Admirável mundo 4.0
A nova revolução industrial – pautada pela convergência entre as tecnologias da operação e da informação – não é novidade, mas vai se intensificar no curtíssimo prazo em todas as cadeias produtivas.
Outubro-Dezembro | 2016
A Tesla Motors, montadora do Vale do Silício conhecida pelos carros elétricos de alto padrão, introduziu uma inovação sem precedentes na indústria automotiva: os proprietários de automóveis como o sedã da marca recebem atualizações frequentes do software dos veículos, tal qual a Apple envia atualizações do seu sistema operacional para os proprietários de iPhones. Sensores e radares instalados nos veículos captam dados sobre a utilização do carro a todo instante, alimentando um sistema que analisa e devolve os dados em forma de melhorias técnicas a cada atualização. Com isso, a empresa aprimora itens, como o sistema de piloto automático do veículo, faz ajustes na velocidade e permite ao motorista planejar melhor suas viagens com base na autonomia de carga.
Esse é um exemplo de como a chamada “Quarta Revolução Industrial”, ou “Indústria 4.0”, começa a transformar o modo como os bens são produzidos e se relacionam com o consumidor. O conceito é bem recente: surgiu pela primeira vez em 2011 em um documento da GTAI, a agência do governo alemão para comércio e investimento, quando foi desenhado um plano de estratégias para o país na área de tecnologia. Por outro lado, a velocidade com que a Indústria 4.0 tende a se disseminar em todas as cadeiras produtivas aumenta a cada dia, a ponto de se poder afirmar, seguramente, que ela será um tema frequente na agenda de 2017 das empresas desses setores.
Na Indústria 4.0, a convergência entre os meios físicos de produção e a tecnologia da informação dá as cartas, resultando em um novo modelo caracterizado pela integração e pelo controle da produção a partir de sensores e equipamentos conectados em rede, tornando possível o uso da inteligência artificial.
A Indústria 4.0 vai promover um encurtamento dos prazos de lançamento de novos produtos no mercado, maior flexibilidade nas linhas de produção e mais eficiência no uso de recursos naturais e energia., Reynaldo Saad, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Consumo e Produtos Industriais.
Entre as tecnologias que viabilizam a Indústria 4.0 estão: Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), robótica, análise de big data, computação em nuvem, realidade aumentada, manufatura aditiva (impressão 3D) e manufatura híbrida (funções aditivas e de usinagem em um mesmo equipamento). Não se trata apenas de fábricas com alto grau de automação: na indústria inteligente, máquinas e insumos “dialogam” e trocam dados ao longo das operações industriais. Além disso, o conceito não se aplica somente à manufatura, mas se estende também para as demais etapas da cadeia de valor, desde o desenvolvimento de novos produtos até o pós-venda – caso dos sedãs inteligentes da Tesla Motors.
“A Indústria 4.0 vai promover um encurtamento dos prazos de lançamento de novos produtos no mercado, maior flexibilidade nas linhas de produção e mais eficiência no uso de recursos naturais e energia”, afirma Reynaldo Saad, sócio-líder da Deloitte para a indústria de Consumo e Produtos Industriais.
A chamada customização em massa também é outro aspecto da tendência que deve alterar a relação entre indústria e seu público-alvo. “A Indústria 4.0 vai permitir a criação de novos modelos de negócios com base nas demandas reais dos consumidores. As empresas poderão fabricar em tempo real o que o consumidor demanda, sem necessidade de manutenção de estoques”, afirma João Emílio Gonçalves, gerente-executivo de Política Nacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Para acelerar o seu processo de transformação digital, a indústria deve investir no conhecimento sobre os modelos produtivos informatizados”, complementa Saad.
Indústria inteligente
O setor automotivo é um dos que mais tem investido em tecnologias 4.0 no mundo todo. No Brasil, uma das referências na utilização de tecnologias digitais na produção é a fábrica de utilitários Jeep em Goiana (PE), que faz parte do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA). Inaugurada em 2015, é a unidade de produção mais moderna do grupo desde a fusão da montadora italiana Fiat com a americana Chrysler. Com capacidade para fabricar 250 mil carros/ano, a unidade reúne digitalização, conectividade e realidade virtual em seu processo produtivo.
Uma das inovações é o processo flexível na etapa de funilaria, capaz de criar até quatro modelos diferentes, de forma simultânea, com o uso do sistema New Plant Landscape (NPL), em que o veículo é mapeado em cada etapa da fabricação, com uma gestão integrada e em tempo real dos dados de produto e processo – são 604 robôs em funcionamento e conectados, que permitem análise online.
A fábrica possui integração com os fornecedores e todos operam sob o mesmo sistema de comunicação em tempo real para garantir o fluxo logístico, reduzindo o nível de estocagem. “A fábrica Jeep foi concebida utilizando todas as ferramentas de simulação virtual de processos, equipamentos de última geração e soluções de ergonomia”, diz Pierluigi Astorino, responsável pela engenharia de manufatura da FCA.
Brasil 4.0
Para as provedoras de serviços e tecnologias alinhadas ao conceito da Indústria 4.0, o Brasil representa uma enorme oportunidade, embora a tendência ainda seja incipiente no País. A Siemens PLM Software, divisão da multinacional alemã que produz softwares para o gerenciamento do ciclo de vida digital do produto, já fornece tecnologia para empresas do setor automotivo e de máquinas e equipamentos.
“No Brasil, encontramos muitas empresas que possuem diversas soluções departamentais, mas não integradas, então a visão holística se perde”, afirma Paulo Leal da Costa, vice-presidente para a América do Sul da Siemens PLM Software. Na Europa, onde o conceito está mais disseminado, as empresas buscam outras ferramentas de manufatura digital, como simulações em 3D e engenharia preditiva. Recentemente, a Siemens firmou uma parceria com a BSH, maior fabricante europeia de eletrodomésticos, para acoplar mais tecnologias 4.0 na fabricação e em soluções de conectividade para eletrodomésticos, dentro do conceito da Internet das Coisas e das casas inteligentes.
Também provedora de soluções para a indústria, a Autodesk, conhecida pelos softwares para modelagem e impressão 3D, tem percebido um aumento gradativo na procura por tecnologias 4.0 no Brasil. “Os clientes estão incorporando o conceito de uma forma gradual, seja por meio de robôs, de sensores na produção, ou utilizando dados gerados pelos sistemas na tomada de decisões”, diz Raul Arozi, técnico especialista em manufatura da Autodesk.
Um dos clientes da Autodesk no Brasil é o centro de design da Electrolux na América Latina, localizado em Curitiba, que utiliza a prototipagem digital e realidade virtual na confecção de protótipos dos eletrodomésticos que chegarão ao consumidor final. O uso da prototipagem digital não elimina a necessidade de construção de protótipos físicos, mas torna o processo de tomada de decisão mais ágil e assertivo, além de permitir redução de custos.
A Basf, multinacional alemã do setor químico, é outra que tem colhido os louros do uso de tecnologias 4.0. Ao utilizar análise de big data em sua fábrica de sabonetes em Kaiserslautern, na Alemanha, a empresa reduziu a quase zero o desperdício de matérias-primas no processo. A subsidiária brasileira vem incorporando algumas tecnologias 4.0 nas divisões de agronegócio e tintas (a empresa alemã é detentora da marca Suvinil), só que mais voltadas para seu consumidor final. Um exemplo é a oferta de aplicativos que permitem ao agricultor identificar, com base em análise de dados, o momento de maior vulnerabilidade de sua cultura para então realizar a aplicação de defensivos agrícolas. “O momento é de transição tecnológica. Integrar as tecnologias 4.0 na cadeia será o próximo passo”, diz Rony Sato, gerente de Tecnologia e Inovação da Basf para a América do Sul.
Para entrar de vez na Quarta Revolução Industrial, o Brasil terá de resolver desafios em termos de infraestrutura e conectividade (redes de banda larga e móveis) e identificar instrumentos de política industrial que viabilizem o seu desenvolvimento no País, como a aquisição de bens de capital. Formar mão de obra capaz de fazer frente às novas demandas também será necessário, na avaliação do especialista em tecnologia Otto Berkes, chefe global de Tecnologia da CA Technologies, empresa norte-americana de softwares para desenvolvimento e gestão.
“Muito se fala que a Indústria 4.0 poderá causar perda de empregos, mas o que vemos será uma mudança no perfil de profissionais que vão trabalhar na indústria. Será menos chão de fábrica e mais especializado em tecnologia e software. O Brasil precisa investir na qualificação desses profissionais”, conclui Berkes, da CA Technologies. Afinal, a revolução é tecnológica – mas será conduzida pelas pessoas capazes de compreender os seus desafios.
Leia também uma entrevista com Jeffrey Carbeck, especialista em Indústria 4.0 da Deloitte