas.
O uso de machine learning e inteligência artificial nas linhas de defesa das organizações geram mais segurança e também o aculturamento contínuo, uma vez que os controles manuais e tradicionais são mais demorados, custosos e suscetíveis a falhas do que a automação. Para a blindagem contra fraudes e implementação dessas soluções, é necessária a conscientização de todo o ecossistema – organizações, profissionais e usuários. A utilização de tecnologia atrelada a processos e transações de negócio, destacando modelos preditivos e analytics, se torna um importante mecanismo de defesa tecnológica e segurança da informação, principalmente levando em consideração as atividades de monitoramento contínuo e o aumentando a eficácia e eficiência das práticas de gestão do risco de LD/FT ao mesmo tempo que inibi o fenômeno do “de-risk”.
Nesta esteira, a prática global da Deloitte de Prevenção a Crimes Financeiros em conjunto com o Instituto de Finanças Internacionais (Institute of International Finance) publicou um estudo acerca da estrutura global para combate a crimes financeiros, no qual, com vistas a aprimorar a eficiência e melhorar resultados, compartilha insights acerca de melhorias sistêmicas globais para a gestão de sete riscos de crimes financeiros; acerca de parcerias público-privada, de melhorias na troca de informações no âmbito nacional e internacional, da melhoria na qualidade e uso de dados. de reformas ao sistema de comunicações de situações suspeitas às unidades de inteligência financeira, de como mitigar a implementação inconsistente e incoerente de padrões e orientações de compliance e, por fim, do aumento e melhoria no uso de tecnologia para o combate a crimes financeiros.