A arte e a ciência da previsão
No momento em que se busca prever com mais precisão o Brasil do curto e médio prazos, o especialista em predições Dan Gardner lembra que o caminho para antever cenários é testar sempre – com foco, humildade e mente aberta.
Outubro-Dezembro | 2016Ser intelectualmente humilde, porém, curioso, e manter o campo de visão e de interesses sempre aberto. Essas são, segundo Dan Gardner, qualidades essenciais para quem quer ser um superforecaster – uma pessoa capaz de fazer grandes e acertadas previsões.
O jornalista canadense aliou sua experiência de escritor às consistentes pesquisas de Philip Tetlock sobre o assunto e, juntos, lançaram o best-seller “Superprevisões – A Arte e Ciência de Fazer Predições” (Editora Objetiva). Tetlock é professor de Administração da Wharton School e de Psicologia da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade da Pensilvânia, além de pesquisador, há décadas, sobre previsões.
Embora a teoria da “arte e ciência” da previsão descrita no livro tenha chamado a atenção principalmente de políticos e agências nacionais de informações, os autores sustentam que ela também pode ser útil para quem toma decisões no mundo dos negócios – como executivos, empreendedores e investidores que buscam hoje se antecipar a cenários que vão impactar o Brasil e o mundo em 2017 e além. Leia, a seguir, a entrevista concedida por Gardner à Mundo Corporativo.
Como os gestores empresariais podem aplicar os princípios da teoria exposta no seu livro?
O primeiro passo é reconhecer que somos todos um pouco “meteorologistas” – no sentido de quem sabe fazer previsões. Com muita frequência, as pessoas assumem que a previsão é uma análise formal, usando modelos que apenas quem é do “departamento de previsões” entende. Não é verdade. Cada decisão importante que tomamos em nossas vidas, seja de negócios ou pessoal, se baseia em previsões. Se um executivo diz “eu vou contratá-lo, porque acho que ele vai ser excelente para esse trabalho”, fez uma previsão sobre como o candidato iria realizar as funções, e decidiu com base na previsão que fez. Devemos introduzir um novo produto ou serviço? Devemos entrar em um novo mercado? Qualquer decisão importante feita no mundo dos negócios se baseia na percepção de como o futuro vai se desdobrar. Em outras palavras, se baseia em previsões.
Por que as pessoas têm dificuldade de enxergar isso? E quais as consequências?
A falha em reconhecer que fazemos previsões o tempo todo tem consequências graves. Pessoas que não entendem que suas previsões são a base das grandes decisões que tomam não vão pensar muito sobre como fazem previsões nem vão tomar medidas para melhorar. E assim, inevitavelmente, não evoluem. Depois da conscientização, o próximo passo é a prática. A previsão é uma habilidade, e, como qualquer habilidade, você precisa praticá-la: faça várias vezes, analise os seus resultados e reveja o que está fazendo à luz desse feedback.
O que esses feedbacks podem ensinar?
Phil Tetlock tem investido muito de sua carreira em técnicas que permitem que as pessoas façam previsões do mundo real e obtenham feedbacks claros e precisos. Pense em como se aprende a andar de bicicleta: você pode aprender algumas das coisas de que precisa por meio de instrução formal, mas, para obter bom desempenho, precisa andar, cair, levantar, tentar de novo, melhorar. É esta a nossa abordagem do aprendizado da arte de fazer previsões. Em nosso livro, fornecemos alguma instrução formal – conselhos práticos sobre como fazê-la –, mas, para ficar realmente bom em previsão, é preciso aprender com a experiência.
Como vocês desenvolveram a teoria? O que encontraram em suas pesquisas que ajudou a projetar as bases do superforecasting?
Tetlock é um psicólogo americano eminente e vem estudando previsão política e econômica desde os anos 80. Uma de suas primeiras descobertas foi o quão difícil é testar adequadamente a precisão de muitos tipos de previsão. Foi isso que o levou a desenvolver métodos para contornar as barreiras. Em seguida, ele mostrou que uma grande parte das previsões de especialistas é ruim. Ele até encontrou uma correlação inversa entre a fama e a precisão – de modo que, quanto mais famoso o perito, menos precisas suas previsões eram.
Por que isso acontece?
O problema essencial é a crença de que um especialista está sempre certo. Diariamente, vemos especialistas muito confiantes na televisão dizendo o que vai acontecer, e nós ouvimos e levamos a sério, porque todos – os produtores de TV, os especialistas e o público – pensam que eles têm capacidade preditiva real. Em quase todos os casos, porém, seus modelos preditivos não foram testados. Imagine se médicos prescrevessem medicamentos que nunca fossem cientificamente testados em segurança e eficácia, mas nos quais todos confiassem, porque, afinal, eles são médicos. É ridículo. É não científico e primitivo. E, no entanto, é como nós tratamos as previsões que ouvimos de “especialistas”. Tetlock estava determinado a abordar o problema cientificamente, como faz a medicina. Depois de décadas de trabalho, ele formulou uma grande iniciativa de pesquisa, financiada pelo Escritório Diretor de Inteligência Nacional – órgão do governo dos Estados Unidos que supervisiona todas as agências de inteligência norte-americanas –, para aplicar a sua própria obra usando problemas reais de previsão mundial, como, por exemplo, “como a economia da China vai estar no quarto trimestre?”. Essa pesquisa produziu um tesouro de descobertas sobre o que constrói previsões mais precisas, sendo a base do livro.
O que aconteceu com o Brasil é uma oportunidade para aprender – ou lembrar – que a realidade é complexa, mudanças e surpresas são inevitáveis, suposições confortáveis são perigosas, e nossa capacidade de prever com precisão é limitada e dependente de trabalho duro., Dan Gardner.
Quais práticas os executivos podem usar para melhorar as previsões nas suas empresas?
Testar é fundamental. Você não pode melhorar o que não mede, de modo que os líderes devem implementar métodos para testar a precisão das previsões. Idealmente, esses métodos também devem fornecer o “campo de treino” que as pessoas podem usar para fazer previsões, aprender e melhorar. Quando se trata de pessoas fazendo previsões, a regra mais importante é que todas as regras são apenas diretrizes. A realidade é muito complexa para instruções simples. Tendo reconhecido isso, instamos as pessoas a consultar previamente a “visão de fora”. Procure diferentes perspectivas, conclusões de pessoas e métodos diferentes – e pense sobre como podem ser sintetizados. Não pense em termos de “isso vai acontecer ou não”; pense em termos de probabilidades, de 1% a 99%, em gradações tão finas quanto for capaz de gerenciar. E, para evitar excesso de informações, “quebre” um problema em partes e busque apenas a informação necessária para cada uma dessas partes. Por último, recomendamos atualizar a sua previsão à luz de novas informações, mas também sempre em partes – para evitar uma reação exagerada. E, acima de tudo isso, mantenha a humildade intelectual. Nesse contexto complexo, com nossas mentes humanas imperfeitas, erros são inevitáveis. Pense constantemente sobre o seu pensar, questionar, duvidar. Todos os verdadeiramente bons em previsões – como [o investidor] George Soros – são profundamente introspectivos. Não é que sejam perfeitos. Todo mundo comete erros. Contudo, a sua metacognição (pensar sobre o pensar) leva-os a detectar e a corrigir mais erros do que seus concorrentes, e isso é tudo no jogo.
E como as abordagens gerais podem ser adaptadas para enfrentar as circunstâncias de mudança como as que as empresas enfrentaram no Brasil nos últimos anos?
O que aconteceu com o Brasil é uma oportunidade para aprender – ou lembrar – uma das lições mais importantes: a realidade é infinitamente complexa, mudanças e surpresas são inevitáveis, suposições confortáveis são perigosas, e nossa capacidade de prever com precisão é limitada e dependente de trabalho duro, implacável. A pesquisa de Tetlock provou que aqueles que partilham dessa perspectiva intelectualmente humilde podem não ser videntes e gurus que preveem tudo, mas são melhores previsores do que a maioria das outras pessoas, o que, no mundo dos negócios, faz toda a diferença.
Há algum caso de empresário que tenha melhorado sua habilidade como previsor, que você poderia compartilhar?
Além de George Soros – cujo sucesso na década de 60 até os anos 80 foi surpreendente –, gosto de contar a história de John Maynard Keynes. Todos conhecem Keynes como um lendário economista. No entanto, Keynes também foi um investidor fantástico. Na Grã‑Bretanha, entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, Keynes investiu dinheiro para si, bem como para familiares e amigos em várias instituições. Ele fez várias fortunas, o que é impressionante quando se sabe que a Grã-Bretanha na época era um lugar terrível para investir. Então, como ele fez isso? De muitas maneiras, Keynes foi o exemplo perfeito do que discutimos no livro. Ele era intelectualmente humilde e excepcionalmente disposto a admitir o erro, aprender e mudar seu pensamento. E não há dúvida de que esta é a grande razão pela qual ele era um investidor bem‑sucedido.
Você acha que crises políticas e econômicas podem criar oportunidades reais para as empresas que aceitam o desafio de enfrentá-las? Ou a crença de que crises trazem oportunidades não é tão real?
Uma característica básica da psicologia humana é o viés do status quo – quando algo grande e importante acontece, esperamos mais do mesmo, esperamos pela repetição, pela manutenção daquela condição. Portanto, se há um ataque terrorista chocante, esperamos mais ataques terroristas. Se há um boom na economia, esperamos que a economia continue em expansão. Se o mercado de ações cai, pensamos que vai se manter em espiral para baixo. É uma aposta segura que muitas pessoas no Brasil, tomadas pelo viés do status quo, assumam que as coisas só vão piorar. É um erro clássico. A linha vai dobrar e girar. É sempre assim. Aqueles que reconhecem esse erro é que estão em posição de fazer uso do pessimismo excessivo dos que os rodeiam. Como [o investidor] Warren Buffett diz: “O segredo é ter medo quando os outros são gananciosos e ser ganancioso quando os outros estão com medo”.
Qual é o melhor conselho para pessoas que pretendem ser boas em prever as tendências futuras no mercado?
Eu sempre recomendo uma compreensão básica da psicologia. Compreender como os outros percebem, pensam e decidem é uma ferramenta valiosa para qualquer negócio. Entender como você mesmo percebe, pensa e decide é essencial. No entanto, além disso, eu acho que é mais importante ser intelectual e amplamente curioso, do que estudar um só campo em particular. A pesquisa de Tetlock mostrou que as melhores previsões são rotineiramente fruto da curiosidade intelectual. Isso não é uma coincidência. Curiosidade intelectual leva as pessoas a procurarem diferentes formas de ver a realidade – isso é o cerne da previsão exata. Quer contratar uma pessoa assim? Em entrevistas de emprego, peça aos candidatos para discutirem três livros que tenham lido recentemente, que realmente os animou e os levou a pensar. As pessoas que não sabem como responder a isso não são as que você quer contratar. Porém, a pessoa que responde a essa pergunta com entusiasmo pode ser um grande previsor. Contrate.