Novas respostas ao cliente
Transformação digital e novos comportamentos dos consumidores demandam mudanças em modelos de gestão das instituições financeiras, que têm adaptado suas estruturas de atendimento e buscado novos perfis profissionais para responder às exigências que o momento impõe.
Dezembro 2019 | Fevereiro 2020Culturas organizacionais têm sido revistas por líderes de empresas em razão das novas tendências de mercado impulsionadas pela transformação digital e pelas mudanças de perfil e hábitos dos consumidores. Na área de serviços, inclusive financeiros, a transição radical pela qual passam as relações de consumo e de atendimento a clientes exige adaptações significativas dos modelos de gestão e de negócios.
“As expectativas dos clientes mudaram em uma velocidade muito grande nos últimos anos, e isso está diretamente ligado ao uso de novas tecnologias. Hoje, a forma como consumimos os serviços e produtos financeiros é muito diferente daquela que conhecíamos há alguns anos”, explica Sergio Biagini, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Serviços Financeiros. “As empresas precisam se adequar a essa nova realidade, que demanda um novo e elevado patamar de experiência entregue ao cliente”, acrescenta.
Nesse sentido, surge uma questão: o que as empresas devem fazer para adequar processos consolidados, que vinham funcionando corretamente, às novas tendências do mercado impulsionadas pela transformação digital?
Marco Mastroeni, vice-presidente de Inovação do Banco ABC Brasil, sugere algo que pode parecer radical: “Minha primeira reação quando confrontado a essa questão foi pensar que era preciso jogar tudo fora – não podia cometer o erro de achar que estava tudo bom. É preciso sempre questionar o status quo, pois o seu processo pode morrer amanhã porque uma fintech inventou um jeito muito melhor de fazer o que você sempre fez. Nenhum processo está realmente consolidado, e todos eles têm de ser questionados, diariamente.”
Ponderando sua própria colocação, Mastroeni acrescenta: “Obviamente, não dá para jogar tudo fora, mas uma característica dos tempos atuais, independentemente do porte da instituição, é a velocidade de adaptação. As mudanças vão ocorrer, como sempre ocorreram, mas de uma forma muito mais rápida. A resposta a essa nova realidade é que fará uma organização sobreviver.”
O cliente no comando
De fato, a velocidade com que as transformações vêm ocorrendo é considerável. Segundo a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2019”, realizada pela Deloitte, o número de transações bancárias com movimentação financeira – ou seja, em que há troca de recursos entre pessoas físicas ou jurídicas – cresceu 33% em 2018, ante 2017. Quando considerado o canal mobile banking (aplicativos para smartphones), o aumento no número dessas operações foi de 80%. Diante desses resultados, Gustavo Fosse, diretor de Tecnologia e Automação Bancária da Febraban, afirma que o desafio dos bancos “será antecipar-se às necessidades dos clientes e criar produtos para atender a essas demandas.”
Para isso, é preciso ir além do pacote básico de ofertas e se diferenciar em um mercado que conhece rápidas evoluções proporcionadas pela adoção de novas tecnologias. O banco que se posicionar como uma verdadeira plataforma de serviços – e conquistar a preferência do cliente final no que diz respeito a experiência, personalização e quantidade de produtos propostos – certamente alcançará um modelo competitivo de maior sucesso ao longo do tempo.
As facilidades propiciadas às pessoas se devem principalmente à ampliação e facilitação do acesso à internet, à informação, às soluções, às ferramentas e também ao barateamento das tecnologias. Assim, além dos benefícios para os consumidores, o empreendedorismo tecnológico foi estimulado. ”A tecnologia em si está muito mais barata e potente, o que faz com que mais pessoas invistam para desenvolver novas soluções para problemas reais. Esse movimento popularizou instrumentos que permitiram que o consumidor tivesse muito poder – hoje, ele consegue tomar uma decisão de compra do que quer que seja com muito mais informação. Isso torna o nível de competição muito alto”, afirma Marco Mastroeni.
Atendimento presencial remodelado
Ainda segundo a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2019”, do total de transações bancárias (envolvendo valores, ou não) realizadas nos diversos canais de atendimento das instituições, 60% foram efetuadas por canais digitais (internet banking ou mobile banking). As restantes 40% foram feitas em pontos de atendimento presencial, como agências, e outros (correspondentes bancários, autoatendimento etc). Este último percentual, portanto, não é desprezível, apesar de os bancos já promoverem transformações no modelo de atendimento e na oferta de serviços e produtos nas agências.
A esse respeito, Gustavo Fosse explica: “Observamos que as agências têm se tornado postos para tirar dúvidas dos clientes, prestar consultoria financeira e atender a operações mais estruturadas.”
As agências tendem a ter um papel mais consultivo e conectadas com a tecnologia, um local onde o cliente possa valer-se desse ambiente para se reconectar com o banco, recorrendo a serviços de consultoria, de aconselhamento financeiro e de contratação de produtos mais complexos. “Os clientes demandam diversos tipos de atendimento que, por sua vez, possuem complexidades distintas. O canal físico ainda é fundamental em certas situações, mas a experiência entregue nesse canal também precisa estar conectada e integrada aos canais digitais”, completa Biagini.
Quando falamos em atendimento presencial, é preciso oferecer uma experiência que consiga conectar o físico com o digital Sergio Biagini, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Serviços Financeiros
Transformação de talentos
Diante de todas as mudanças que vêm ocorrendo no relacionamento do consumidor com os bancos, evidenciadas sobretudo pela crescente migração das operações para os canais digitais, as organizações do setor financeiro precisam também de pessoas que saibam lidar com essa nova realidade. As pessoas devem ser treinadas para entender essa nova dinâmica, compreender e operar ferramentas tecnológicas que tendem a demandar uma formação mais complexa e mais analítica.
“O perfil dos profissionais na frente de atendimento de uma agência no futuro evoluirá. Será mais voltado para a consultoria, com mais conhecimento de produtos, das necessidades dos clientes e maior habilidade de aconselhamento. As pessoas precisam ser preparadas ao longo do tempo, o que exige investimentos para capacitar os talentos para os novos processos e para os novos modelos de atuação”, avalia Sergio Biagini.
Os bancos investiram R$ 38,4 milhões no treinamento em tecnologia para 63,1 mil profissionais em 2018. Essa é uma necessidade que não poderá ser negligenciada pelas organizações neste cenário de transformação. “Inovação, tecnologia e novos modelos de negócios para tudo isso, precisaremos de pessoas que tenham a capacidade de encarar tais desafios”, diz o sócio da Deloitte. “É necessário investir em talentos que consigam aprender com o uso das tecnologias e a experimentá-las.”
Mas como, então, enfrentar o desafio de estar preparado para adequar a forma como os profissionais enxergam e lidam com as transformações em relação à maneira como devem trabalhar? A imersão no ecossistema digital é um dos caminhos possíveis. Isso pode ser feito de várias maneiras, que vão desde palestras e workshops com especialistas, a acompanhar um dia de atividade dentro de um escritório de coworking ou de uma aceleradora de startups. “Dependendo do campo de atuação, o choque de realidade precisa ser um pouco maior. A solução pode ser uma semana em polos de inovação, no Vale do Silício (EUA), na China, em Israel”, sugere Mastroeni.
Já Alberto Campos, vice-presidente de Tecnologia da Serasa Experian, destaca alguns percalços que os gestores brasileiros devem enfrentar. “Temos uma deficiência na formação de base nas áreas chamadas nos Estados Unidos de ´STEM´ (ciências, tecnologia, engenharia e matemática), o que dificulta um pouco a interpretação e a aplicação das novas tecnologias. Voltamos à questão de que as empresas precisam ajudar a construir essa formação básica. E cada vez mais isso vai acontecer, dada a obsolescência e a dificuldade de achar mão de obra.”
Tecnologias para garantir competitividade
Nesse complexo cenário de transformações, percebe-se que gestores e empreendedores já estão atentos às tecnologias que têm mexido com o segmento de serviços. A questão é saber como estruturar e viabilizar a evolução da gestão das organizações para garantir sua sustentabilidade e perenidade.
“Algumas tecnologias que estão sendo experimentadas serão fundamentais no ambiente competitivo, e para que as instituições alcancem um melhor índice de eficiência”, explica Sergio Biagini. “Inteligência artificial, real time analytics e blockchain, por exemplo, quando plenamente adotadas, irão gerar um diferencial expressivo às organizações.”
O desafio é entender os anseios do cliente e oferecer aquilo que ele demanda, ou que pode interessá-lo, de uma maneira pela qual exista conexão entre todas as estruturas de gestão, de produção e de prestação de serviços de uma organização.
Ao final, cabe ao empreendedor e ao líder empresarial serem estratégicos, planejar, dispor de recursos tecnológicos, de gestão e pessoal capacitado e atualizado para atuar em linha com as transformações digitais, estruturando uma arquitetura de dados que consiga explorar o enorme volume de informações na sua plenitude. É necessário, também, garantir o respeito aos aspectos de privacidade, transparência e compliance diante da aplicação e do uso das tecnologias. A soma desses fatores certamente sustentará e promoverá sucesso às instituições de serviços financeiros no breve futuro.
O Brasil no cenário da transformação
Assim como o consumidor tem se mostrado bastante aberto às inovações e às transformações promovidas a partir da atual revolução digital, o empreendedor e o gestor que atuam no Brasil também se beneficiam de sua propensão à fácil aceitação e à adaptação ao novo.
Para Alberto Campos, “as crises fazem com que precisemos ser criativos, resilientes. A gestão das empresas brasileiras está em um nível diferente, mais elevado. Vejo também que as ferramentas tecnológicas são amplamente utilizadas, o que no passado só acontecia em grandes empresas. Para além da transformação tecnológica, temos grandes vantagens culturais, como flexibilidade, condição de adaptação, e isso é muito importante. Talvez, no cenário mundial, nunca tenhamos tido tantas chances quanto agora.”