“Dinheiro não é panaceia”
A necessidade de investimento em infraestrutura supera os recursos disponíveis de todos os bancos multilaterais, adverte Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil; para alavancar o setor, o País precisa de melhor planejamento e gestão dos recursos, bons projetos e marcos regulatórios atraentes
Julho-Setembro | 2017Até o fim do ano, a International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para o setor privado, irá aplicar 35% do seu orçamento de US$ 1,7 bilhão no Brasil para investimentos em infraestrutura. O banco contempla oportunidades nos setores de transporte, logística, água e saneamento, energias solar e eólica e gás natural.
A necessidade de investimento em infraestrutura supera os recursos disponíveis de todos os bancos multilaterais de desenvolvimento, adverte o economista alemão Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil. Porém, ele ressalta que a existência ou não de dinheiro dessas fontes multilaterais não é a questão principal.
Por um lado, projetos bem concebidos e marcos regulatórios robustos podem atrair investimentos privados suplementares e reativar a economia. Se quiser alavancar o atual financiamento limitado disponível, o Brasil precisa de parcerias privadas para transformar “bilhões em trilhões”.
Economista formado na Alemanha com pós-graduação na London School of Economics, Martin Raiser, 49 anos, está no Banco Mundial desde 2003 e já foi diretor da instituição na Ucrânia, na Bielorrússia, na Moldávia e na Turquia, antes do Brasil. Autor de vários livros e artigos sobre desenvolvimento, fala inglês e francês fluentemente e tem conhecimentos de russo, português e espanhol.
Dessa experiência cosmopolita, extraiu a certeza de que “o dinheiro não é uma panaceia” – no sentido de que mais gastos não resolvem necessariamente o problema sem que haja uma gestão bem estruturada – e que “a qualidade e a credibilidade do quadro regulatório” são cruciais para atrair investimentos privados e estrangeiros – como explica nesta entrevista à Mundo Corporativo.
O Brasil investe 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura, mas precisaria investir 5,5%, em duas décadas, para modernizar o saneamento, o transporte, a energia, as telecomunicações, a habitação, etc. Como o Banco Mundial avalia esse desafio?
Acreditamos que há margem para aumentar o investimento, tanto público quanto privado, em infraestrutura. Contudo, o dinheiro não é uma panaceia. A experiência frustrante de programas de infraestrutura emblemáticos do passado é um exemplo. Mais gastos não resultam em melhores serviços se problemas subjacentes de gestão não forem abordados. Recentemente, publicamos um estudo sobre o Brasil no qual mostramos que as perdas de eficiência nos investimentos em infraestrutura nas áreas de transporte e água e saneamento somam 2,1% do PIB, quase tanto quanto os investimentos totais anuais. Se essas perdas pudessem ser reduzidas por meio de melhor planejamento, governança e escolha de investimentos, haveria melhores retornos para os investidores e melhores serviços para os beneficiários, sem a necessidade de muito mais recurso. Por sua vez, isso encorajaria mais investimento privado e ajudaria o governo a justificar o ajuste fiscal para abrir espaço também para um nível mínimo de investimento público.
Até 2013, a economia brasileira cresceu com o aumento dos gastos públicos de estatais e com a expansão do crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas o modelo parece ter se esgotado, concorda? Com o Programa Avançar, o governo pretende concluir algumas obras selecionadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Porém, como destravar os investimentos e trazer as empresas privadas para o jogo?
De fato, o modelo de crescimento do Brasil baseado no aumento dos gastos públicos encalhou. Existe um interesse considerável do setor privado em investir em infraestrutura e, assim, ajudar a reavivar a economia. Mas isso dependerá, em primeiro lugar, de um quadro regulatório crível a longo prazo, que ofereça equilíbrio de riscos a todas as partes envolvidas. É importante lembrar que o setor privado não paga por serviços de infraestrutura – os usuários ou contribuintes o fazem. Se os investidores não puderem ter certeza de um retorno financeiro, eles ficarão longe ou encontrarão uma maneira de passar o fardo para o governo. Um bom quadro regulatório é fundamental para decidir quais os riscos o setor privado suportará e o que continuará sendo responsabilidade do governo. Em segundo lugar, para o Programa Avançar ter mais sucesso que o PAC, é fundamental ter mecanismos de governança efetivos para escolher projetos baseados em viabilidade econômica e social e rejeitar os injustificados. Um pipeline mais robusto de projetos viáveis é fundamental para reduzir ineficiências e atrair investimentos privados.
Investimentos em infraestrutura podem reanimar a economia?
Evidências internacionais demonstram que um aumento de 1% no investimento em infraestrutura pode gerar um crescimento do PIB entre 0,1% e 0,17% ao ano. Os problemas de logística, saneamento, habitação e infraestrutura urbana são obstáculos críticos para o crescimento econômico do País. Nós analisamos isso em detalhe em nosso relatório “Diagnóstico Sistemático de País – Brasil”, lançado em 2016.
No Fórum Global de Infraestrutura 2017, em Washington, os bancos multilaterais concordaram em ampliar a colaboração para incentivar investimentos estimulando as parcerias público-privadas. Este é o caminho?
As necessidades de investimento em infraestrutura superam amplamente os recursos disponíveis de todos os bancos multilaterais de desenvolvimento. Por isso, é uma questão de necessidade olharmos para as parcerias privadas para alavancar o financiamento limitado disponível. Esta é a agenda para transformar “bilhões em trilhões”. Além dos aspectos puramente financeiros, o setor privado pode trazer muito em termos de melhor gerenciamento, inovação tecnológica e eficiência. Pode oferecer serviços aprimorados a custos mais baixos. Isso permitiria mobilizar financiamento privado complementar para os recursos públicos e fechar o hiato da infraestrutura mais rapidamente. Mas nada acontecerá de forma automática. O que é necessário é uma melhor regulação, maior capacidade do governo para preparar e monitorar bons projetos de infraestrutura e fazer funcionar o compliance no setor privado.
Com os problemas pelos quais passaram grandes empreiteiras brasileiras, os fundos de investimento e investidores estrangeiros estão ocupando espaço. Nos 4 aeroportos, 31 linhas de transmissão e 5 terminais portuários leiloados recentemente, os estrangeiros ficaram com 37,5% de participação, ante 26,5% de subsidiárias locais de multinacionais e 36% de empresas brasileiras. A crise torna os ativos brasileiros mais baratos?
Os estrangeiros sempre tiveram grande interesse no mercado brasileiro, mas as condições foram colocadas com o objetivo de deixá-los em uma desvantagem perante as empresas de construção locais. Isso agora está mudando. Daí o sucesso, por exemplo, das concessões aeroportuárias concluídas no início deste ano. Claro que existem outros fatores – como o preço dos ativos e os riscos políticos e macroeconômicos –, mas, fundamentalmente, o que é importante é que o Brasil está se abrindo ao investimento estrangeiro em infraestrutura, o que achamos positivo.
A IFC anunciou que vai destinar cerca de 35% do seu orçamento de US$ 1,7 bilhão no Brasil à infraestrutura e oferecer novas modalidades de financiamento, como a compra de títulos da dívida de projetos que não encontram saída no mercado. Quais os projetos mais relevantes do Banco Mundial no Brasil?
Vemos oportunidades em diversos setores, como os de energia, transporte e logística, água e saneamento, além de infraestruturas urbanas nas quais as parcerias público-privadas podem desempenhar um papel importante na modernização e alavancar o investimento privado para fechar a grande lacuna de infraestrutura do Brasil. O mercado é claramente mais desenvolvido no setor de energia, especialmente nas energias renováveis solar e eólica. Porém, com as mudanças no quadro regulatório, novas oportunidades poderão se abrir em outros lugares, como na área de gás natural, por exemplo.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, apenas 1,6% dos US$ 106 trilhões disponíveis em fundos administrados por investidores institucionais privados são investidos em infraestrutura. Como enfrentar gargalos como o longo prazo de maturação dos projetos, a imprevisibilidade política decorrente de resultados de eleições, a alteração das tarifas das concessões e a demora do licenciamento ambiental?
A qualidade e a credibilidade do quadro regulatório são cruciais para atrair investimentos privados e investimentos estrangeiros não familiarizados com o contexto institucional brasileiro. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 6.621/16 (que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras) é um passo na direção certa, pois fortalece a independência e o profissionalismo das agências, reduzindo o risco de mudanças nas políticas tarifárias e outras, como o ciclo eleitoral. A adoção de uma lei de compras revisada também é crítica, o que permitiria a contratação de serviços de engenharia e consultoria financeira de forma qualitativa, aumentando a capacidade do governo para a preparação e avaliação de projetos. Acredito que é possível melhorar o quadro de licenciamento ambiental, mas qualquer reforma nesse sentido deve ser estritamente orientada para as melhores práticas internacionais, uma vez que uma lacuna entre os padrões brasileiros e globais desencorajaria os mercados internacionais de capitais a investir. Gostaria de enfatizar que uma das maneiras mais importantes e menos apreciadas de reduzir os riscos para os investidores é ter propostas de projetos melhor preparadas. Isso facilita enormemente a avaliação dos riscos ambientais, sociais e de construção, e ajuda os investidores a adotar estratégias de mitigação. Elas também podem acelerar o processo de licenciamento e reduzir a incerteza porque diminuem a necessidade de renegociação à medida que novas informações vêm à tona.
A rede Regions of Climate Action calcula que US$ 7 trilhões serão deslocados da economia tradicional, em cinco anos, para projetos de descarbonização. Algumas empresas brasileiras já emitiram green bonds para captação de investimento em projetos “verdes” validados por avaliação externa. Como o Banco vê essas iniciativas?
Olhamos favoravelmente para o potencial direcionador dos fundos com objetivos múltiplos. Contudo, a realidade é que, a menos que o retorno financeiro exista, os investidores não virão. Para atrair dinheiro em áreas como a de meio ambiente ou que geram externalidades sociais significativas, geralmente são necessários incentivos públicos, seja por meio da compra de reduções de emissões, subsídios ou medidas regulatórias que estimulem a realocação de recursos, por exemplo, para investimentos mais ecológicos. O Banco Mundial tem envidado esforços para criar tais incentivos e encontrar formas de alavancar recursos públicos com financiamento privado para objetivos sociais e ambientais. No Brasil, esse mercado ainda tem muito o que avançar. Com ou sem objetivos sociais e ambientais e incentivos associados, há muito espaço para aumentar o papel dos mercados de capitais no financiamento de investimentos aqui.
O agronegócio expandiu a fronteira agrícola no norte do Brasil, carente de infraestrutura. No entanto, segundo a Confederação Nacional da Agricultura, o custo do transporte entre o local de produção e os portos pode impedir o País de assumir a liderança global do agronegócio até 2020. O Banco contempla alguma ação na área?
Temos prestado assessoria sobre concessões rodoviárias em níveis nacional e estadual e também fizemos alguns trabalhos para aumentar a eficiência de ferrovias e portos, reduzindo os custos de exportação. É importante que essas rotas de transporte sejam adequadamente planejadas e discutidas com as partes afetadas, já que alguns projetos ambiciosos, particularmente aqueles que atravessam florestas ou áreas protegidas, enfrentam resistência. Ficamos felizes em ajudar nessas discussões com experiência internacional, como a IFC fez, por exemplo, no desenvolvimento de princípios para o investimento sustentável na Região Amazônica, em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o BNDES.
Apenas 40% da população brasileira têm acesso ao sistema de esgoto e só 60% têm água tratada. O Banco pode ajudar na capacitação para a elaboração de projetos?
Certamente podemos, embora nossos recursos sejam limitados. Nossos colegas da IFC já possuem uma unidade de preparação de projetos com o BNDES. A equipe da IFC já esteve envolvida, por exemplo, no aconselhamento da SABESP. O Banco Mundial está trabalhando com a Caixa Econômica Federal para desenvolver um novo modelo de financiamento combinado com assistência técnica aos municípios. Também selecionamos projetos nos níveis estadual e municipal para investimentos em infraestrutura de saneamento, que incluem um componente de assistência técnica.
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