Como nova norma sobre empresas de fachada pode mitigar crimes financeiros
Entenda a atualização do GAFI para coibir ocultação do patrimônio obtido por ações ilícitas
Julho | 2023Recentemente, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI[1]) atualizou sua rede de monitoramento, modernizando suas iniciativas estratégicas para coibir o crime organizado e o financiamento do terrorismo. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, entre US$ 2 a US$ 4 trilhões são lavados todos os anos em âmbito global. Esses recursos são utilizados como um dos principais pilares da chamada “economia terrorista”, em que as técnicas utilizadas para incorporar valores de crimes antecedentes como recursos lícitos à economia são semelhantes às práticas usadas para ocultar a origem e o destino do financiamento ao terrorismo.
Nesse contexto, o GAFI recomendou a melhora na recuperação de ativos, o avanço no desenvolvimento do acesso às informações de titularidade efetiva, além de maior eficiência nas investigações financeiras sobre o comércio ilícito de fentanil e outros opioides sintéticos. Essa é uma questão crescente. No Brasil, por exemplo, a Polícia Civil do Espírito Santo, por meio do Departamento Especializado em Narcóticos (Denarc) apreendeu em março 31 frascos de fentanil, opioide sintético 100 vezes mais forte do que a morfina: uma apreensão inédita no Brasil – 136 quilos de maconha, 13 quilos de mistura para cocaína, 2.500 pinos de cocaína cheios também foram apreendidos no armazém utilizado pelos traficantes.
Em um universo em que as ações para obtenção ilegal de recursos são cada vez mais complexas, as empresas de fachada são um dos principais pilares que os grupos criminosos utilizam para esconder suas atividades e dinheiro ilícitos.
Em fevereiro de 2023, o GAFI, em sua Recomendação 24, passou a exigir que os países membros garantam que as autoridades competentes tenham acesso a informações necessárias, precisas e atualizadas sobre os proprietários das empresas. A fim de orientar os países membros do grupo e o setor privado, o GAFI desenvolveu um material específico sobre o tema, não só elevando o padrão internacional de requisitos, como também acompanhando os países nessa implementação.
Na prática, a nova orientação apoia as autoridades competentes dos países a identificarem, projetarem e implementarem medidas apropriadas para garantir o registro, por órgãos públicos, e o acesso às informações sobre o beneficiário final das pessoas jurídicas com vistas a mitigar os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo associados as empresas de fachada estrangeiras que costumam fazer parte das atividades ilícitas.
Para isso, a nova atualização explica os tipos e as fontes de informações relevantes, bem como os mecanismos para obtenção desses dados. Uma das possibilidades é a integração da informação de beneficiário final a bases de dados já existentes; outra alternativa é um banco de dados consorciado populado com informações de beneficiários finais por empresas, autoridades competentes e até por relatórios automáticos pela interconexão entre juntas comerciais, cartórios e o banco de dados consorciado.
Assim, a Recomendação 24 do GAFI fortalece o uso da abordagem multifacetada, que apresentou resultados mais eficazes na prevenção do uso indevido de empresas de fachada. As nações que já utilizam a abordagem demonstraram maior sucesso na garantia da transparência da propriedade efetiva quando comparadas aos países que utilizam uma abordagem única. Vale destacar que essa orientação é resultado de muitos meses de avaliação e consultas com as partes interessadas.
Agora, os países têm uma diretriz objetiva para implementar as medidas necessárias com vistas a desenvolver políticas nacionais pela colaboração dos setores público e privado para mitigar e evitar que as empresas de fachada sejam um porto seguro para obtenção de recursos ilegais para o crime organizado e o terrorismo.
Para evitar crimes e a utilização de empresas de fachada, o GAFI orienta os setores obrigados a realizar comunicação de situação suspeita de lavagem de dinheiro às Unidades de Inteligência Financeira – no Brasil, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – a utilizar as seguintes metodologias:
- Conhecer seus clientes (KYC) com a respectiva identificação dos beneficiários finais
- Due diligence para empresas de alto risco
- Educação e conscientização
No Brasil, é considerado beneficiário final a pessoa natural que possui, controla ou influencia uma entidade – com, ao menos, 15% do capital ou do direito de voto; aquele em cujo nome uma transação é conduzida; ou, que detenha ou exerça preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger ou remover a maioria dos administradores de uma pessoa jurídica. São responsáveis por coletar dados sobre beneficiários finais, a Receita Federal e as Juntas Comerciais.
Tanto as Juntas Comerciais como os Cartórios são pessoas obrigadas a realizar comunicação ao COAF, caso identifiquem em suas atividades alguma situação suspeita de lavagem de dinheiro.
A nova atualização do GAFI vem reforçar esse monitoramento, no intuito de coibir e dificultar e utilização de empresas de fachada para lavagem de dinheiro.
[1] O GAFI, do inglês Financial Action Task Force (FATF), é uma organização intergovernamental independente que desenvolve e promove políticas para proteger o sistema financeiro global contra lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa. As Recomendações do GAFI são reconhecidas globalmente como padrão para ações de prevenção de lavagem de dinheiro (PLD) e combate ao financiamento do terrorismo (CFT). São obrigatórias aos países membros da OCDE ou para países que queiram se tornar membros, como o Brasil.