Educação em tempo real
Diante de uma transformação que apagará as fronteiras entre o físico e o digital, o modelo educacional do País deve inovar para responder aos desafios desta nova era.
Janeiro-Março | 2017Todos os países, especialmente os emergentes, como o Brasil, precisam criar soluções para uma realidade em que parte significativa da população não consegue emprego, e muitas empresas não encontram candidatos qualificados para suas vagas. As discussões costumam passar por temas como incentivos fiscais e reforma trabalhista, mas, diante de uma transformação de tal ordem, que apagará as fronteiras entre o físico e o digital, é consenso que o modelo educacional deve mudar e inovar para oferecer uma aprendizagem de qualidade em larga escala e convencer as pessoas a estudar durante toda a vida.
Novas tecnologias e competências serão necessárias para atender à velocidade da mudança. O desafio é aprender a aprender., Luiz Fernando Barosa, diretor da área de Consultoria em Gestão do Capital Humano da Deloitte.
“O ambiente digital pressupõe a mudança na perspectiva do trabalhador em relação a habilidades e competências necessárias para atuar no mundo”, afirma Luiz Fernando Barosa, diretor da área de Consultoria em Gestão do Capital Humano da Deloitte. “Novas tecnologias e competências serão necessárias para atender à velocidade da mudança. O desafio é aprender a aprender.”
Em determinadas situações, como nos programas de capacitação, as empresas já sentem os impactos. Barosa fala em “descompasso”, expressão recorrente na análise dos especialistas, e vê o controle nas mãos do profissional, que não depende mais de programas internos para se desenvolver em assuntos que extrapolam o que aprendeu na universidade. “Existe um anacronismo entre as áreas de treinamento das empresas e a experiência que os colaboradores têm fora delas, com oferta de conhecimento disponível online”, diz. O diretor pontua sua análise com dados da edição 2016 da pesquisa “Tendências de Capital Humano”, realizada pela Deloitte, que mostrou que apenas 8% das organizações acreditam ter uma entrega muito efetiva de aprendizado.
A busca por qualificação também recompensa o bolso. Segundo o pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), Eduardo Zylberstajn, para mudar a mentalidade do trabalhador e fazer com que ele corra atrás de novos saberes é preciso mostrar que, em geral, o custo é menor do que o benefício. “Ainda que existam carreiras ou ocupações que, de fato, não demandam muito estudo, via de regra, para progredir na carreira, é necessário acumular conhecimentos, tanto gerais [cognitivos e não cognitivos] como específicos.”
O estudo “Estimating the Returns to Education Using a Parametric Control Function Approach: Evidences for a Developing Country”, de Zylberstajn e André Portela Souza, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que, em 2013, um ano a mais de escolaridade representava um incremento médio de 11,4% no salário do brasileiro.
De volta ao básico
Mudar mentalidades, no entanto, significa olhar primeiro para o que acontece na educação básica, um dos gargalos que arrastam o Brasil para a 83ª posição no ranking de capital humano elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com 130 países. Também implica superar problemas como os evidenciados no último PISA (sigla em inglês para Programa Internacional para Avaliação de Alunos), uma prova da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizada em mais de 70 países com estudantes de 15 anos. Em relação a 2012, o cenário é de estagnação. O Brasil continua abaixo da média em ciências (401 pontos, comparados à média de 493 pontos), em leitura (407 pontos, comparados à média de 493 pontos) e em matemática (377 pontos, comparados à média de 490 pontos).
“Se o Brasil tivesse de priorizar uma das três áreas, acho que o desafio perante os outros países seria muito maior em matemática. A OCDE diz que o nível 2 (em uma escala que vai até 6) é o básico para exercer a cidadania, mas o percentual de alunos com menos que isso no Brasil é superior a 70%, e quase metade destes está abaixo de 1. É bem alarmante”, diz Ernesto Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann.
“De forma geral, o que precisamos fazer é garantir melhores condições para os alunos que têm maior necessidade. A escola que está em um contexto vulnerável precisa receber mais recursos e ter melhores professores. O Chile, a Finlândia e várias comunidades na Bélgica fazem isso, enquanto nossas políticas públicas são feitas para igualar e compensar, não para oferecer mais.”
Outra recomendação do representante da Fundação Lemann é elevar o nível de exigência das avaliações nacionais para diminuir a discrepância em provas como o PISA e identificar redes de excelência. “É preciso ter altas expectativas e exigir habilidades mais complexas, que, mais tarde, os alunos vão precisar na universidade e no mercado de trabalho.”
Chance para a inovação
Mudar a maneira com que se ensina e aprende também significa abrir a educação às ideias vindas de diferentes áreas – especialmente do campo da tecnologia. É assim que atua o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR), instituição que desenvolve experiências de produção de conteúdo digital a partir da inclusão de aulas de programação e de robótica nos currículos de escolas públicas. Em conjunto com essas novas atividades, muda também o discurso: sai a cópia de conteúdo da lousa e entram técnicas de design, fazendo com que a sala de aula passe a funcionar como se fosse uma startup.
“Como protagonistas, os alunos são envolvidos em desafios em que precisam utilizar os conhecimentos construídos nas aulas para reconhecer problemas, prototipar, testar e validar soluções que, uma vez publicadas, contribuem com a comunidade em que estão inseridos”, diz Juliana Araripe, analista educacional do CESAR.
Em seus projetos, a instituição adota para as soluções um design participativo e centrado no usuário, por meio do qual os clientes viram parceiros. No Programa Escolas Rurais Conectadas, da Fundação Telefônica Vivo, o CESAR atuou como parceiro executor no fornecimento de conectividade em tablets e notebooks para uma escola da zona rural do município Vitória de Santo Antão, a 50 km da capital pernambucana. Além dos dispositivos, é oferecida formação para que os professores integrem a tecnologia às suas práticas de maneira transformadora e sustentável.
Outra iniciativa voltada ao ensino público, a Pernambucoders, nasceu da parceria entre o CESAR, a Secretaria de Educação de Pernambuco, o Porto Digital, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e o Centro de Excelência em Tecnologia de Software do Recife (Softex). “O objetivo é fazer com que os alunos aprendam conteúdos de programação desde cedo, promovendo qualificação e aumento da quantidade de candidatos aos cursos de computação e, consequentemente, dos profissionais disponíveis para trabalhar e empreender em TICs [Tecnologias de Informação e Comunicação] no Estado de Pernambuco”, diz Juliana.
O projeto busca, além de despertar o interesse dos alunos para a carreira, desenvolver raciocínio lógico, concentração, criatividade e capacidade de resolução de problemas – competências que, como o PISA mostrou, são mais do que urgentes.
Ensino direcionado
O “descolamento” entre a realidade do aluno e a educação é um fenômeno que ultrapassa os muros das escolas e também chega às instituições de nível técnico e de ensino superior. Em Santa Catarina, onde ocupa o cargo de diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Jefferson Gomes diz ser motivo de preocupação o fato de que, dentro de quatro anos, metade da força de trabalho da indústria será formada por indivíduos acima de 40 anos de idade. “Esse profissional estará profundamente desatualizado por causa da velocidade da digitalização. Existe um trabalho muito grande para a formação de jovens e para a reformação de adultos”, descreve.
Diante desse desafio, e em meio à crise que atingiu a economia e derrubou a produção, veio a Medida Provisória de Reestruturação do Ensino Médio. Combinados, os fatores levaram o Senai catarinense a reestruturar o formato de seus cursos. “Agora, o aluno monta seu currículo por créditos e pode aprender em aula a programar o sampler da balada e os aparelhos domésticos para obter maior eficiência energética. No lugar de física, aprende como montar uma rede de saneamento básico.”
Para atender a quem busca se atualizar e prefere seguir um ritmo próprio de estudos, houve uma ampliação dos conteúdos online, permitindo também a validação de créditos. “O aluno pode fazer esse curso em cinco anos ou em seis meses, dependendo de sua disponibilidade de tempo. Se ele for forçado a fazer em dois anos, vai evadir. Não tem jeito. O mundo não permite mais um ensino engessado.”
As ideias colocadas em prática no ensino técnico catarinense conversam diretamente com outro projeto em que Gomes atuou como consultor, denominado Força-Tarefa de Manufatura Avançada, que teve a liderança do Governo Federal e contou com a parceria de setores da indústria, pesquisa e fomento à inovação. Após oficinas em sete Estados, o trabalho agora vai concentrar-se na identificação de potencialidades e soluções de manufatura avançada que serão demandadas no Brasil no médio e no longo prazos.
Esse movimento também chegou ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP), onde Gomes é professor da Divisão de Engenharia Mecânica-Aeronáutica. Segundo ele, não é mais possível formar um profissional somente pelo lado técnico e alheio aos problemas e às discussões que impactam o mundo. “Não adianta ensinar mecânica separada de eletrônica e de química, nem de questões de gênero, sustentabilidade, políticas e regulatórias.”
Na Universidade de São Paulo (USP), o professor da Escola Politécnica e coordenador do Instituto de Estudos Brasil-Europa (IBE), Moacyr Martucci, aposta na sinergia para “não precisar reinventar a roda”, ainda mais em tempos da crise que secou tanto o fluxo de capital público quanto o privado para pesquisa. “Nós ficamos observando o que a Europa está fazendo em pesquisa e eles olhando o que a gente tem feito aqui, de tal forma a ter uma sinergia”, afirma Martucci, que coloca a energia entre as áreas que mais atraem olhares dos parceiros.
Dentro dessa postura de somar esforços, outro objetivo do instituto é olhar para o que acontece dentro da própria universidade e “desencaixotá-los” de disciplinas. Quando um tema é estudado por diferentes grupos, isso contribui para que eles se conectem a fim de evitar redundância, agilizar processos e estimular o diálogo dentro da comunidade acadêmica.
Iniciativas não faltam. E muitas, como se vê, são mais dinâmicas e engajadoras para os estudantes que o desgastado modelo tradicional. O que ainda precisa ser feito é ampliar o alcance dessas iniciativas e torná-las acessíveis para que um número muito maior de brasileiros, especialmente no ensino público, tenha as ferramentas necessárias para se adaptar a um mundo em transformação acelerada.