Escalada para crescer e aparecer
As chamadas scaleups se disseminam no Brasil e já atingem o mercado global. A chave para seu veloz crescimento está na capacidade de injetar inovação em mercados tradicionais, trabalhando em colaboração com um ecossistema de potenciais parceiros.
Setembro-Novembro | 2018Toda startup nasce com prazo de validade. Se a empresa não consegue consolidar seu conceito de criação de valor ou atrair investidores, está fadada a desaparecer. Por outro lado, quando tudo vai bem – clientes interessados, receita aumentando, estrutura crescendo –, chega o momento de mudar de status. Uma startup que transformou sua proposta de inovação em um produto viável, começou a formar um quadro robusto de pessoal e manteve uma taxa de crescimento econômico-financeiro acelerada não é mais uma startup. Passou a ser uma scaleup, termo que define organizações cujo modelo de negócios já amadureceu e está pronto para ganhar escala e expandir seus mercados-alvo.
As scaleups representam hoje, em todo o mundo, um dos principais direcionadores de desenvolvimento econômico e criação de empregos. Beneficiadas por um ambiente de convergência global proporcionado pela transformação digital, essas empresas não enxergam barreiras geográficas na busca de novos clientes. E existe um número crescente de representantes brasileiros nessa arena, cada vez mais competitiva.
São empresas com menos amarras, mais abertas ao trabalho em rede e à colaboração. Quando essa capacidade de inovação se combina à solidez das grandes empresas, nascem coisas interessantes., Jefferson Denti, sócio da área de Consultoria Empresarial da Deloitte e especialista em transformação digital.
“Se a startup tem dois ou três anos de atuação no mercado, emplacou projetos em mais de um cliente de grande porte e conta com uma gestão mais estruturada – com executivos e áreas jurídica e financeira –, ela já fez a transição para scaleup”, resume Jefferson Denti, sócio da área de Consultoria Empresarial da Deloitte. Segundo Denti, tratam-se de empresas com faturamento relativamente expressivo, advindo de uma carteira consolidada de clientes. “São empresas com uma certa experiência, que se organizaram bem e cuja competência está provada. As scaleups crescem rapidamente porque têm uma capacidade de inovação muito mais veloz do que a das grandes organizações.”
Geração de empregos no setor de serviços
Othon Almeida, sócio da Deloitte que lidera funções como a de Novos Negócios e Inovação, traça um perfil das scaleups que vêm se destacando na economia brasileira: “São empresas que, em geral, se apoiam de forma intensiva em tecnologia digital e se destacam especialmente nos setores de serviços, como comércio varejista, finanças, gestão, logística, marketing e saúde”. Segundo Othon, o momento definidor da transição de startup para scaleup é quando a empresa consegue reunir infraestrutura e capacidade de investimento para dar escala à sua proposta de valor. “A empresa tem uma grande ideia, mas esbarra em limitações de orçamento e de estrutura. Em geral, essa limitação é superada com a entrada de um investidor externo, que permite à startup chegar a um grau mais elevado de maturidade.”
Apesar de ainda não terem atingido um estágio de maturação plena, as scaleups são empresas capazes de faturar dezenas de milhões por ano., Othon Almeida, sócio da Deloitte que lidera áreas como a de Novos Negócios e Inovação.
De acordo com o estudo “Estatísticas do Empreendedorismo”, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), empresas com esse perfil representam menos de 1% do total no Brasil, mas responderam por 68% dos empregos gerados no País entre 2013 e 2015 (período analisado no estudo). “Essas empresas não ficaram imunes à crise econômica dos últimos anos, mas, no período mais agudo de desaceleração, foram importantes para evitar que a situação ficasse ainda pior”, aponta Guilherme Fowler, professor do Insper e coordenador de uma cátedra dedicada a estudar scaleups. As oportunidades para esses empreendedores estão, de acordo com Fowler, espalhadas em todos os segmentos da economia. “O crescimento acelerado resulta da combinação da escalabilidade do modelo de negócios e das condições do mercado. O desafio é a capacidade do empreendedor de adaptar a empresa a esse momento de alto crescimento”, diz o professor.
Escalabilidade sem fronteiras
O potencial de expansão global do negócio, multiplicado pelo uso de tecnologias digitais, é uma das marcas definidoras das scaleups. O exemplo clássico citado em estudos acadêmicos é a Uber. A empresa de transporte urbano se destacou mundialmente por sua capacidade de dar escala a seu modelo de negócios, aumentando sua receita a um ritmo muito mais rápido do que seus custos. Em atividade desde 2009, a empresa atua hoje em dezenas de países e já ultrapassou os US$ 50 bilhões em valor de mercado. Essa capacidade de atuação internacional é crucial, conforme demonstrado pelo estudo “Global Perspectives for Private Companies”, publicado pela Deloitte Insights em dezembro de 2017. O relatório compila pesquisas feitas com cerca de 1.900 executivos de empresas de médio porte e atuação global. Dessas organizações, 79% contam com receitas relevantes advindas de mercados internacionais, e 27% preveem que o percentual de negócios realizados em outros países deve aumentar em 2018.
É o caso da Round Pegs, fundada em São Paulo em 2016 e que hoje mantém presença em outros nove países. A inovação oferecida pela empresa a seus clientes se resume no conceito de “empreendedorismo como serviço”: na prática, uma plataforma que ajuda empresas grandes a construírem startups internas para testar novas ideias e incentivar o espírito inovador entre os colaboradores. A metodologia inclui monitoramento de indicadores-chave de desempenho, teste de modelos de negócio e estudo de mercados potenciais para as inovações em questão. “É um serviço online, acessível em qualquer lugar do mundo, que pode ser empregado por pessoas físicas, empresas de todos os portes ou mesmo indivíduos dentro das empresas”, afirma Pedro Donati, fundador e CEO da Round Pegs.
Depois de conquistar no Brasil clientes como o banco Itaú e os laboratórios Dasa, a Round Pegs pretende expandir seu alcance na Europa. O salto deixou de ser um plano e virou realidade quando a empresa venceu, em 2017, o LatAm Edge Awards, premiação criada em 2016 para identificar e fomentar startups latino-americanas com potencial para se tornarem scaleups. A iniciativa, que conta com o patrocínio da Deloitte, oferece à empresa vencedora uma série de serviços e consultorias para inseri-la no mercado europeu – incluindo infraestrutura, apoio jurídico, contabilidade e prospecção de clientes e investidores.
“Existe uma carência de apoio, tanto por parte do governo brasileiro quanto do setor privado, para que empresas como a Round Pegs possam se expandir internacionalmente”, explica Sandra Sinicco, CEO do GrupoCASA, agência que organiza o LatAm Edge Awards. “Trabalhamos para fazer uma ponte entre as scaleups latino-americanas e potenciais clientes no Reino Unido e no resto da Europa. A expansão é feita de forma mais organizada e as chances de sucesso são maiores. É um aprendizado que fica com a empresa e também impacta positivamente o ecossistema no Brasil.”
Crescendo junto com as maiores
Por aqui, empresas de médio porte vêm conseguindo dar escala a seus negócios ao comprovar, na prática, a viabilidade de suas inovações. Fundada em 2011, a Saad é uma consultoria de branding com escritórios em São Paulo e Curitiba, cujos serviços incluem pesquisa, estratégia, experiência de marca e alinhamento de cultura interna.
Ao realizar projetos junto a empresas de maior porte, como a Sementes Ipiranga (agronegócio) e a Vuelo Pharma (soluções médicas), a consultoria não apenas conquistou prêmios e reconhecimentos no mercado de design, como também contribuiu para alavancar a expansão dos clientes em seus respectivos segmentos. E vem crescendo com eles. “Tivemos uma média anual de 27,5% de crescimento nos últimos quatro anos”, comemora Lucas Saad, fundador da empresa. “Nossos projetos se caracterizam pelo trabalho em convergência, reforçados pela criação em conjunto. São modelos ‘tailor-made’ de negócios, pensados em proximidade com as necessidades dos clientes”, completa Saad.
Nascida da união de duas startups incentivadas pela Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de Itajubá (MG), a DDMX ascendeu ao nível de scaleup ao desenvolver projetos de logística para gigantes como a Petrobras, a Gerdau e a Usiminas. “Nossas soluções são disponibilizadas em nuvem e são acessíveis por qualquer plataforma. São informações em tempo real, usadas para aumentar a produtividade das frotas, reduzir a ociosidade dos veículos e automatizar processos que antes eram feitos de forma manual”, explica Rafael Peres Pagan, diretor executivo da DDMX. Na opinião de Pagan, a associação com grandes nomes – competidores que dominam seus mercados – foi fundamental para o rápido crescimento de sua empresa. “Essas oportunidades trouxeram maturidade para a DDMX. É muito gratificante ser reconhecido por marcas importantes no cenário nacional.”
Seis passos para chegar ao topo
Com base na observação do ecossistema das scaleups no Reino Unido, o estudo “Scaleup UK: Growing Business, Growing our Economy”, publicado pelas universidades de Cambridge e Oxford, busca entender o impacto dessas empresas na economia e os desafios enfrentados na busca pela escalabilidade de seus negócios. Seis características são apontadas na publicação como cruciais nessa jornada:
• Vontade de crescer: parece algo óbvio, mas um grande número de empreendedores fracassa exatamente porque estipula metas modestas de crescimento. É preciso ter ambição;
• Foco no cliente: empresas menores conseguem um engajamento mais próximo com seus clientes e podem usar esse relacionamento para aprimorar sua proposta de valor;
• Experiência prévia: se as lideranças da empresa acumulam experiência profissional em outras empresas que atuam no segmento-alvo, as chances de sucesso aumentam;
• Alianças e parcerias: fundamental para suprir carências típicas de empresas iniciantes, como a falta de recursos financeiros ou de pessoal;
• Delegação e formalização: mesmo em uma estrutura enxuta, é necessário definir papéis e responsabilidades, evitando a centralização na tomada de decisões;
• Inovação: é fundamental para trazer retorno rápido e crescimento econômico, especialmente no campo da tecnologia.