A era da convergência
As empresas têm de lidar com uma irrefreável convergência entre setores se quiserem continuar competitivas. Mais do que isto, precisam participar ativamente desse movimento. Afinal, como crescer e continuar inovando em um mundo cada vez mais fluido e interdependente?
Setembro-Novembro | 2018A globalização e a interconexão crescente entre plataformas tecnológicas impulsionaram, nos últimos anos, a tendência de derrubar os muros que antes separavam empresas de setores diferentes. É cada vez mais difícil definir, por exemplo, onde termina a operação de uma instituição financeira e começa a de uma rede varejista na oferta e operacionalização do crédito; ou qual será a essência da atividade de uma montadora de automóveis que trabalha cada vez mais com tecnologias de ponta para construir carros autônomos; ou estabelecer então os limites e os níveis de dependência entre empresas de telecomunicações, mídia e tecnologia no desenvolvimento e comercialização de dispositivos digitais de comunicação interpessoal. A convergência entre indústrias trouxe uma nova realidade, que altera padrões de produção e operação, especialmente na medida em que avança a integração entre os ambientes físico e digital, sob o signo da Indústria 4.0.
Em vez de um único produto oferecido por empresas distintas, surgem serviços inovadores, criados por organizações que se complementam e trazem experiências totalmente diferentes aos seus consumidores. A convergência de setores deixou de ser uma tendência e já faz empresas reverem seus conceitos mais básicos para sobreviverem em novos tempos.
Manutenção preditiva
Em vez de parar determinada máquina para manutenção a cada 1.000 horas de trabalho, como recomendam manuais de segurança, já é possível lidar com eventuais problemas apenas na hora em que aparecerem, talvez com exatas 1.132 horas, 36 minutos e 24 segundos de serviço. Como atingir tal grau de precisão? Softwares, aplicativos e sensores hoje permitem uma convergência cada vez maior entre a indústria de tecnologia e os demais setores da economia.
Para Tim Hanley, líder global da Deloitte para o setor de Produtos Industriais e Construção, vivemos um tempo de sinergia entre tecnologias já existentes, que está gerando resultados exponencialmente melhores. Esse movimento reflete a convergência de setores, como já aconteceu em outros momentos da Revolução Industrial. “As tecnologias disruptivas, tanto na época da primeira à terceira revoluções industriais, como agora, têm a ver com um ganho talvez inesperado por meio de incrementos totalmente novos. Não estamos inventando a internet, por exemplo, mas transformando-a em algo totalmente novo para os negócios”, afirma.
“Várias empresas já usam fábricas inteligentes para testar ideias que valem cada vez mais dinheiro”, continua Hanley. “Isso permite a elas saber exatamente a escala de seus produtos em várias áreas, como otimizar os seus custos, cortar gastos desnecessários, gerir melhor sua cadeia de abastecimento e até lidar com questões de segurança cibernética. Quanto mais setores diferentes conseguem interagir, mais ideias serão testadas por esses laboratórios e mais escala esses produtos poderão ter.”
No Brasil, há empresas que já obtêm benefícios claros dessa nova era de convergência de setores. Fabiano Assunção Sant Ana, diretor para a área Digital na BASF para a América do Sul, diz que multinacionais, como toda empresa química, terão mais facilidade para se adaptarem aos novos tempos porque têm um acesso mais veloz às novas tecnologias – muitas das quais acabarão chegando no Brasil também.
A BASF está atuando em duas grandes frentes de robotização junto a parceiros de outros setores: realidade aumentada com interação e manutenção preditiva. “No caso da manutenção preditiva, nós nos antecipamos a quebras, à necessidade de manutenção. Temos equipamentos com sensores, algoritmos e softwares que nos permitem trabalhar de maneira mais confiável no equipamento. Por exemplo, temos motores que mereciam manutenção a cada mil horas. Agora, nós os monitoramos em tempo real e só intervimos quando tem uma mudança no comportamento”, diz Sant Ana.
A grande dificuldade para entender fábricas inteligentes que combinam setores diferentes em seus produtos, segundo Sant Ana, é a preparação da nossa força de trabalho a utilizar a tecnologia. “Estamos testando realidade virtual e mobilidade dentro da empresa. Agora, estamos escolhendo áreas para fazer testes. Até chegarmos à redução da perda de performance, termos equipamentos mais estáveis e colhermos mais eficiência e segurança, existe uma curva de aprendizagem”, afirma.
Convergência 4.0
A Indústria 4.0, definida como uma nova etapa da Revolução Industrial e responsável por boa parte dessa convergência em curso, surgiu com um plano da chanceler alemã Angela Merkel apresentado em 2011 na Feira de Hannover. Já naquela concepção, o futuro da indústria dependeria também de convergência digital conectando máquinas, sistemas e outros ativos de forma a criar redes inteligentes em toda a cadeia produtiva.
Assim, dizia o plano alemão, as empresas passariam a controlar os módulos da produção de forma autônoma, com a vantagem de reconfigurar manutenções, antecipar falhas nos processos e se adaptar ao que fosse necessário. “Hoje, a Indústria 4.0 não é só um nome ou uma mera ideia da Alemanha que acabou pegando. Indústria 4.0 é algo muito tátil, é uma nova forma de se produzir”, diz Wolfgang Falter, líder da Deloitte Alemanha para a indústria de Químicos e Materiais Especiais. “A transformação e a convergência das indústrias é uma nova etapa do nosso desenvolvimento. Robôs, aplicativos e sensores trazem uma nova revolução industrial. Não é um simples avanço porque o ganho não é marginal, é exponencial. É um processo que está acelerando, não vai no mesmo ritmo em todos os países e indústrias, mas é real.”
Daniel Da Rosa, CEO de uma das divisões da ThyssenKrupp, vê a Indústria 4.0 como “um cardápio de tecnologias digitais em todas as áreas, puxando a convergência”. “Aqui aplicamos o cardápio 4.0 com comunicação máquina-máquina e big data. Agora temos a história de cada item. As máquinas geram dados e, com os algoritmos, chegamos à história da peça, às tendências que ela tem”, conta o executivo.
Além dos limites da empresa
A convergência entre setores não é proibitiva para empresas com tecnologias menos avançadas, contanto que a mentalidade de seus líderes aponte para um futuro mais integrado, diz Reynaldo Saad, sócio-líder para a indústria de Consumer da Deloitte Brasil. “A convergência de tecnologias vai ser o foco de muitos setores de liderança da nossa economia daqui em diante. As montadoras já produzem seus veículos com tecnologias que visam à conectividade com as atividades diárias do dono do carro. Na área da educação, as faculdades já aplicam ensino à distância com ferramentas que, além de avaliar a performance dos seus alunos, proporcionam treinamentos de soft skills e coaching com base no resultado dessas avaliações.”
O crescimento das empresas no novo cenário de competitividade vai depender cada vez mais da força da convergência e da mentalidade inovadora dos líderes das organizações., Reynaldo Saad, sócio-líder para a indústria de Consumer da Deloitte Brasil.
Jack Ringquist, líder global da Deloitte para o setor de Bens de Consumo, destaca que, neste setor, a convergência exige uma integração mais forte entre as equipes financeira e comercial: “Se antes a parte financeira dava suporte aos produtos e serviços, hoje ela é parceira nesse modelo de convergência e faz parte do plano de negócios intersetorial. Muitas das tecnologias que impulsionam a indústria hoje vêm da interação do setor financeiro com o produto ou serviço à disposição dos clientes”.
Hanley, também da Deloitte, vê três chaves para o sucesso da implementação da convergência, onde quer que seja: perceber que o fracasso pode levar às melhores inovações, aceitar que a indústria manufatureira está passando por mudanças densas e não incrementais e, finalmente, abraçar a convergência como a chave para destravar a busca por novos valores.
“As pessoas acham que esses passos são triviais, mas não são. É um grande desafio fazer as empresas mudarem de mentalidade e se aproximarem das inovações. Os executivos com quem converso em todo o mundo acham que a liderança é o que impulsiona essa nova visão da indústria. A inovação cada vez mais depende de colaboração, e líderes comprometidos em olhar para além dos limites da própria empresa”, complementa Hanley.