Padronização dos métodos de avaliação diminui ruídos e aumenta a confiabilidade do mercado
Marcelo Barbosa, advogado, ex-Presidente da CVM e membro do conselho curador do Internacional Valuation Standards Council, comenta os principais benefícios da implementação de padrões para avaliação de bens e negócios e destaca o papel dos órgãos reguladores nesse processo.
Outubro | 2024Com a adesão às normas do International Financial Reporting Standards (IFRS) para divulgação das informações financeiras, em 2010, as empresas que atuam no País tiveram ganhos significativos como mais transparência e menos burocracia, facilidade no acesso ao crédito e aumento da competitividade perante o mercado internacional.
O mesmo paralelo pode ser traçado quando se fala na aplicação de metodologias de avaliação para determinar o valor de um bem ou negócio. Segundo Marcelo Barbosa, advogado, ex-Presidente da CVM e membro do conselho curador do Internacional Valuation Standards Council, conforme aumenta a padronização, maior é o entendimento do valor e confiabilidade nas negociações. O Brasil, no entanto, ainda tem um caminho a percorrer para garantir que esses padrões sejam reconhecidos e adaptados ao contexto nacional. Confira na entrevista abaixo.
MC: Qual é a importância da adoção de padrões de avaliações econômico-financeiras para empresas que estão em processos de M&A e/ou subscrições de ações?
A avaliação é um processo que tem como propósito determinar o valor de um bem ou negócio. Então é importante que, do ponto de vista técnico, seja bem-feita para que seja crível. Apesar de ser um processo técnico, as metodologias variam de uma organização para outra, de um mercado para o outro, de uma cultura para outra, de um país para o outro e assim por diante. Toda essa variedade indica, em primeiro lugar, que diferentes partes podem interpretar um valor e um método de avaliação de formas distintas. O que não significa que um esteja errado e o outro certo. O problema é que nós vamos falar, de certa forma, línguas diferentes. A adequação da técnica permite a confiabilidade para ser usada, por exemplo, em uma substituição de ações ou na aquisição de uma companhia (M&A). A padronização surge como uma necessidade para integrar, dentro de um país e internacionalmente, diferentes participantes do mercado, permitindo que todos trabalhem com o mesmo método. Podemos fazer um paralelo com um movimento que ocorreu na segunda década dos anos 2000, e que aqui no Brasil foi muito bem-sucedido, que é a padronização de divulgação de informações financeiras, o chamado International Financial Reporting Standards (IFRS). Quem lê essas informações, não importa onde esteja, sabe exatamente o que aquilo significa, porque foram divulgadas dentro desse padrão.
MC: Quais são os principais padrões a serem adotados nesse contexto?
Esse é um ponto importantíssimo. É onde entra o papel do “padronizador”, que no mercado é conhecido como standard setter, “o formador de padrões”. No caso de metodologia de avaliação, o standard setter internacional é o International Valuation Standards Council (IVSC), o qual sou membro do conselho curador. A instituição tem sede em Londres, com representantes de todas as regiões do mundo. O seu papel é justamente atuar na melhoria e no desenvolvimento contínuo do exercício profissional da avaliação. A primeira coisa a ser considerada é que os padrões são divididos de acordo com o tipo de ativo que será avaliado. Sendo assim, a avaliação de bens tangíveis segue um padrão, intangíveis segue o outro, instrumentos financeiros outro. E dentro dessas categorias, você tem subcategorias com as suas especificidades. Ou seja, é muito importante fazer essa divisão de tipos de ativos e de negócios a serem avaliados para depois poder aplicar os padrões para cada tipo de item. Primeiro é importante entender que os padrões do IVSC são criados com o objetivo principal de transmitir confiança para o mercado. Em segundo lugar, eles são estabelecidos como princípios. Eles vão resultar em uma opinião, como eu disse, crível e clara para o público externo. E outro ponto muito importante: eles são constantemente revisados. Existem comitês dentro do IVSC com profissionais de várias indústrias e países que fazem a revisão constante dos padrões existentes, além de fazer consultas públicas. Ou seja, não só os integrantes desses comitês participam da revisão dos padrões, mas o público em geral é convidado para apresentar opiniões. E, claro, quando você faz o padrão de acordo com princípios, esses princípios – por serem mais amplos – muitas vezes não vão se adequar às particularidades de um país ou de outro. Por esse motivo, para serem aplicados no Brasil ou nos Estados Unidos ou no México, por exemplo, é possível que tenham que ser pontualmente adaptados.
MC: E quais são os principais pontos de atenção para as organizações que estão iniciando esse processo de padronização?
A padronização é um processo em que o principal destinatário é o público. E ele está disseminado nos países. O Brasil ainda não tem um reconhecimento oficial desses padrões como ocorreu com as divulgações de demonstrações financeiras. Nesse caso, houve uma discussão grande na comunidade de profissionais e de acadêmicos das áreas de contabilidade e auditoria que se familiarizaram e ganharam conforto com os padrões de divulgações. Depois esses padrões foram traduzidos para o português e houve uma discussão com os reguladores – CVM, Banco Central, entre outros – para que eles: fossem reconhecidos no País. Para bens e ativos, a gente ainda não chegou nesse processo, assim como em muitos países. Diversas instituições, associações e profissionais já aceitam os padrões de avaliação no mundo. As vantagens superam qualquer ponto de preocupação que possa existir, porque justamente elimina o ruído, facilita e dá credibilidade para todas as operações relacionadas.
MC: Quais os benefícios da adoção desses padrões para a governança e para o crescimento das empresas?
Nas operações de financiamento que envolvem garantias, por exemplo, a padronização permite determinar muito mais fácil um valor confiável. Outra questão é que em mercados de capitais há vários instrumentos negociados em bolsa em que a precificação fica muito mais fácil quando existem padrões de avaliação já aceitos. Isso reduz ruído, aumenta a confiabilidade das informações no mercado sobre valores de compra e de venda, inclusive para o futuro. Porque uma avaliação não diz respeito necessariamente apenas ao momento presente. Quanto maior a padronização, maior entendimento do valor e da confiabilidade nessas negociações.
MC: Dentro da sua atuação profissional à frente da CVM, como você entende que as transformações do mercado dos últimos anos – impulsionadas por novas tecnologias e uma demanda de maior transparência pelos stakeholders impactaram as transações de M&A? Quais são os principais desafios para as organizações dentro deste contexto?
Eu atuei na CVM de agosto de 2017 a julho de 2022, um período rico em produção de normas novas. Outro ponto é que a qualidade da informação sobre as companhias abertas melhorou bastante. Ao mesmo tempo, as companhias foram dispensadas de apresentar informações que eram redundantes ou mesmo desnecessárias. O ganho foi geral. Houve também um trabalho sobre tecnologias. A gente conseguiu lançar o Sandbox regulatório, como também fazer a primeira seleção de candidatos a esse regime transitório de companhias que dependem, dentro do serviço que oferecem, de um processo ou emprego novo, ou uma forma nova de se usar um processo já existente, sempre com base em tecnologia. Por elas serem companhias “nascentes” e ainda em fase de desenvolvimento com base em inovação, foi criado esse incentivo para que recebessem de maneira mais fácil uma autorização da CVM para prestar o serviço. Contudo, por um tempo limitado para que, nessa fase de teste, pudessem avaliar o que que precisa melhorar, o que que está dando certo e no final do prazo passarem a ser companhias que estão funcionando com uma autorização normal, iguais às outras. Nessa primeira e única turma do Sandbox houve uma inovação grande, especialmente no uso do blockchain. Foi um passo muito grande na linha do que já foi feito em Singapura, na Inglaterra, na Austrália, que têm os seus programas de Sandbox e foram a inspiração para esse programa. Nesse contexto, os principais desafios para que novas tecnologias sejam aceitas no mercado são garantir que a tecnologia seja conhecida e seus riscos de uso sejam identificados e mitigados.
MC: Na sua avaliação, como os profissionais de áreas financeiras e de Valuation podem se preparar para um cenário em esses padrões são cada vez mais exigidos e relevantes no mercado?
É fundamental fomentar a discussão sobre a necessidade de padronização de avaliação no Brasil, porque o conceito em si ainda não é tão familiar como em mercados mais maduros. Primeiro, é uma questão de aculturamento. O mercado, obviamente, sabe o que é e conhece métodos de avaliação de diversos ativos, mas essa cultura de padronização para o mundo da avaliação ainda é muito incipiente aqui. Por esse motivo, a preparação começa por entender como se faz essa padronização e como os padrões existentes podem ser internalizados no Brasil.