A construção da empresa do amanhã
Para James Canton, as empresas devem ter ousadia para lidar com as mudanças inevitáveis, que vão de questões demográficas aos avanços da ciência; longevidade, inteligência artificial, sustentabilidade e viagem espacial são grandes tendências
Julho-Setembro | 2017Um futurista global. É assim que se define James Canton, Chief Executive Officer (CEO) do Instituto para o Futuro Global (Institute for Global Futures – IGF, na sigla em inglês). Fundado em 1990, o instituto aconselha tanto empresas como líderes políticos sobre tendências para as próximas décadas. Entre os aconselhados de Canton em uma carreira de mais de 30 anos, estão três ex-presidentes dos Estados Unidos, a Fundação Nacional de Ciência Norte-americana e o laboratório de mídia do Massachusetts Institute of Technology.
Aos 66 anos, Canton é autor de três livros que viraram referência em todo o mundo: “Future Smart” (2015), “The Extreme Future” (2006) e “Technofutures” (2004). Em uma entrevista à Mundo Corporativo, o cientista viu mais motivos para otimismo do que para pessimismo, apesar dos tempos turbulentos pelos quais o mundo passa. “Muita coisa que virá não depende desses acontecimentos. São necessidades inevitáveis e temos de nos preparar para elas”, diz.
Quais são as principais tendências que vão moldar o futuro da sociedade – e consequentemente dos negócios – nos próximos anos?
Como escrevi em um de meus livros, há muitas tendências importantes para os negócios, para a sociedade e para os indivíduos. A primeira é a longevidade, a relação entre cuidados com saúde e o quanto podemos viver. Estamos vivendo mais e precisamos nos proteger mais, desenvolver genomas e estilos de vida mais saudáveis. É fato que viveremos mais do que qualquer outra geração; talvez a média de vida chegue a 150 anos. Contudo, para chegarmos produtivos até lá, precisamos transformar a saúde com big data, diagnósticos precoces e nanotecnologia para formarmos novos órgãos e membros. Em dez anos, isso vai transformar nossas sociedades, que vão ter benefícios incríveis, com gente que não só vive mais tempo, mas que vive com capacidades plenas. A outra tendência é a inteligência artificial. Afinal, qual será o seu impacto? Substituir trabalho ou melhorar o trabalho? Em geral, vamos aprender o que cabe onde. A economia autônoma está crescendo, estamos criando uma nova cultura. Já se sente uma nova economia sendo moldada para que surja uma nova força de trabalho. É uma tendência que vai trazer mudanças bruscas. A terceira tendência é a sustentabilidade. Vamos acabar oferecendo soluções para provisão de água e outros recursos. Em 2050, teremos 9 bilhões de pessoas no mundo, e precisamos nos adaptar a tudo isso. Na América do Sul, em especial, se vê que há potencial para aprendermos a usar essas tecnologias para criar empregos e dar comida a todo o mundo no futuro. Ainda temos a tendência da viagem espacial. Até 2025, 2030, vamos começar a colonizar Marte. Vamos viver orbitando a Lua, viveremos no espaço também. Essas quatro tendências devem moldar nosso futuro de maneira bastante impactante.
Em um presente com tantas incertezas, como é possível prever o futuro?
Até pouco tempo atrás, havia revoluções, governos caindo na América Latina, duas guerras mundiais e a ascensão do fascismo. No fim das contas, os presidentes vêm e vão. Precisamos, ainda assim, lidar com os problemas do mundo. Temos uma responsabilidade neste mundo com as próximas gerações e com as novas tecnologias também. O futuro vai além do futuro político. Os nossos sonhadores corajosos, que fazem startups, por exemplo, precisam de paz, segurança, estabilidade e clientes. Não temos escolha. Isso vai acontecer, independentemente da instabilidade atual. As tecnologias que vão propiciar essa mudança já estão sendo criadas – nanotecnologia, manipulação de átomos, Tecnologia da Informação (TI), incluindo robótica, neurotecnologia, biologia sintética transformando nossa saúde e ciência quântica para manipulação do tempo e do espaço. Isso tudo está acontecendo. As democracias são boas para expulsar o que não funciona – isso vai além de quatro anos. Lidar com o ambiente instável como um de dez fatores é mais importante do que se concentrar no que acontece em qualquer país.
Estamos em um cenário de mudanças muito rápidas, em que o futuro de hoje rapidamente se torna ultrapassado. Como lidar com a velocidade dessas transformações para antecipar-se a elas?
As empresas têm de desenvolver a capacidade de ter um laboratório do futuro. Têm de olhar para as culturas avançadas com consistência, cabeça aberta. Se estão na área financeira ou de logística, devem olhar o que acontece fora da sua indústria também. Além disso, big data, drones e robôs vão mudar o modelo de negócio. Grandes mudanças estão acontecendo, mas há empresas que estão operando como há 10, 15 anos. Estamos no meio de uma revolução. As empresas precisam adaptar-
-se, explorar e experimentar. Toda empresa deveria ter um plano para o futuro pronto, para 3 ou 10 anos. Não estamos planejando com a ousadia e a rapidez necessárias. Precisamos moldar esse futuro. Se isso não acontece, a empresa vai ficar para trás.
Como usar a tecnologia a favor dos negócios, sem fetichizá-la?
Tecnologia não é a resposta para tudo, é claro. Eu também tomo decisões com base em instintos. Não precisamos nos desumanizar para aceitar a importância da tecnologia. Entretanto, no fim das contas, temos de entregar valor ou uma inovação real e ponto final. Se o seu instinto estiver errado, é melhor ceder ao pragmatismo de entender o que acontece com a ajuda das ferramentas tecnológicas. Isso não é fetichizar, é ser responsável.
O que é mais importante para entender a velocidade dessas transformações para antecipar-se a elas?
O mais importante é olhar para fora da sua indústria. As empresas que não são especialistas na indústria podem ser inspiração para a transformação. Quais são as novas ferramentas para desenvolver ou para colaborar com outros para desenvolver? Isso se aprende também com os dissonantes. Além disso, para entender esses fenômenos, as universidades devem ser parceiras. A base tem de ser o conhecimento.
Como o executivo pode incorporar a prática de pensar no futuro em sua rotina tão focada na resolução de questões do presente?
Essa é fácil. Ele tem de entender que, sem pensar no futuro, em breve, vai fracassar. Talvez mais rápido do que pensa. A velocidade aumentou para tudo, e o executivo deve entender que aumentou para ele também.
De que forma as empresas têm acompanhado a evolução da sociedade, que tem sido tão intensa nos últimos anos? Elas têm sido mais criadoras ou seguidoras de tendências?
Há muito dos dois tipos. Eu trabalho muito com marcas criadoras, como Pepsi, American Express, Cisco, IBM e Phillips. São empresas que conseguem chegar ao cliente por meio de inovações que lhes permitem entender os dados mais simples dele. Por exemplo, a empresa de entregas UPS, quando começou a crescer na Europa, mudou a forma de vestir seus funcionários. A Disney acabou cedendo na Europa, depois de fazer uma restrição no parque Eurodisney. Ela não queria funcionários usando brincos e foi convencida do contrário. Parecem decisões bobas, mas têm a ver com entender tendências da sociedade.
Que setores acredita estarem mais evoluídos na arte de se antecipar ao futuro?
Ainda somos criaturas que formam laços de comunidade. Acho que minha resposta é que não existem setores inteiros mais evoluídos, mas sim empresas especiais. Existe um desafio para as empresas de todas as áreas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os millennials nascidos neste século operam diferentemente dos baby boomers do pós-Guerra. Meu filho de 15 anos não usa e-mail, se comunica de outra forma, e não lê jornal. Só isso já o aliena de todas as empresas que só anunciam na mídia tradicional. Todos os setores vão ter de evoluir para lidarem com pessoas como ele. É um processo em andamento.
Você aconselhou três ex-presidentes dos Estados Unidos. O que diria a Donald Trump em termos de planejamento para o futuro?
Acho que ele tem de se concentrar em disponibilizar tecnologia e educação para cada cidadão. Isso significa mais pessoas na universidade, mais ferramentas de tecnologia criando investidores. Demos muitas invenções ao mundo. O presidente Trump deveria continuar essa tradição.
Existe uma onda de nacionalismo em muitos países que são inovadores importantes. O futuro dos negócios será mais local ou mais global?
Meu mentor é um cientista que inventou uma frase hoje famosa no mundo todo: “pense localmente, aja globalmente”. [Nota da edição: a frase é atribuída ao sociólogo espanhol Manuel Castells.] Acho que o futuro é de oportunidades para negócios globais, mais do que nunca. Países como o Brasil oferecem oportunidades excelentes, embora ainda precisem de educação, infraestrutura e estabilidade política. Em Cingapura, por exemplo, a produtividade é enorme porque se trata de um país pequeno. O Brasil é rico, tem recursos, mercado e tecnologia e tem espaço nesse futuro global. Eu trabalho com empresas brasileiras que precisam pensar no que querem ser em 2030. O País também precisa pensar em umas dez coisas que mudaria até lá, pensar em uma agenda que inclua acesso à educação, à infraestrutura de TI, à energia, à segurança e ao combate à corrupção. Ao resolver seus próprios problemas, acho que o Brasil tem potencial para estar entre os grandes agentes globais.