Ruptura para sobreviver
O guru da gestão Tom Peters afirma que, mesmo em períodos de crise econômica, é necessário ser ousado e criativo nas decisões empresariais. Tecnologia, formação contínua e atenção aos detalhes são pilares desta nova era.
Janeiro-Março | 2017Thomas Peters completou 74 anos dois dias antes de realizar uma palestra na HSM Expo 2016, evento de educação executiva realizado em novembro, em São Paulo. O tema de sua apresentação foi “Como Vencer no Século da Ruptura”. Romper com paradigmas, afinal, é uma especialidade do guru, considerado pelo jornal Los Angeles Times como o pai da empresa pós-moderna.
Peters costuma pensar fora da caixa e ser incisivo em suas posições – mesmo quando elas dizem respeito à sua própria condição no mundo dos negócios. Um exemplo disso é a ênfase, mesmo sendo um homem septuagenário, em defender a presença de profissionais mais jovens, na faixa dos 30 anos, e de mulheres nas diretorias dos conselhos das empresas (veja a composição ideal de um conselho sugerida por ele).
O consultor é um entusiasta da inovação e, como tal, acredita que as melhores ideias surgem nas startups. Mestre em engenharia civil pela Cornell University, PhD pela Stanford Graduate School of Business e autor de best-sellers como “Vencendo a Crise” (Editora Harper e Row do Brasil), Peters concedeu uma entrevista exclusiva para a Mundo Corporativo após sua apresentação na HSM Expo 2016.
Como executar rompimentos efetivos nas empresas e efetivar transformações nos negócios, falando de modo pragmático? Como chegar lá?
Os líderes e diretores das corporações precisam circular pelas empresas e ver como as coisas acontecem. O CEO precisa ver por si mesmo o que acontece nas lojas e nos centros de distribuição, por exemplo. Precisa conversar com os vendedores. Isso pode não ser divertido pela perspectiva de um alto executivo, mas é necessário. E dizer que está ocupado demais para fazer algo assim não é desculpa. Há a história de uma instituição de saúde americana que, em seus processos de recrutamento, analisa quantas vezes o candidato utiliza o pronome “eu” e quantas vezes emprega o “nós” nas entrevistas. Eles contratam os “nós” e não os “eus”. É um conceito de trabalho em equipe. Nas situações em que uma empresa pretende lançar um novo produto ou entrar em um novo mercado, em um relatório de, digamos, 43 páginas sobre a ação, quantas delas são a respeito de como acessar o mercado e quantas são sobre implementação? Eu costumo ver em relatórios desse tipo 37 páginas e meia de análise de mercado. No entanto, é preciso falar muito mais sobre implementação para que as coisas aconteçam. O empresário norte-americano Conrad Hilton, fundador da rede de hotéis Hilton, já dizia que o segredo do sucesso do negócio é não se esquecer de dobrar a cortina do chuveiro dentro da banheira – ou seja, está nos detalhes. Um dos grandes problemas atualmente é que, nas escolas, boa parte da formação e do treinamento está equivocada se considerarmos o perfil da economia daqui a 20 anos. Em vez de focar atividades criativas, dá-se prioridade a habilidades para realizar tarefas que serão efetivadas pela inteligência artificial.
O senhor prega a ousadia e o incentivo às ideias, ainda que elas não levem a estratégias lucrativas; diz que as empresas aprendem muito com os fracassos. Como aplicar esses princípios em mercados em que erros podem custar carreiras e até mesmo a saúde das empresas?
É uma questão difícil. É possível encorajar essa ousadia, mas acredito que os líderes seniores muitas vezes não a bancam de fato. O que precisamos, em minha opinião, é de organizações em que todos sejam encorajados todo o tempo a tentar coisas novas. Toda a mentalidade da instituição, em todos os departamentos, deve estar voltada para isso. Tenho de poder caminhar pela empresa e perguntar a cada funcionário: em que você está trabalhando? O que está tentando? É como o Google dizer para todos os seus empregados que espera que eles gastem 20% de seu tempo em projetos que não têm nada a ver com as atribuições de seus cargos.
Esse tipo de modelo funciona na prática?
Muitos dos grandes avanços provêm de pequenas iniciativas. Eu costumava usar um termo denominado 4 Fs: “Find a Fellow Freak Far away” (em tradução livre, ”encontre um companheiro maluco que esteja longe”), e é daí que vêm 90% da inovação, de um lugar distante da sede da empresa. A mágica da inovação nos Estados Unidos está na quantidade de startups. Os números mostram que, a cada 700 tentativas, surge um Google. Inovação é um jogo de números.
E como essa lógica se aplica ao Brasil?
O problema do Brasil é que grandes empresas adquirem as startups e as sufocam com seus rituais. Se eu fosse presidente do País, saberia que tenho 17 mil startups, que preciso incentivar seu desenvolvimento e assegurar que tenham acesso a financiamentos, pois delas podem surgir novos Googles. Quando essas starTups se tornarem grandes empresas, vão se esgotar, mas é parte do jogo. O Vale do Silício também é um jogo de números. O segredo de seu sucesso é sua taxa de mortalidade. Ouvimos falar de várias empresas de lá, mas não sabemos de 98% delas. Isso é uma parte absolutamente necessária do processo.
Qual deve ser a prioridade de gestão das empresas neste momento, considerando o contexto econômico e empresarial?
Tenho a forte impressão de que todas as empresas, de todos os mercados e todos os tamanhos – bancos, hotéis, todos os tipos de organização –, devem priorizar o desenvolvimento dos talentos de seus empregados. As empresas precisam de pessoas motivadas, cheias de energia, bem treinadas, incentivadas a experimentar. Tudo pode ser diferenciado, a palavra commodity não existe para mim, com exceção da indústria do petróleo, que depende muito de mudanças tecnológicas. Passamos por um momento em que devemos estar obsessivamente focados em nos reeducar. Treinamento deveria ser o investimento número um nas empresas. No exército e na marinha dos Estados Unidos, o responsável pelo treinamento é um general de três estrelas, e a definição de um exército e de uma marinha efetivos é que são bem treinados. Se isso é válido para essas instituições, por que não pode valer também para as empresas? Temos de entender que se trata de uma espécie de guerra.
Você enfatiza que as empresas precisam aproveitar o ímpeto da “destruição criativa”, em vez da melhoria contínua e incremental. Perante a situação política e econômica e em um momento de gradual retomada da confiança no País, você acredita que esta seria uma ocasião propícia para as empresas brasileiras assumirem esse tipo de risco e promover essa guinada?
Atualmente, não assumir riscos é uma forma de morrer logo. É o que vejo na indústria da saúde, por exemplo. Não pode faltar uma certa imaginação artística para definir a imagem da loja ou da empresa, a habilidade de supor um lugar que seja dramaticamente diferente, em que as pessoas estejam engajadas com o que fazem e experimentem coisas novas.