A revolução digital bate à porta
Para Jeff Carbeck, especialista em Indústria 4.0 da Deloitte, a evolução em curso não é linear e exigirá um esforço de transformação das organizações, que deve ser liderado pelos CEOs.
Outubro-Dezembro | 2016
Jeffrey Carbeck é engenheiro químico, cientista de materiais, empreendedor e PhD pelo prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT). Atuando pela Deloitte, tem a responsabilidade de alertar CEOs para a revolução que está aí – a chamada Quarta Revolução Industrial. A primeira foi a energia a vapor. A segunda, a produção em massa. A terceira, a automação. E agora? “Internet das Coisas e máquinas que fazem a manutenção sozinhas já são uma realidade”, diz ele. Fábricas já funcionam no escuro, sem parar. As emissões de poluentes nas indústrias inteligentes despencaram, pois o desperdício é mínimo. Alimentadas pela resposta do consumidor digital, ajustes nos produtos são mais ágeis. Nesta entrevista à Mundo Corporativo, Carbeck fala sobre essa realidade sem volta.
A Indústria 4.0 é uma revolução ou uma evolução?
A rigor, é uma evolução. Há outros nomes para fenômenos da Indústria 4.0: “Manufatura Inteligente”, “Internet das Coisas” e “Internet de Tudo”. Contudo, já há convergências tecnológicas suficientes para que o conjunto seja mais que uma evolução. Não é possível afirmar com clareza que há uma revolução antes de ser ultrapassado por ela. Meu trabalho é entender o que está acontecendo nas manufaturas e projetar cenários fora das fábricas. Minha experiência mostra que os CEOs que pensam que haverá dez anos para a revolução acontecer estão atrasados. A manufatura já está três anos à frente deles.
A manufatura toda? Ou a sua vanguarda?
Indústrias diferentes têm ciclos de tempo diferentes. O da automotiva leva de cinco a sete anos do papel até a fábrica. A cadeia entre médicos, laboratórios e pacientes é mais dinâmica. O papel do setor está mudando daquele que apenas trata doenças para o de prover saúde. Para entender o quanto um setor encontrou o caminho para a Indústria 4.0, é preciso analisar o quanto a Internet das Coisas o está transformando. É certeza que a medicina, por exemplo, está vivendo essa revolução.
Podem ser mudanças aparentemente pequenas, mas são enormes quando se pensa que várias delas estão sendo feitas em cadeias diferentes mundo afora, que o corte de custos em uma planta obriga um fornecedor a se adaptar e que o custo cortado em uma cadeia leva outra a se mexer., Jeffrey Carbeck.
O que empurra as empresas para a Indústria 4.0?
Competição e regulamentação. E sobrevivência.
A competição não é entre indústrias, mas entre cadeias. De que adianta a empresa final estar no estado da arte da Indústria 4.0 se seus fornecedores estiverem atrasados?
Há pressões para fornecedores e fornecedores dos fornecedores se mexerem, e rápido, para ter sistemas compatíveis com seus clientes. Quem titubear precisará fazer escolhas: vou desistir desse cliente? Vou procurar clientes que não precisam dessa demanda? A tensão é imensa, pois a evolução não é linear, com todos evoluindo ao mesmo tempo. No entanto, poucos entendem que não basta abraçar uma parte. Embora investimentos sejam pontuais, o assustador é que não dá para investir em pedaços e depois juntar tudo. Tem de ser uma estratégia que considere as consequências das decisões, as vantagens e os riscos de onde se pretende chegar.
Quem tem mais chances? As multinacionais ou PMEs?
As empresas líderes obtêm grandes investimentos e podem justificá-los desde que consigam mensurar o retorno. As novas empresas não têm comprometimento com operações específicas ou infraestrutura. É possível construir um pequeno negócio 4.0 com um capital menor. As empresas que acabam se complicando são as do meio. As médias não têm acesso ao capital nem à flexibilidade das startups. Um caminho é investir juntas. Em boa parte das fusões e aquisições em empresas desse porte, há essa razão por trás.
Como conciliar metas de curto e longo prazos dentro desse conceito?
Em parte, vimos a materialização do pensamento industrial 4.0 em que se pode medir apenas ganhos parciais. Se um especialista diz para o CEO “posso reduzir suas despesas com energia na unidade tal em 20% em ‘X’ tempo”, ele pode ver um valor econômico direto. Podem ser mudanças aparentemente pequenas, mas são enormes quando se pensa que várias delas estão sendo feitas em cadeias diferentes mundo afora, que o corte de custos em uma planta obriga um fornecedor a se adaptar e que o custo cortado em uma cadeia leva outra a se mexer.
Por onde um CEO deve começar?
Compreender. Eles estão muito preocupados com a Indústria 4.0, mas não sabem direito o que é. Meu trabalho é educá-los. Não é realista abordar um CEO e dizer: “Você precisa incorporar a mentalidade da Indústria 4.0; aqui estão as justificativas e os dados econômicos comprovando o porquê. Aqui está a lista de tudo a ser mudado”. É possível, porém, convencer um dirigente de que as operações funcionarão melhor com menor custo de armazenagem, por exemplo. Só isso requer um monte de ferramentas novas e dá resultados mensuráveis. Feito isso, mapeamos como outros departamentos podem se beneficiar da mesma abordagem. É uma jornada de transformação.
O que é possível fazer para lidar com as lacunas de formação de capital humano para lidar com essa realidade?
As organizações vão oferecer treinamentos porque há muito valor nisso. Acredito na colaboração entre universidades privadas e indústria. Elas vão juntar-se e criar uma nova organização educacional que vai oferecer formações sob demanda. Não vai parecer nada com as universidades tradicionais e os treinamentos atuais.
Os CEOs estão conscientes de que a Indústria 4.0 é a chave para a sobrevivência?
A maioria, sim. Eles raciocinam em duas dimensões: custos/eficiência e capital humano. No curto prazo, estão preocupados em reduzir a intensidade do capital na manufatura e aumentar eficiência. Contudo, em muitas indústrias, a preocupação é o talento humano, que está envelhecendo rapidamente. Não há hoje um canal capaz de coordenar esses processos de aprendizado na velocidade necessária. A automação e os sistemas integrados de inteligência artificial já estão provocando uma crise para encontrar profissionais talhados para determinadas indústrias e que não servem para trabalhar em outras. É um mundo cada vez mais desconfortável para os CEOs.