Robôs essenciais
Empresas avançam no Brasil quanto à aplicação prática de conceitos de automação robótica de processos e cognitiva, garantindo eficiência, inteligência e agilidade na análise de dados.
Janeiro-Março | 2018Em um passado não muito distante, a ideia de que robôs pudessem se encarregar de diversas tarefas em empresas de qualquer setor parecia algo saído de filme. Androides metálicos sentados em escritórios e substituindo humanos? Pois, em 2018, a entrada da robótica na gestão cotidiana das organizações não tem nada de ficção. Os recursos conhecidos como automação robótica de processos (Robotic Process Automation – RPA) e automação cognitiva de processos (Robotic Cognitive Automation – RCA) representam a próxima fronteira na busca por mais agilidade e redução de custos.
Economia de tempo, mais precisão e consistência na análise de dados são algumas das principais vantagens competitivas obtidas com a aplicação desses recursos, especialmente, em tarefas repetitivas e com alto volume de dados manipulados. O próximo passo é entender como usar RPA e RCA para alavancar o crescimento das organizações, para além do simples aumento de eficiência.
Inúmeras possibilidades
No Brasil, experiências pioneiras vêm sendo registradas em campos como a gestão tributária e a administração de Centros de Serviços Compartilhados (CSC), estruturas de centralização de processos e que concentram atividades de diversas áreas, como RH, administrativo, logística, TI, entre outras. Mas como a robótica funciona na prática? “Com uma grande quantidade de tarefas manuais de baixa complexidade e reduzido valor agregado, os controles tributários, por exemplo, têm um alto apelo para a aplicação da automação”, aponta Fábio Pereira, sócio da área de Consultoria Empresarial da Deloitte. Na gestão de um CSC, o uso de RPA e RCA pode propiciar ganhos cruciais. “Os CSCs brasileiros já estão bem maduros e otimizados em termos de estrutura. Qualquer ponto percentual ganho em eficiência já faz diferença, e a automação consegue trazer isso de forma rápida e eficiente.”
Cristiano Alcântara, diretor do CSC da Bunge, exemplifica as possibilidades citadas por Pereira, da Deloitte: “A cada 10 dias, nossa área gera cerca de 180 relatórios. Usando pessoas, gastaríamos em média três dias para gerá-los, enquanto um robô realiza a mesma atividade em duas horas. É um volume de dados grandioso, que despendia um esforço operacional muito alto de nosso time. Hoje, usamos esse tempo para atividades mais desafiadoras.” Essa estrutura da Bunge gerencia a movimentação de cerca de 8 mil caminhões por dia, cruzando todas as regiões do País – o que também envolve milhares de rotas, contratos de frete e apólices de seguros. Tudo isso é feito de forma automatizada, com a aplicação de RPA. “Alcançamos uma incrível eficiência operacional e a otimização de tempo e de recursos, que são usados de forma mais estratégica em vez de serem alocados em tarefas transacionais”, acrescenta Alcântara.
Um diagnóstico feito pela Deloitte apresenta quatro tipos de serviços de RPA adotáveis pelas empresas brasileiras
1. Protótipos (simulações de alguns aspectos da automação)
2. Pilotos (plataformas ideais para disseminar internamente os benefícios da automação)
3. Automação de processos “as is” (quando não há mudança significativa nos processos existentes)
4. Automação de processos redesenhados (quando há ganhos em performance, qualidade e redução de custo)
Já em termos de RCA, as possibilidades incluem digitalização de dados, recursos de machine learning e deep learning, aplicação de inteligência artificial em canais de atendimento (chatbots) e análise preditiva.
A experiência da EDP, multinacional portuguesa que atua no mercado de energia no Espírito Santo e em São Paulo, mostra as aplicações da robótica em atividades volumosas e repetitivas. “Começamos com tarefas como emissão de guias e preenchimento de formulários em 2016. Em pouco mais de um ano, conseguimos automatizar 42 atividades distintas”, anuncia Silvio Andrade, gerente executivo de Novas Tecnologias da empresa. “Identificamos as atividades mais complexas e com maior nível de repetição e aplicamos soluções de RPA. Era uma demanda das equipes: mais tempo para desempenhar funções analíticas e menos tempo gasto nas tarefas volumosas”. Com isso, a EDP acumulou mais de 35 mil horas/homem substituídas por processos automatizados.
O caminho agora para as empresas brasileiras passa pela exploração mais profunda de RCA. Com a entrada de recursos cognitivos, incluindo inteligência artificial e machine learning, novas possibilidades que vão além dos ganhos operacionais estarão abertas. “Buscamos alavancar análises preditivas que vão ajudar no planejamento tributário, usando soluções de inteligência cognitiva”, diz Alessandra Heloise, diretora de Tributos da Claro. “Com isso, nossa área tem mais agilidade para apoiar a empresa na tomada de decisões estratégicas.”
A EDP também se prepara para dar passos mais ousados. “Agora que temos o domínio do funcionamento de RPA, investiremos em compliance dos processos. Teremos robôs atuando junto à auditoria e estamos desenvolvendo pesquisas, de modo a tangibilizar as opções da robótica e da IA aplicadas ao nosso negócio”, conta Silvio Andrade.
“Os volumes de dados envolvidos em nossos processos e as complexidades da regulamentação tributária brasileira são gigantescas”, narra Alessandra Heloise, da Claro. “As tarefas operacionais podem ocupar até 70% do tempo dos analistas, em detrimento das ações de análise e de qualidade. Com recursos de RPA, buscamos melhoria da eficiência operacional, mitigação de riscos e mais agilidade nas respostas”. A empresa de telecomunicações realizou diversos testes para verificar os ganhos em prazos e qualidade. “Também buscamos estruturar uma governança que permitisse ações rápidas e alinhadas aos requisitos de órgãos reguladores”, lembra Alessandra.
Pessoas e carreira
Essa nova organização do trabalho estimulou a EDP a redesenhar também os planos de carreira de seus funcionários. “Pelo menos 50 pessoas foram diretamente impactadas. Criamos cinco novas carreiras na empresa ligadas às atividades automatizadas, com profissionais dedicados às funções robotizadas e acompanhamento de resultados. Nosso departamento de P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) também está analisando as questões humanas e de comportamento ligadas a essa nova realidade”, diz Andrade, da EDP.
A Bunge, segundo seu diretor de CSC, também enxerga diversas oportunidades de desenvolvimento humano dentro dos avanços da robótica. “Essas tecnologias são capazes de alavancar a produtividade, a segurança e os processos de treinamento das equipes”, afirma Cristiano Alcântara. “Nossa principal prioridade é formar o maior número de pessoas capazes de aperfeiçoar tecnologias e criar esses robôs e, para isso, formamos grupos para atender a demandas de diversas áreas, como fiscal, recursos humanos e contabilidade.”
A preocupação com o lado humano – especialmente o temor da substituição de pessoas por máquinas – é um ponto relevante nessa transformação, reconhece Igor Ivanov, diretor da área de Outsourcing na Deloitte. “Ainda há certa resistência porque se trata de um tema muito novo. Mas veio para ficar. O segredo não está nos robôs, e sim na forma como as empresas se preparam para adotá-los. Investir em cultura, informação e capacitação é fundamental”, diz o especialista, que realizou intercâmbio para capturar aprendizados de robotização hoje desenvolvidos em outros países, como a Espanha.
Computação quântica: revolução dentro da revolução
Mesmo considerando-se válida a Lei de Moore (a qual prediz que a capacidade de processamento dos computadores dobra a cada 18 meses), os atuais sistemas de TI ainda não conseguem aproveitar todo o potencial de crescimento da inteligência artificial, fazer a fatoração de números primos muito grandes ou cuidar de algoritmos com alto grau de complexidade. Entra em cena então a computação quântica, que emprega conceitos da física e da mecânica quântica para construir computadores capazes de dar conta dessas e de outras aplicações inimaginavelmente avançadas.
A empresa D-Wave Systems lançou comercialmente, em 2017, um equipamento que consegue manipular 2.000 qubits, ou bits quânticos – o equivalente a 22000 bits “tradicionais”. Por trabalhar de forma não-linear, a máquina da D-Wave consegue calcular simultaneamente todas as possibilidades de um dado problema com uma velocidade milhares de vezes mais rápida que um computador convencional.
Empresas como Samsung, as montadoras Daimler AG e Honda, os bancos JPMorgan Chase e Barclays e a siderúrgica Hitachi Metals já usam a computação quântica para desenvolver novos materiais para aplicação automotiva, resolver questões complexas de otimização (como processos de fabricação ou roteamento de veículos para logística de frotas ou carros autônomos) e melhorar a capacidade de recursos de inteligência artificial.
Como em toda grande onda de inovação, o papel das empresas é fundamental, na medida em que se lançam a aplicar, aprender e aprimorar os novos conceitos disruptivos, na busca por competitividade.